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Casos de machismo no esporte escancaram o ambiente hostil que as atletas mulheres enfrentam para seguir na carreira esportiva

Casos de machismo no esporte não são novidade para ninguém: eles se repetem desde que o mundo é mundo. Mas, com a recente popularização de pautas feministas, alavancada sobretudo pelas mídias sociais, o assunto tem ganhado cada vez mais destaque, mobilizando opiniões de todos os lados.

A crença generalizada de que “esporte não é coisa de mulher” é uma herança da Grécia antiga, quando as mulheres eram impedidas de participar e até mesmo de assistir aos Jogos Olímpicos em Atenas, sob pena de morte. A justificativa? Corpos femininos são frágeis e, portanto, devem se dedicar a atividades que não causem danos às suas delicadas articulações.

Com o tempo, as coisas foram mudando, e as mulheres conquistaram seu (mísero) espaço no universo esportivo – depois de muita luta e, literalmente, muito suor. Nesse novo cenário, o machismo teve de se reinventar, incorporando outras faces da desigualdade de gênero. Entre elas, estão a desvalorização financeira, a escassez de incentivos e patrocínios e, é claro, a sexualização dos corpos das atletas.

Por que Marta ganha menos que Neymar?

Durante a Copa do Mundo de 2018, uma questão foi levantada e tomou de assalto as redes sociais, as conversas de bar e as mesas do jantar em família: por que a jogadora de futebol Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo pela Fifa, recebe um salário muito menor que o de Neymar?

A polêmica foi resgatada no início de 2021, quando o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) abordou, em uma das questões da prova, a desigualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil, utilizando o caso de Marta como exemplo. Com dados de 2017, o texto de apoio explicava que Marta recebia 3,9 mil dólares por gol, enquanto Neymar embolsava 290 mil dólares.

A questão destacava ainda outra disparidade: Marta, naquela época, havia sido eleita cinco vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa. Neymar, por outro lado, conquistou suas melhores posições no ranking em 2015 e 2017, com um modesto terceiro lugar em ambas as ocasiões. Em 2020, o jogador também foi indicado para a disputa, mas acabou na nona posição.

Imagem: Reprodução Twitter

A polêmica foi tão grande que até o presidente Jair Bolsonaro se manifestou, criticando o argumento colocado pela questão: “Não tem que ter comparação. Futebol feminino ainda não é uma realidade no Brasil. O que o Neymar ganha por ano todos os times de futebol juntos não faturam no Brasil por ano. Como é que vai pagar para Marta o mesmo salário? Isso se chama iniciativa privada, ela que faz o salário, ela que mostra para onde o mercado deve ir. Então, faz questões absurdas sempre pregando igualdade, mas por baixo”.

Na ocasião, Bolsonaro levantou um ponto que não deve ser ignorado: a participação da iniciativa privada no esporte. Por que equipes de atletas femininas ainda recebem patrocínios tão tímidos? É o interesse do público que dá o tom do mercado, ou é o mercado que gerencia os jogos aos quais o público tem acesso?

Ainda podemos ir mais longe: quais medidas podem ser tomadas, nos âmbitos governamental, empresarial e civil, para que o esporte feminino conquiste o reconhecimento que merece?

Sexualização no esporte

Os Jogos Olímpicos Tóquio 2020, adiados para 2021 em virtude da pandemia de Covid-19, trouxeram à tona mais uma dificuldade que as mulheres enfrentam no esporte: a hipersexualização.

Em abril, a equipe alemã de ginástica feminina trocou os tradicionais collants de corte alto, que deixavam as pernas expostas, por macacões até os tornozelos, para protestar contra a sexualização de seus corpos. A dissidência teve como objetivo destacar e prevenir o abuso sexual no esporte, após vazarem denúncias dessa natureza nos Estados Unidos e no Reino Unido. Elas seguiram com o protesto nas Olimpíadas de Tóquio.

Em um movimento semelhante, a equipe feminina de handebol de praia da Noruega foi multada pela Federação Europeia da modalidade, em julho, por desafiar as regras do campeonato europeu, que as obrigava a adotar como uniforme um biquíni bastante revelador, para dizer o mínimo.

