Com temperaturas extremamente baixas e clima árido, o maior deserto da Terra é gelado, fica no polo sul e está derretendo
O maior deserto do mundo fica no continente mais gelado do planeta: a Antártida. O continente antártico, com cerca de 14 milhões km², é um grande deserto polar e um dos ambientes mais inóspitos da Terra.
Dentro do conceito coletivo, o tema “deserto” pode trazer à mente dunas de areia ou regiões áridas habitadas por cactos, sempre cenários com Sol escaldante e muito calor. Mas a verdade é que para ser considerada como deserto, uma região deve ter duas características principais: baixa umidade do ar e escassez de chuvas.
Como é o clima no maior deserto do mundo?
Na Antártida não há presença de chuva, a água em formato líquido, devido ao frio extremo, é encontrada apenas no verão austral. Nessa época, alguns fatores, como a temperatura e a umidade relativa do ar, a velocidade do vento e a radiação solar, combinados, causam o derretimento de geleiras e o degelo do permafrost.
Durante o inverno, estações meteorológicas dispostas na costa do continente gelado, marcam temperaturas médias entre 10°C e 30°C negativos. Já no interior no continente, devido a sua maior altitude e o distanciamento com o oceano, a média mensal no inverno chega abaixo de 60°C negativos. No verão, a média no continente é de 20°C negativos. Segundo o British Antarctic Survey, a estação de pesquisa russa, Vostok, registrou a temperatura mais baixa já registrada no planeta, de 89,2°C negativos.
O continente antártico também apresenta altitudes que variam entre 1500 e 4000 metros acima do nível do mar. Além disso, a camada de gelo que cobre a superfície do maior deserto do mundo tem média 2700 metros de espessura, chegando 4800 metros em alguns pontos. Esse acúmulo de gelo representa cerca de 70% de toda a água doce do planeta.
Durante o inverno na Antártida ocorre o “pack-ice”, uma espécie de cinturão de gelo, que circunda todo o continente, aumentando sua superfície em 18 milhões de km². Outra característica extrema, devido às condições climáticas do maior deserto do mundo, são os fortes ventos catabáticos, que atingem o continente e chegam a 185 km/h.
Os corpos hídricos, presentes no deserto antártico, apresentam a característica de serem ultra oligotróficos. O termo, que é um indicador de qualidade da água, revela que seus cursos d’água são limpos, com baixíssima concentração e produtividade de nutrientes.
A pouca vegetação presente é composta, em maior parte, por musgo e líquens. No entanto, existem duas espécies nativas que produzem flores, conhecidas como erva-pilosa-antártica e pêra-da-antártida. Um artigo, publicado pelo Jornal da USP em 2024, enfatiza o aumento e a proliferação dessas espécies pelo continente, evidenciando os impactos causados pelo aumento da temperatura.
Apesar de ser praticamente todo coberto de gelo, o continente antártico conta 15 mil km² de superfície exposta. Uma parcela dessa região é conhecida como Vales Secos de McMurdo.
Os Vales Secos de McMurdo
A maior parte exposta da superfície antártica é conhecida como Vales Secos de McMurdo (MDV, da sigla em inglês). Os Vales Secos formam uma região hiperárida, sem cobertura de gelo.
No continente antártico apenas 1% do solo é livre da cobertura de gelo, distribuído de forma desigual por todo o território. Essa pequena parcela de solo acolhe a maior parte da biodiversidade presente na Antártida.
Os Vales Secos apresentam regiões compostas por geleiras, montanhas, lagos congelados, riachos sazonais, solos desérticos gelados e áridos, além de permafrost. Também existem dunas de areia e bacias hidrográficas. As características geológicas e biológicas nessas regiões são únicas no planeta, plantas e microrganismos vivem num dos climas mais hostis da Terra.
Essa região é extremamente sensível às variações de temperatura e a incidência de raios solares. Os efeitos das mudanças climáticas nos Vales Secos são sentidos quase que imediatamente, pois isso afeta a capacidade de reprodução e desenvolvimento dos microrganismos presentes nesse ecossistema. Segundo os cientistas, a região dos Vales Secos é um grande laboratório a céu aberto, importantíssimo para os estudos sobre mudanças climáticas.
