Pesquisadores combinaram dados mundiais com previsões de inteligência artificial para mapear diversidade desses insetos, lançando um guia para exploração e pesquisa em que o Brasil é um dos destaques
Por Jéssica Tokarski em Ciência UFPR | Elas são caçadoras, agricultoras, colheitadeiras, planadoras, pastoras, tecelãs e carpinteiras. As formigas ocupam grande parte do nosso mundo, compreendendo mais de 14 mil espécies e uma enorme fração da biomassa animal na maioria dos ecossistemas terrestres.
Assim como outros invertebrados, as formigas são importantes para o funcionamento dos ecossistemas pois desempenham papéis vitais, desde a aeração do solo e dispersão de sementes e nutrientes, até a eliminação e predação de outras espécies.
Para criar uma visão global da diversidade desse animal, pesquisadores da Unidade de Biodiversidade e Biocomplexidade do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), em colaboração com vários institutos ao redor do mundo e com o professor John Lattke, do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), desenvolveram um mapa de alta resolução que combina o conhecimento existente com o aprendizado de máquina (machine learning) para estimar a diversidade de formigas. Os mapas e o conjunto de dados foram publicados em artigo no periódico Science Advances.
GALERIA | Entenda a série de mapas desenvolvida por pesquisadores de 12 países
Padrões globais de riqueza de espécies de formigas em comparação com vertebrados terrestres. Imagens: Jamie M. Kass et al./ReproduçãoPadrões globais de raridade de formigas em comparação com vertebrados terrestresA partir de uma série de variáveis, os computadores conseguem prever lugares em que deve haver espécies desconhecidas de formiga (áreas em azul e roxo)Áreas de proteção (vermelho) e desprotegidas (amarelo) de riqueza e raridade de espécies de formigas já conhecidas ( alto), áreas com possíveis novas espécies (centro) e de vertebrados (abaixo)
Padrões globais de riqueza de espécies de formigas em comparação com vertebrados terrestres. Imagens: Jamie M. Kass et al./Reprodução
“Esse estudo ajuda a adicionar formigas e invertebrados terrestres em geral à discussão sobre conservação da biodiversidade. Precisamos conhecer a localização dos centros de alta diversidade de invertebrados para que possamos conhecer as áreas que podem ser foco de futuras pesquisas e de proteção ambiental”, explica o professor Evan Economo, da OIST.
O recurso servirá, ainda, para auxiliar a responder uma série de questões biológicas e evolutivas, como de que forma a vida se diversificou e como surgiram os padrões de diversidade.
Tecnologia a serviço da biodiversidade
O projeto, que já tem cerca de uma década, começou quando o primeiro autor do estudo, Benoit Guénard, trabalhou com Economo para criar um banco de dados de registros de ocorrência para diferentes espécies de formigas a partir de repositórios on-line, coleções de museus e cerca de dez mil publicações científicas. Pesquisadores de todo o mundo contribuíram e ajudaram a identificar erros. Mais de 14 mil espécies foram consideradas.
A grande maioria desses registros, embora contendo uma descrição do local amostrado, não possuía as coordenadas precisas necessárias para o mapeamento. Para resolver isso, a equipe construiu um fluxo de trabalho computacional para estimar as coordenadas dos dados disponíveis, que também verificou todos os dados quanto a erros. Então, os envolvidos fizeram diferentes estimativas de alcance para cada espécie de formiga, dependendo da quantidade de dados disponíveis.
Os pesquisadores reuniram essas estimativas para formar um mapa global, dividido em uma grade de 20 por 20 quilômetros quadrados, que mostrava uma aferição do número de espécies de formigas por quadrado – chamada riqueza de espécies.
Eles também criaram um mapa que mostrava o número de espécies de formigas com alcances muito pequenos por quadrado – chamado de raridade de espécies. Em geral, espécies com pequenas áreas de distribuição são particularmente vulneráveis às mudanças ambientais.
Apesar dos cálculos, algumas áreas do mundo que deveriam ser centros de diversidade não estavam aparecendo no mapa, enquanto outras áreas, a exemplo de parte dos Estados Unidos e da Europa, foram extremamente bem amostradas. Essa diferença na amostragem poderia afetar as estimativas de diversidade global.
Pensando nisso, os pesquisadores utilizaram o aprendizado de máquina para prever como a diversidade mudaria se amostrassem todas as áreas ao redor do mundo igualmente e, ao fazê-lo, identificaram regiões onde estimam existir muitas espécies desconhecidas e não amostradas. “Isso nos dá um ‘mapa do tesouro’ que pode nos guiar para onde devemos explorar a seguir e procurar novas espécies com áreas restritas”, revela Economo.