No lugar, as jogadoras optaram por um short curto, alegando que a parte de baixo do biquíni as deixava desconfortáveis, dificultava o controle da menstruação e afastava jovens atletas do esporte. A regra do uniforme é estabelecida pela Federação Internacional de Handebol, que determina, para os jogadores homens, o uso de uma regata comprida e uma bermuda quase na altura dos joelhos. Seguindo o exemplo da equipe alemã de ginástica feminina, elas também deram continuidade ao protesto nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Equipes masculina e feminina de handebol da Noruega. Imagem: Reprodução Federação Norueguesa de Handebol.

Quem faz as regras?

É inegável que o mundo do esporte é controlado e pensado por e para homens brancos, heterossexuais e cisgênero. Eles ainda estipulam a maioria das regras, incluindo aquelas que policiam os corpos de meninas e mulheres. Os regulamentos sobre uniformes variam de acordo com a federação internacional – razão pela qual a equipe norueguesa enfrentou multas, mas a alemã não.

Embora o Comitê Olímpico Internacional (COI) não controle diretamente as políticas sobre uniformes, ele defendeu regras mais justas em seu Relatório de Projeto para a Igualdade de Gênero em 2018, visando “garantir que os uniformes de competição reflitam os requisitos técnicos do esporte e não tenham quaisquer diferenças injustificáveis.” Essa afirmação, no entanto, suscita uma dúvida: existe um motivo justificável para exigir que as mulheres vistam uniformes minúsculos, enquanto os homens têm direito a preservar a privacidade de seus corpos?

Segundo Sarah Zipp, docente da Faculdade de Ciências da Saúde e do Esporte da Universidade de Stirling, no Reino Unido, e Sasha Sutherland, professora da Administração de Esportes e Eventos da Universidade de West Indies, em Barbados, os problemas causados pela sexualização dos corpos femininos no esporte são inúmeros. Em artigo publicado no portal The Conversation, elas explicam que existem seis consequências identificáveis desse fenômeno que podem prejudicar meninas e mulheres que sonham com a carreira olímpica:

  • Abandono do esporte: uniformes que expõem demais geram desconforto, fazendo com que muitas adolescentes desistam de participar dos jogos.
  • Constrangimento e trauma: as câmeras podem detectar atletas expondo acidentalmente partes íntimas, pelos do corpo e lingeries. O body shaming na internet – críticas, chacotas e bullying em massa que colocam a mulher em situação vexatória por causa de seu corpo – faz com que as atletas se sintam acuadas e, por vezes, desenvolvam traumas relacionados ao próprio corpo e à exposição excessiva.
  • Pânico menstrual: o medo de que vaze sangue ou apareça um absorvente por baixo de roupas pequenas e/ou brancas é muito comum entre as atletas.
  • Exclusão de atletas de culturas não ocidentais: uniformes que expõem a pele impedem que meninas e mulheres de comunidades islâmicas e religiosas participem das competições.
  • Promoção de preconceito: a padronização dos uniformes muitas vezes ignora corpos não brancos, não magros e com deficiência.
  • Batalhas sobre os pelos do corpo: mulheres e meninas são pressionadas a depilar pernas, virilha e axilas regularmente, sob o risco de serem ridicularizadas e expostas nas redes sociais.

Precisamos de mais mulheres na liderança

As federações internacionais devem ajustar as regras técnicas para permitir que as atletas escolham roupas adequadas ao seu desempenho, conforto pessoal e preferências culturais. Essas escolhas podem motivar meninas adolescentes a permanecerem no esporte, apoiar atletas com corpos e cores diversos e incentivar a participação de culturas mais conservadoras nas competições.

Recrutar mais mulheres de diversas origens e culturas para posições de liderança é um passo importante para que as equipes femininas conquistem mais respeito no esporte. Para além disso, mídia, sociedade civil e autoridades governamentais devem unir esforços para incentivar a inclusão e a permanência das mulheres no ambiente esportivo, que, por enquanto, ainda é ameaçador e hostil à presença feminina.

Esportes não deixarão de ser “coisa de homem” da noite para o dia. Afinal, mais de 2.500 anos nos separam dos primeiros Jogos Olímpicos da Grécia Antiga que, segundo historiadores, data de 776 a.C. Desde então, muitos avanços foram feitos, mas ainda há inúmeros desafios pela frente. Combater o machismo no esporte é um deles – aliás, um dos mais urgentes.


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