Um dos maiores mistérios, relacionados a essa região, é a “cachoeira de sangue” (Blood Falls) localizada no Vale Taylor. A água, que brota no fim da geleira e deságua no lago Bonney, é vermelha, graças à combinação de óxido de ferro em suas águas salgadas.
A água avermelhada, de acordo com cientistas, vem de sedimentos que estão debaixo da geleira, saturados com água com altas concentrações de sal. A água não jorra continuamente e os cientistas ainda tentam entender qual é o processo que a leva para a superfície, fazendo brotar na geleira. Até onde se sabe, a Blood Falls é considerada única no mundo.
Essa região se enquadra no plano de manejo das Áreas Antárticas Especialmente Gerenciadas (Asma, da sigla em inglês), por conta de seus significados biológico e científico. O Asma é uma das ferramentas de manejo estabelecidas pelo Tratado da Antártida, assinado em dezembro de 1959 por 12 países que contavam com cientistas atuantes na região, naquela época. Em 2020, esse número havia aumentado para 54 países, incluindo o Brasil.
O Tratado proíbe a exploração de recursos minerais no local e garante que o continente antártico seja usado apenas para fins pacíficos. Na Antártida existem 75 estações de pesquisas científicas, de 32 países diferentes.
Quais são os efeitos do aquecimento global no maior deserto do mundo?
Um estudo, publicado pela Nature, alerta para um efeito chamado “amplificação polar”. A temperatura do planeta tem aumentado intensamente no último século, como consequência da emissão de gases de efeito estufa por atividades antropogênicas. Segundo os cientistas, esse aumento de temperatura tem se mostrado mais intenso nos polos, quando comparado a outras regiões do planeta.
A pesquisa foi realizada a partir de 78 registros de núcleos de gelo. As camadas de neve antigas, depositadas sob a superfície de gelo antártico, são de extrema importância, pois guardam registros de mudanças climáticas passadas. Com esses registros, os pesquisadores foram capazes de reconstruir o cenário climático do planeta do último milênio, para sete regiões diferentes do continente antártico.
O estudo comparou a composição isotópica das 78 amostras de séries temporais, analisando a concentração e a persistência de dióxido de carbono.
A composição isotópica indica a proporção de diferentes isótopos de determinado elemento em uma amostra. Os isótopos, por sua vez, são os átomos presentes em um mesmo elemento químico, nesse caso, a água. A comparação da composição isotópica de um elemento é realizada com uma amostra de referência.
Os modelos de previsão usuais consideram que o planeta deve aquecer entre 0.14°C e 0.18°C por década, no que os cientistas chamam de tendência média de aquecimento.
No entanto, o resultado da análise mostrou que a taxa de aquecimento no continente antártico varia entre 0.22°C e 0.32°C por década, contrariando o modelo climático.
Esse resultado, de acordo com os pesquisadores, mostra que os modelos climáticos subestimam o impacto da amplificação polar, que é essencial para que as previsões futuras do clima sejam o mais acertadas possível.
Um exemplo dessa necessidade está relacionado aos riscos com o aumento do nível do mar, que leva em conta os derretimento das calotas polares. Tomando como base uma tendência média de aquecimento global menor do que de fato é, desconsiderando a amplificação polar, a situação seria ainda mais grave do que as projeções indicam.
O cientista climático Kyle Clem, que também estuda os impactos do aquecimento global no polo sul, afirmou, numa entrevista para o The Guardian, que a amplificação polar na Antártida, excedendo a projeção considerada pelos modelos climáticos usuais, indica um maior aquecimento futuro, que impactaria em maiores perdas de gelo marinho.
Essas perdas trariam implicações, com um maior aquecimento dos oceanos, prejudicando sua circulação global e os ecossistemas marinhos. Além do aumento da subida do nível do mar, que deve ser ainda mais crítico, uma vez que o aquecimento dos oceanos já vem causando o derretimento das plataformas de gelo costeiras, que protegem os glaciares.