Melato: o composto natural do mel que vem de árvores

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Melato é um composto biológico que se origina a partir da secreção de pequenos insetos, que sugam a seiva de espécies de plantas hospedeiras. Identificado como um bioinsumo (insumo biológico natural), o composto da região Sul do Brasil é produzido a partir de cochonilhas. Já o bioinsumo produzido no Norte de Minas Gerais é expelido por pulgões.

As abelhas, por sua vez, utilizam esse insumo como matéria-prima na produção de diferentes tipos de um mel muito especial: o mel de melato.

O mel de melato também é conhecido regionalmente como mel preto, justamente por ser num tom âmbar, mais escuro que o mel floral. 

Em 2024, pesquisadores do Rio Grande do Sul publicaram o resultado de anos de pesquisa sobre o composto, por meio do livroMelato: alimento de seres vivos das Florestas de Araucária e matéria-prima de um mel especial no Sul do Brasil”.

Onde encontrar o mel de melato?

O melato do Sul brasileiro é um composto açucarado, eliminado por diferentes espécies de cochonilhas, associadas a plantas hospedeiras, como explicam os pesquisadores. Uma vez expelido por esses insetos, o melato é usado pelas abelhas, como matéria-prima, para a produção do mel.

O inseto cochonilha / Foto de SandeepHanda no Pixabay

No entanto, a ocorrência de melato não é exclusiva do Brasil. Cerca de metade de todo o mel produzido em solo europeu é feito a partir de melato. O que diferencia esses compostos e torna essas substâncias únicas é a diversidade dos recursos naturais regionais. Pelo menos 11 espécies de cochonilhas, de oito famílias distintas, em diferentes plantas hospedeiras, produzem o bioinsumo na Europa.

No continente europeu, as principais árvores hospedeiras abrangem pinheiros (Pinus), cedros (Cedrus) e abetos (Abies). Mesmo os pinheiros têm diferenças entre si. De acordo com a publicação, no Hemisfério Norte, são cerca de 90 espécies diferentes de Pinus

O melato também conta com variações exclusivas da Nova Zelândia, Chipre, Israel, Turquia, Panamá, Guiana, Venezuela, Colômbia e México. Nos Estados Unidos, a produção acontece apenas nos estados da Califórnia e Oregon. 

Melato brasileiro

No Brasil, os pesquisadores dão ênfase à cochonilha da espécie Stigmacoccus paranaensis, que se hospeda nas espécies de árvores ingá (Inga), guapuruvu (Schizolobium parahyba) e bracatinga (Mimosa scabrella). Dentre esses, o mel de melato da bracatinga é destacado e a produção do mel é certificada.

Outro estudo, conduzido por instituições mineiras, destaca o melato de aroeira, obtido a partir da aroeira-do-sertão (Myracrodruon urundeuva), árvore presente no Norte de Minas Gerais. Ao contrário do melato produzido no Sul do País, as aroeiras-do-sertão não hospedam cochonilhas, mas pulgões (Tainarys). Os pulgões se instalam nas folhas e flores das árvores, enquanto as cochonilhas também costumam ficar no caule e na casca das árvores.

Aroeira-do-sertão (Myracrodruon urundeuva) / Foto de João Medeiros, sob CC BY 2.0 DEED no Flickr
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Como é feito o melato?

Tanto a cochonilha quanto o pulgão são espécies de insetos parasitas. Esses insetos utilizam espécies vegetais como hospedeiros, sugando a seiva dessas plantas. 

Na sequência, a seiva é metabolizada, por meio da digestão dos insetos, que excretam líquidos açucarados, que são coletados pelas abelhas. 

Assim como ocorre com o néctar das flores, esse líquido, que é o melato, passa pelos processos enzimáticos das abelhas, que o transforma em mel. 

De acordo com pesquisadores, a constituição físico-química de um mel floral e um mel de melato são diferentes, por isso a classificação. A produção do mel, em geral, sofre interferências de muitos fatores, como o clima, a presença de insetos e a floração. 

Qual é a diferença entre o mel floral e o mel de melato?

O mel de melato apresenta diferentes características, quando comparado ao mel produzido com o néctar das flores. Por ter uma menor concentração de glicose, não cristalizar, como o mel floral. O mel também costuma apresentar maior concentração de nitrogênio e de oligossacarídeos (prebióticos) e maior acidez (pH). Além disso, o teor de frutose também é menor que o mel floral.

