Os Maori chegaram na Nova Zelândia ainda no século XIII, mas mantêm sua cultura viva até hoje
Os Maori (Māori, na grafia original) são povos com uma rica cultura indígena que, vindos da Polinésia, se tornaram os primeiros habitantes da Nova Zelândia.
O país é chamado de Aotearoa, em Te reo Māori, que pode ser traduzido como “a terra da longa nuvem branca”. A língua maori, junto com o inglês e a linguagem de sinais, se tornou um dos três idiomas oficiais da população neozelandesa, em 1987.
Quem são os Maori?
A lenda diz que Kupe, o ancestral polinésio dos Maori e o primeiro explorador a encontrar a Nova Zelândia, viajava com a esposa Kuramārotini, utilizando as estrelas e as correntes do Pacífico como um mapa. Sua waka (canoa) teria saído de sua terra natal e navegado até às margens da atual Hokianga Harbour, na costa ocidental do país, há cerca de mil anos.
Ao se aproximarem, Kuramārotini teria avistado uma longa nuvem branca no horizonte, acima da terra, e gritou para Kupe: “Ele ao! Ele Aotearoa!”, ou “Uma nuvem! Uma longa nuvem branca!”, batizando assim aquela terra.
Parte integrante da Oceania, Aotearoa é formada por duas principais ilhas: Te Ika-a-Māui (Ilha Norte) e Te Wai Pounamu (Ilha Sul). Dados governamentais mostram que, dos cerca de 800 mil Maori vivendo no país, sua grande maioria habita as cidades da Ilha Norte.
Além disso, a cultura Maori está presente no dia a dia dos neozelandeses, com o idioma indígena sendo ensinado em etapas pré-escolares e escolas que utilizam o Te reo Māori como primeira língua. Existem também canais de televisão e estações de rádio voltados exclusivamente para essa cultura. No âmbito político, em 2019, cerca de 29 membros do Parlamento se identificavam como Maori.
A cultura nativa é popularmente conhecida, ao redor do mundo, pela haka. Haka é a dança de guerra, cultuada pelos guerreiros Maoris, difundida nos tempos atuais por meio dos esportes. Em 2022, o time de rugby Māori All Blacks realizou uma performance, enaltecendo a cultura nativa, antes do início da partida contra a Irlanda. Assista a apresentação a seguir:
Chegada a Aotearoa
Os polinésios, ancestrais dos Maori, conhecidos na história por terem sido grandes marinheiros, chegaram à Aotearoa por volta do século 13, navegando pelo Pacífico em suas grandes canoas, as waka.
A partir de então, a costa da Nova Zelândia passou a ser habitada. Os Maori viviam em pequenos grupos, caçando focas e moas, uma espécie de ave endêmica já extinta, que chegava a mais de 3 metros de altura. Com o tempo, as comunidades indígenas começaram a migrar para as florestas, adentrando o território.
Ancestralidade
As belas histórias dos Maori, como é comum ao redor do mundo com os povos originários, emanam um grande respeito à natureza, celebrando todos os seres que dela fazem parte. Para os Maori, seu primeiro ancestral é Papa-tū-ā-nuku, a mãe terra. É ela quem dá origem a todas as coisas, é a criadora de toda humanidade, provedora da matéria e do espírito, que abençoa, nutre e zela pela vida de seus filhos.
A história, passada de geração em geração, conta que Ranginui, o pai céu, se uniu a Papa-tū-ā-nuku e, juntos, tiveram filhos. O filho mais velho, Tāne Mahuta, o deus da floresta, levava a vida na escuridão, causada pela união entre o céu e a terra. Cansado de viver nas sombras, resolve separar Papa-tū-ā-nuku e Ranginui, permitindo que a luz entre, se tornando o criador do Te Ao Mārama, o mundo de luz.
O deus da floresta e seus irmãos também tiveram seus próprios filhos, dando à luz aos pássaros, aos peixes, aos ventos e às águas. São, portanto, os ancestrais de toda a natureza.
Já os humanos nasceram e foram feitos da própria terra.
Conexão
A cultura Maori é fortemente conectada ao meio ambiente e isso é notável também em seu dialeto. Os indígenas utilizam a mesma palavra para terra e placenta: whenua. As ilhas da Nova Zelândia são vistas como placentas do ventre de Papa-tū-ā-nuku.
Outro dos filhos da mãe terra, Māui-tikitiki-a-Taranga, ousado e inteligente, teria pescado o maior peixe de todos os tempos: Te Ika-a-Māui, a própria Ilha Norte. O Monte Hikurangi, uma montanha de mais de 1700 metros de altura, localizada ao leste da ilha, é sagrada para os indígenas que ali habitam, a comunidade Ngāti Porou. A montanha representa a primeira parte do peixe a sair do mar. Os Ngāti Porou se consideram os descendentes diretos de Māui-tikitiki-a-Taranga.
Na região costeira da Ilha Norte, a Floresta Waipoua tem árvores com mais de 2 mil anos. Duas delas, em especial, são cultuadas pelos indígenas, pois representam o próprio Tāne Mahuta e Te Matua Ngahere, o pai da floresta.