Identificação de espécies nas regiões deve orientar preservação da biodiversidade
O arquipélago de Okinawa, no sul do Japão, foi identificado como um centro de raridade, visto que muitas espécies endêmicas dessas ilhas têm áreas de distribuição muito pequenas, cerca de mil vezes menores do que as espécies espalhadas pela América do Norte e Europa. Lugares como Okinawa são fundamentais para a proteção ambiental e para conservar a biodiversidade.
Quando os pesquisadores compararam a raridade e a riqueza das distribuições de formigas com os anfíbios, pássaros, mamíferos e répteis bem estudados, eles descobriram que as formigas eram tão diferentes desses grupos de vertebrados quanto os grupos de vertebrados eram uns dos outros, o que foi inesperado dado que as formigas estão evolutivamente muito distantes dos vertebrados. Mais de 500 milhões de anos separam a origem entre formigas e mamíferos.
Essa conclusão é importante, pois sugere que as áreas prioritárias para a diversidade de vertebrados também podem ter uma alta diversidade de espécies de invertebrados. Mas, ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que os padrões de biodiversidade de formigas têm características únicas. Por exemplo, o Mediterrâneo e o Leste Asiático aparecem mais como centros de diversidade para formigas do que para vertebrados.
Os cientistas também analisaram o quão bem protegidas são essas áreas de alta diversidade de formigas. E descobriram que apenas 15% dos 10% principais centros de raridade de formigas tinham algum tipo de proteção legal, como um parque ou reserva nacional. Trata-se de uma proteção menor do que a existente para vertebrados.
O professor de Zoologia da UFPR participou do estudo em questão fornecendo informações gerais sobre a distribuição de formigas na região neotropical – que compreende a América Central, incluindo a parte sul do México e da península da Baixa Califórnia, o sul da Florida, todas as ilhas do Caribe e a América do Sul.
Ele destaca que o conhecimento a respeito da fauna de formigas no Brasil é melhor do que em muitas outras regiões da América Tropical e do trópico em geral. “Mas ainda existem zonas no país em que nossos conhecimentos são fracos. Por isso há uma elevada probabilidade de encontrar novas espécies e, possivelmente, novos gêneros, como é o caso do norte da Mata Atlântica, da região oeste da Amazônia e o Plano-alto das Guianas, no norte do país”.
Brasil é rico na diversidade de formigas, mas ainda pode descobrir muitas novas espécies
Ainda este ano, o grupo de pesquisa de Lattke descreveu um novo gênero de formiga, denominado Igaponera curiosa. A espécie era conhecida, mas os cientistas perceberam que sua morfologia não correspondia ao gênero em que originalmente foi descrita. Pesquisadores alemães encontraram apenas um exemplar coletado próximo à cidade de Manaus.
Na descrição do gênero, publicada no European Journal of Taxonomy, os autores comentam que o animal foi encontrado em uma floresta de Igapó, sazonalmente inundada. “Apesar de o local de coleta ser frequentado por pesquisadores, nenhum outro espécime deste gênero foi coletado nos últimos 40 anos”, revela o documento.
Os cientistas esperam que outros exemplares desse gênero possam ser coletados ou encontrados em coleções (talvez identificados erroneamente). E encorajam os colegas, principalmente da região do Amazonas e do Pará, a tentarem conseguir mais espécimes. “Machos, operárias e larvas ainda precisam ser descritos e toda a sua biologia aguarda estudo”.
Em outra publicação, os estudiosos da UFPR abordam uma agrupação de formigas terrestres com distribuição principalmente na América do Sul. “São formigas pretas e bem polidas. Uma delas, Neoponera marginata, é comum nos parques de Curitiba”, esclarece Lattke.
O documento revisa o grupo de espécies de Neoponera laevigata. Além de separá-lo de outros grupos do gênero por meio de uma nova chave para grupos de espécies de Neoponera, os autores descrevem duas novas espécies: N. gojira sp. nov. e N. mashpi sp. nov. “Essa é a primeira contribuição no caminho para um melhor entendimento da sistemática desse carismático gênero de formigas”, salienta o artigo que está disponível no periódico Insect Systematics & Evolution.
Edição: Rodrigo Choinski
Com informações da Seção de Relações com a Mídia da OIST.
Este texto foi originalmente publicado por Ciência UFPR de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.