Por Yuri Vasconcelos e Domingos Zaparolli em Pesquisa Fapesp — O modelo pecuário predominante no Brasil – o de criação de bovinos em grandes áreas de pastagem plantadas ou naturais – oferece, segundo especialistas, vasto potencial para mitigação de gases de efeito estufa (GEE) por meio da fotossíntese do pasto. Por outro lado, esse sistema, quando mal gerido, resulta em baixa produtividade e degradação da terra e, consequentemente, na necessidade de obtenção de novas áreas pastoris. A estimativa é de que por volta de 82 milhões de hectares (ha) de pastagem no país, cerca de metade do total, apresentem algum grau de degradação.
Um dos caminhos mais promissores para reduzir as emissões de GEE no campo é fazer uma gestão mais eficiente do solo e do pasto. “Um manejo inadequado das pastagens, principalmente pela falta de ajuste de lotação [quantidade de animais por ha] em razão da oferta de forragem, associado à falta de adubação de reposição e de suplementação da dieta dos animais nos períodos de escassez de forragem são os principais fatores que aumentam as emissões de gases de efeito estufa e a degradação dos solos, que também contribui para liberação de CO2 [dióxido de carbono]”, avalia o zootecnista Ricardo Andrade Reis, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jabuticabal.
O pesquisador coordena um projeto financiado pela FAPESP que estuda estratégias de manejo para redução de impactos ambientais em sistemas de produção de bovinos de corte. “O manejo de pastos, de forma a evitar o alongamento dos caules e a produção de folhas com alto teor de fibra de baixa digestibilidade, tem sido usado com sucesso nas pesquisas que temos feito”, diz Reis. “A emissão de metano [CH4] entérico tem alta relação com a ingestão de forragem rica em fibra, o que leva ao desenvolvimento de organismos metanogênicos [que geram metano] no rúmen.” Artigo com resultados do projeto foi divulgado no periódico Agronomy, em 2020.
Um estudo feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com apoio da FAPESP, também concluiu que a criação de gado em que são feitos o manejo adequado do pasto e a boa ocupação de animais por ha pode apresentar sequestro de carbono. A pesquisa, detalhada no periódico científico Animal, em 2020, mostrou que cada novilho – o animal jovem na fase de crescimento – criado nesse sistema proporcionou um impacto positivo ao meio ambiente equivalente ao obtido com o crescimento anual de seis árvores de eucalipto.
Segundo a engenheira-agrônoma Patrícia Perondi Anchão Oliveira, coordenadora do trabalho, o desempenho foi obtido em um sistema produtivo no bioma Mata Atlântica, no qual uma área de pastagem anteriormente degradada foi recuperada com corretivos químicos e fertilizantes. A área foi ocupada com 3,3 unidades animais (UA) por ha – uma unidade animal corresponde a 450 quilos de peso vivo. O balanço de carbono levou em conta as emissões de GEE dos animais e da fabricação e aplicação dos fertilizantes.
Em uma área degradada, onde não são utilizados corretivos e fertilizantes, e com ocupação de 1,4 UA/ha, é necessário o plantio de 64 árvores para abater as emissões de cada novilho criado no local. “A pecuária praticada com o manejo adequado do pasto e de sua ocupação pode até gerar crédito de carbono, enquanto a criação de animais em área degradada é um sistema com baixo desempenho econômico e de alto impacto ambiental”, compara Anchão.
Investigações recentes feitas na Esalq, com suporte da FAPESP, também revelaram os benefícios de uma pastagem bem cuidada. “Estudo do nosso grupo focado em gado leiteiro demonstrou que é possível aumentar em 15% a produção diária de leite por vaca, elevar a taxa de lotação do pasto em 33% e ampliar a produção de leite por ha por dia em 51% apenas colocando os animais no momento certo para a realização do pastejo [altura adequada da pastagem]”, diz o engenheiro-agrônomo Sila Carneiro da Silva, um dos coordenadores do estudo.
Além disso, segundo Silva, constatou-se uma redução de 21% na intensidade de emissão de metano entérico pelas vacas – em gramas de CH4 por litro de leite – e uma diminuição na taxa de emissão de óxido nitroso pelo solo da ordem de 40% quando comparado ao manejo de pastagem de forma não adequada. “Corrigir o momento de colocar e tirar os animais do pasto é tecnologia de custo zero, pois não implica novos investimentos”, declara Silva. Artigos com os resultados da pesquisa, realizada como parte do doutorado do engenheiro-agrônomo Guilhermo Congio, foram divulgados na revista Science of the Total Environment, em 2018 e 2019.
Ao mesmo tempo que avança no desenvolvimento de sistemas produtivos mais eficientes, que proporcionam um balanço de emissões de GEE sustentável, a pecuária tem pela frente outro desafio, ainda mais complexo: a redução das emissões inerentes aos bovinos, como o chamado arroto do boi, geradas no processo digestivo dos ruminantes.