Os indígenas se reconhecem como “tangata whenua”, ou “pessoas da terra” e se desenvolveram ao longo dos séculos, criando diversas comunidades. No entanto, em meados do século XVII, os europeus chegaram à Nova Zelândia e tudo mudou.
A chegada dos europeus
Em 1642, o holandês Abel Tasman foi enviado pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, para explorar a região Sul do Oceano Pacífico. O explorador encontrou, então, a Nova Zelândia, que já havia sido descoberta séculos antes, pelos polinésios. Esse é o que se acredita ser o primeiro contato entre europeus e indígenas.
O nome do país, inclusive, tem origem holandesa. O “Zee”, do holandês Nieuw Zeeland, significa “mar”, enquanto “land” vem de terra. Essa relação “mar-terra” e a etimologia do nome, no idioma original, dá o sentido de terra unida ou conectada ao mar.
Apesar do holandês ter viajado por toda a costa oeste, ele não desembarcou. Seu navio foi avistado e atacado pelos Maori, que navegaram em suas waka, defendendo a própria terra.
Mais de um século depois, em 1769, o cartógrafo britânico James Cook desembarcou no território indígena e se deu início uma relação de escambo, como a troca de alimentos produzidos pelos indígenas, por exemplo, com ferramentas e até mosquetes britânicos.
A entrada de armas de fogo nos territórios Maori causou imenso desequilíbrio entre as comunidades, que guerreavam entre si, em busca de supremacia. Somadas às doenças levadas pelos europeus, as guerras entre os indígenas ceifaram cerca de 40% de toda a população nativa.
Inglaterra versus França
Já em meados de 1800, a Inglaterra e a França viviam em um constante conflito por poder na Europa. Na mesma época, a New Zealand Company of London, passou a comprar terras indígenas e vendê-las, com a intenção de colonizar o território, não havendo distinção entre compradores ingleses ou franceses, o que aumentava os riscos da tomada do território pela França.
Nesse contexto, em 1835, chefes de comunidades Maori, ou chefes Ngāpuhi, passaram a se unir e criaram o He Whakaputanga o te Rangatiratanga o Nu Tirene, a Declaração de Independência das Tribos Unidas da Nova Zelândia. A Coroa Britânica, então, buscou uma alternativa tentando negociar com os Maori, para manter a soberania inglesa na então colônia.
Tratado de Waitangi
O Tratado de Waitangi, assinado em 1840, transformaria os indígenas em súditos do rei e, em troca, permitiria que suas terras fossem mantidas com seu povo ou que fossem vendidas apenas para a Coroa. Com o Tratado, os Maori acabaram aceitando que a Inglaterra governasse a Nova Zelândia, o que incluía suas terras ancestrais.
Historiadores apontam que na versão inglesa do documento, a palavra “soberania” foi traduzida como kawanatanga que, em Te reo Māori, significa governança, palavras que claramente têm significados diferentes. Além disso, para os ingleses o tratado confirmava a “posse imperturbável” de todas as “propriedades”, enquanto que para os Maori, era redigido “tino rangatiratanga” sobre “taonga”, ou “autoridade plena sobre seus tesouros”, que para a cultura pode significar o material e o imaterial.
As discrepâncias na tradução do documento, e seu real significado, fez com que a tensão entre indígenas e a Coroa britânica só aumentasse com o tempo, principalmente por conta dos abusos cometidos pelo governo na compra de terras e a chegada, cada vez maior, de colonos. Muitas comunidades Maori se rebelaram e, por décadas, indígenas e colonizadores lutaram as chamadas Guerras da Nova Zelândia.
A Coroa passou então a confiscar terras indígenas, sob o pretexto de que os indígenas teriam violado o Tratado de Waitangi. No entanto, comunidades que não estavam envolvidas com as guerras também perderam suas terras.
Como ocorreu em diversas colônias européias ao redor do mundo, os Maori, divididos, encurralados e em menor número, passaram a ser marginalizados pela nova sociedade que tomava forma em suas antigas terras. Com o passar do tempo, grande parte de suas florestas intocadas se tornaram pastos para ovelhas, que eram criadas pelos colonos.
Falta de proteção aos conhecimentos tradicionais
É notável que a partir do momento que a cultura e o modo de vida indígenas foram subjugados por conquistadores, sob o manto da colonização, apropriações indevidas passaram a se manter presentes na história de diferentes povos indígenas, ao redor do mundo e se perpetuaram, atravessando gerações, até chegar no século 21.
Essas apropriações, que se ramificam a partir de seus conhecimentos tradicionais, estão ligadas também às disputas por terras ancestrais e no papel fundamental que esses povos exerceram e exercem no planeta. Com os Maori, a realidade não é diferente.
Em maio de 2024, a World Intellectual Property Organization (WIPO), que atua na promoção e proteção à propriedade intelectual, passou a adotar um novo acordo internacional, que inclui questões voltadas aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.
A WIPO é um agência da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1967 que, em 2024, contava com a participação de 193 países signatários.