Ainda, os processos naturais tornam a produção desse tipo de mel ocasional e singular. O mel de melato da bracatinga, por exemplo, é produzido apenas a cada dois anos, pois depende do ciclo de vida da cochonilha. 

Produção certificada

De acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), o mel de melato da bracatinga é certificado e está distribuído em 134 cidades da região Sul do País. 

O certificado, conhecido como Indicação Geográfica (IG) é um registro fornecido aos produtos (ou serviços) originários de uma região, como comprovação de sua identidade. Esse tipo de registro evita que haja confusão com produtos similares, uma vez que a qualidade desses produtos regionais é única, justamente por conta de sua localização geográfica. 

O órgão responsável pelo registro é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Os registros ocorrem em duas categorias: como Indicação de Procedência (IP) ou Denominação de Origem (DO).

No caso do registro como IP, o produto recebe o nome geográfico da região (país, cidade, entre outros), de onde é extraído, produzido ou fabricado.

No caso da categoria DO, a que se enquadra o mel de melato da bracatinga, o modo como é feito e os recursos naturais da região transformam esse em um produto exclusivo do Planalto Sul brasileiro.

A certificação de IG para o mel de melato da bracatinga foi atribuída em 2021, para 107 cidades de Santa Catarina, 12 cidades do Paraná e 15 do Rio Grande do Sul. 

Em 2022, o mel de melato de aroeira também recebeu a mesma certificação. De acordo com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), o registro foi atribuído a 64 municípios, situados entre o Cerrado e a Caatinga. Essa região, conhecida como Matas Secas, conta com clima árido e baixo índice de chuvas. Por conta de sua singularidade, o mel de aroeira, como é chamado popularmente, pode custar até 40% mais caro do que o mel floral.

Benefícios

O mel de melato apresenta porções maiores de compostos bioativos, como proteínas, aminoácidos e compostos fenólicos, além de minerais, ácidos orgânicos e enzimas, quando comparado ao mel floral.

Mel de melato de aroeira

Um estudo, realizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), analisou as propriedades antioxidantes e antibacterianas do mel de melato de aroeira. A pesquisa investigou o potencial do mel na conservação de alimentos, de forma natural. Foram utilizados o melato, o mel silvestre (diversas floradas no mesmo composto) e o mel floral (da planta “assa-peixe”).

O resultado mostrou que a quantidade de compostos fenólicos no bioinsumo pode variar de acordo com a origem botânica e a época do ano em que foi coletado. Assim, esses compostos podem ser maior ou menor do que dos outros tipos de mel.

Em relação à ação antioxidante, a concentração desses compostos no melato foi maior. Já em relação às bactérias, o mel de aroeira foi o único que conseguiu inibir a proliferação de três tipos de bactérias (S. typhi, E. coli e S. aureus) em uma concentração de 25%. Os outros méis não apresentaram ações antibacterianas.

Estudos anteriores mostraram efeitos diversos, chegando inibir o crescimento de bactérias em até 60%, com a aplicação do melato de aroeira. Mais uma vez, a variação se deve à origem e à sazonalidade da coleta do melato.

Mel de melato da bracatinga

Outro estudo, publicado no Simpósio Latino Americano de Ciência de Alimentos e Nutrição, reforçou o potencial antimicrobiano do mel de melato, só que utilizando o bioinsumo da bracatinga.

Árvore bracatinga (Mimosa scabrella) / Foto de Valerio Pillar, sob CC BY-SA 2.0 DEED no Flickr

De acordo com os pesquisadores, além do valor nutricional, o mel de melato da bracatinga apresenta ação antimicrobiana contra bactérias gram-positivas (causas mais comuns de infecções em humanos, como Staphylococcus, Streptococcus e Enterococcus).

Os experimentos foram realizados com a bactéria Bacillus subtilis. Apesar das características positivas dessa bactéria na agricultura, como o controle biológico de doenças de plantas, quando em contato com humanos ou animais com o sistema imunológico comprometido, ela pode causar infecções. 

Foram colhidas 19 amostras de melato da bracatinga, produzidas em cinco cidades catarinenses. Para todas as amostras, o mel de melato apresentou ação antimicrobiana, no que os pesquisadores atribuem grande importância no combate a infecções.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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