Pesquisador mede a altura do pastoGuilhermo Congio
“A ciência busca hoje formas de manipular diretamente a fermentação para reduzir a emissão de metano”, explica Alexandre Berndt, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP). Duas formas de intervenção estão sendo estudadas em centros de pesquisa no mundo todo: alimentos mais facilmente digeríveis pelos bovinos e o desenvolvimento de aditivos que sejam eficientes na nutrição e diminuam a emissão de gases potencialmente nocivos ao clima.
O desafio da pesquisa em aditivos alimentares é criar substâncias alternativas que reduzam a geração de CH4 sem causar impacto na saúde animal e na segurança alimentar. Um ingrediente avaliado como promissor, por seu grande potencial em reduzir as emissões de metano entérico, é o solvente bromofórmio. Ele é encontrado naturalmente em uma microalga comum na Austrália, Asparagopsis taxiformis, chamada de alga vermelha. Em março de 2021, cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e da James Cook, na Austrália, publicaram um artigo no periódico PLOS One mostrando que a inclusão das algas vermelhas na nutrição de novilhos de corte é capaz de reduzir a emissão de metano em até 87% sem impacto sobre o ganho de peso dos animais.
Na Holanda, o grupo DSM, com atuação no setor de nutrição animal, desenvolveu um composto orgânico, o 3-nitrooxipropanol (3NOP), formado por nitrato e um álcool de base biológica que leva o nome comercial de Bovaer. Uma colher de chá do aditivo adicionado à dieta diária dos ruminantes seria capaz de impactar a ação dos microrganismos no rúmen, reduzindo a emissão de metano, segundo explicou Gareth Mead, líder global de comunicação da DSM, a Pesquisa FAPESP.
O desenvolvimento do 3NOP foi trabalho de uma década e produziu 50 artigos científicos. De acordo com a empresa, a emissão entérica é reduzida em torno de 30% em vacas leiteiras, mas pode atingir um impacto ainda maior no gado de corte, em torno de 90%. Um estudo coordenado por Reis, da Unesp, constatou que o aditivo pode reduzir em mais de 40% a emissão de metano em touros da raça nelore. O trabalho foi publicado em novembro de 2020 no Journal of Animal Science.
Em setembro de 2021, Brasil e Chile foram os primeiros países a conceder registro regulatório para o produto. Na sequência, a União Europeia também liberou o Bovaer. Mead informou que a DSM ainda não iniciou a comercialização do produto, o que está previsto para ocorrer nos próximos meses.
Outra linha de pesquisa em aditivos é com taninos, polímeros encontrados em árvores acácias, frutas e leguminosas. “Os taninos têm ação antimicrobiana e potencialmente podem diminuir a degradação das proteínas dos alimentos no rúmen, levando a uma redução na produção de metano”, explica a doutora em zootecnia Renata Helena Branco Arnandes, do Instituto de Zootecnia (IZ), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Em 2021, com apoio do Programa Modernização dos Institutos Estaduais de Pesquisas, da FAPESP, o IZ inaugurou um Laboratório de Fermentação Ruminal e Nutrição de Bovinos de Corte. Um dos primeiros trabalhos do laboratório foi a validação e a testagem de um aditivo à base de tanino desenvolvido pela empresa italiana SilvaTeam, que criou o princípio ativo, e o frigorífico brasileiro JBS. A função do IZ é estabelecer os valores absolutos de diminuição do metano obtidos com o aditivo e obter informações sobre a dosagem de tanino adequada para cada aplicação.
“O produto Silvafeed já teve sua comercialização liberada em vários países, inclusive no Brasil, mas foi nossa pesquisa que demonstrou o impacto na redução das emissões de metano”, afirma Arnandes. “A inclusão da molécula [do aditivo à base de tanino] na dieta diminuiu em cerca de 10% a emissão de metano entérico em comparação aos bovinos que receberam a alimentação-controle.”
O IZ também é parceiro da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) e da Embrapa em um projeto financiado pela FAPESP para investigar práticas para mitigar as emissões de GEE na pecuária. O projeto é coordenado pelo médico veterinário Paulo Henrique Mazza Rodrigues, da FMVZ-USP.
Uma das principais linhas de estudo é o uso de reservas de forragem (gramíneas e leguminosas) para a alimentação no período de inverno e seca aliado à suplementação proteica dos animais com sal e nitrato, em substituição à suplementação mineral tradicional de sal com ureia. O nitrato, como a ureia, é uma fonte de nitrogênio não proteico para o animal. O diferencial é seu potencial para atuar como dissipador de hidrogênio na fermentação ruminal, reduzindo a produção de metano.
A parceria entre as instituições também resulta na pesquisa de alimentos mais fáceis de digerir e que levem à menor emissão de GEE. Um dos estudos em andamento prevê o uso de pastagens integradas de leguminosas e gramíneas. A principal aposta em análise é a junção da gramínea Brachiaria brizantha com leguminosas como Macrotyloma axillare e Cajanus cajan. O consórcio favorece a atividade biológica do solo e eleva os estoques de carbono na terra e a produtividade das pastagens. Apesar do grande potencial em produtividade e sustentabilidade das pastagens consorciadas, a prática ainda é pouco difundida porque há um conhecimento insuficiente sobre o tema no país.
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