Apesar deste ser o primeiro tratado, relacionado à propriedade intelectual, que inclui a temática indígena sob o pretexto de evitar a biopirataria, especialistas neozelandeses não se mostraram entusiasmados.
Direitos ignorados
Em um artigo, os pesquisadores afirmaram que o tratado não deve melhorar os direitos do povo Maori. A WIPO definiu que as reivindicações de patente, obrigatoriamente, devem divulgar a origem dos recursos genéticos (animais, vegetais ou microrganismos) utilizados em suas inovações. No caso da inovação ter como base um conhecimento tradicional, o povo indígena deve ser citado. No entanto, o que a WIPO divulgou como um “avanço histórico” já é um procedimento estabelecido na Nova Zelândia.
A questão levantada pelos especialistas é a ausência de direitos dos indígenas, uma vez que a WIPO não prevê a proteção desse conhecimento tradicional como uma propriedade intelectual dos povos nativos. Dessa forma, qualquer chance dessas comunidades receberem uma parcela justa dos benefícios gerados, a partir de sua sabedoria ancestral, é nula. Além disso, o documento não evita que haja apropriação indevida desses conhecimentos.
Esse argumento pode ser comprovado com o exemplo do uso de espécies vegetais para diversas finalidades, em especial a mānuka (Leptospermum scoparium), uma flor bem conhecida pelo povo Maori.
Estudos anteriores, publicados no The Journal of World Intellectual Property, mostram a existência de uma quantidade considerável de pedidos de patente para o uso de plantas, principalmente a mānuka, para usos muito similares às práticas do povo indígena. No entanto, não existe qualquer sinal de que os Maori tenham sido consultados ou permitido às empresas o direito de uso de seu conhecimento tradicional, ou mātauranga, na língua nativa.
A ausência de proteção aos direitos dos povos nativos suprime o protagonismo indígena. Esse fator impacta de forma direta na desvalorização e descaracterização de sua cultura. Por outro lado, a ciência tem atuado como uma ferramenta a favor de sua conservação e reparação histórica.
Desbravadores da Antártida
Um estudo, publicado pelo Journal of the Royal Society of New Zealand, destacou que as primeiras viagens até a Antártida teriam ocorrido ainda no século 17, realizadas por exploradores polinésios, os Maori.
Os pesquisadores investigaram e reuniram evidências, por meio de relatos e estudos, publicados ao longo dos anos, capazes de construir uma narrativa que rebate a perspectiva de exploração e descoberta do continente antártico por navegadores, em sua grande parte, europeus.
Uma das evidências mais interessantes remonta às publicações do etnólogo S. Percy Smith, que se dedicava à pesquisas sobre a língua, a história e a cultura do povo Maori. Em uma de suas publicações para o The Journal of Polynesian Society, de 1899, Smith descreve uma das viagens do explorador Ūi Te Rangiora e sua tripulação, que atravessaram o Oceano Pacífico, rumo ao Sul.
Viagem de Ūi Te Rangiora
O autor transcreve a impressão dos navegantes indígenas, ao se depararem com a Antártida: “… as rochas que crescem no mar, no espaço além de ‘Rapa’; os mares monstruosos; a fêmea que habita aquelas ondas monstruosas, cujas tranças ondulam na água e na superfície do mar; e o mar congelado de ‘pia’, com o enganoso animal do mar, que mergulha a grandes profundidades – um lugar nebuloso, enevoado e escuro, que não é visto pelo Sol. Outras coisas são como rochas, cujos cumes perfuram os céus, são completamente nus e sem vegetação neles”.
Segundo Smith, Rapa seria um ponto de referência, uma ilha localizada na latitude 28° Sul. Já o termo pia é definido como araruta, uma raiz usada como alimento, que quando ralada forma uma farinha branca. Desse modo, os indígenas teriam assimilado a neve com esse elemento conhecido pela sua cultura.
Ainda, “as rochas que crescem no mar” seriam os icebergs, enquanto as “tranças” fazem alusão às algas marinhas, que podem chegar a 15 metros de comprimento, como explica Smith. O “animal do mar” sugere que os indígenas teriam avistado morsas, leões-marinhos ou ainda, elefantes-marinhos.
A expressão indígena para “oceano congelado” é definida como Tai-uka-a-pia. Onde tai é traduzido como mar, uka/huka é gelo, “a” significa “como” e pia, como citado anteriormente, se refere à farinha de araruta. Unindo tudo, de forma simples, soaria como “mar de gelo, como araruta”.
Consenso na comunidade científica
Os relatos são sustentados por diversos pesquisadores, com distintas publicações durante anos. Há um consenso de que essa teria sido a primeira vez que exploradores teriam visto o Oceano Antártico e, provavelmente, o continente gelado.
Os pesquisadores também reforçam o protagonismo dos Maori na exploração do continente antártico até os dias atuais, com a participação de seus descendentes em expedições científicas do século XXI. No entanto, o artigo aponta para a forte cultura imperial e colonialista das narrativas europeias, um conceito ainda predominante em todo o mundo.