Por José Tadeu Arantes em Agência FAPESP – As gramíneas que compõem as savanas tropicais evoluíram há cerca de 8 milhões de anos, na presença do fogo, muito antes do surgimento da espécie humana no planeta. E o fogo continua a ser um importante fator evolutivo nesse tipo de bioma.
O tema, que vem sendo esmiuçado por várias reportagens da Agência FAPESP desde 2017, recebeu agora um expressivo aporte com novo estudo coordenado pela ecóloga Alessandra Fidelis, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp) em Rio Claro e coordenadora do projeto “Como a época do fogo afeta a vegetação do Cerrado“. Artigo a respeito foi publicado na revista Science of The Total Environment.
“Verificamos que o fogo promove a diversidade funcional devido às estratégias de regeneração das plantas depois das queimadas. E também contribui para a fixação de carbono no solo e no subsolo”, diz Fidelis à Agência FAPESP.
Para determinar como o fogo interfere nos processos que ocorrem nas savanas, a pesquisadora e suas colaboradoras mediram diversos parâmetros em duas áreas distintas do Cerrado: uma que pega fogo frequentemente e estava recém-queimada e outra que se encontrava já há 16 anos sem queimar. “Enfocamos especificamente duas características dessas áreas: a diversidade funcional da vegetação e a dinâmica de carbono”, conta.
O conceito de “diversidade funcional” é diferente do conceito de “biodiversidade”, pois engloba não apenas a quantidade de espécies distintas, mas também os vários atributos de cada espécie, que estão relacionados à sua função em determinado ambiente. No caso, foram medidos tanto o número de espécies como os diversos parâmetros de cada uma delas: altura, diâmetro da raiz, área foliar etc. Esses parâmetros determinam diferentes funções que a mesma espécie pode desempenhar no ecossistema. Por exemplo, se a área foliar de um arbusto aumenta, isso possibilita que ele abrigue maior número de plantas rasteiras à sua sombra.
“Em relação a isso, é importante informar que as duas áreas que estudamos são regiões de Cerrado mais aberto, que já perdeu parte de sua biodiversidade. É o que chamamos de ‘campo sujo’, no qual o estrato herbáceo é mais importante do que o estrato lenhoso”, comenta Fidelis.
Biomassa subterrânea
Quanto à dinâmica do carbono, o estudo desmentiu o pensamento corrente de que o fogo faz a savana perder carbono para a atmosfera, contribuindo assim para o aquecimento global. “Na verdade, o carbono emitido é rapidamente recuperado pelo rebrotamento das plantas, com aumento da biomassa viva e, principalmente, da biomassa subterrânea, formada pela rede de raízes. Áreas que ficam muito tempo sem pegar fogo começam a perder biomassa subterrânea”, informa a pesquisadora.
O estudo mensurou os estoques de carbono das duas áreas, tanto o carbono fixado na biomassa, quanto o carbono fixado no solo em função da decomposição das folhas, galhos, caules e raízes. “Medimos o que estava acima do solo e o que estava até 20 centímetros abaixo.”
Vale enfatizar que as savanas e as florestas tropicais são realidades muito diferentes. Uma queimada de grandes proporções tem efeito desastroso na Floresta Amazônica, levando à perda de biodiversidade e, no limite, ao colapso de toda a área afetada. Além do impacto sobre o clima regional e global. Já no Cerrado, o uso criterioso do fogo, com rotação das áreas queimadas e queima na época certa, é uma técnica de manejo altamente desejável. “Nosso estudo comprovou que a exclusão do fogo leva a perdas de carbono e diversidade funcional do solo”, conclui Fidelis.
O artigo Fire promotes functional plant diversity and modifies soil carbon dynamics in tropical savanna pode ser acessado em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969721073939?dgcid=author.
Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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