A metodologia Removals, em fase final de validação, pode atender a 130 milhões de hectares de vegetação nativa mantidas por pequenos a grandes proprietários particulares. Considerando que 10% são elegíveis para geração dos créditos, seriam injetados R$ 350 bilhões por ano na economia brasileira, com conservação ambiental
Por Flávio Ojidos em Página 22 | A cena é recorrente. Um proprietário de área verde entra em contato perguntando como poderia receber algum recurso para manter a conservação de sua terra. Na maioria, são pessoas físicas, proprietárias desde um pequeno sítio de dois ou três hectares de Mata Atlântica, no interior de São Paulo, passando por áreas de 4 mil ou 5 mil hectares de Cerrado no Goiás, até áreas de 40 ou 50 mil hectares no coração da Amazônia.
Em todos os casos, há muitas dúvidas sobre mercado de carbono, programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), vantagens de criar – ou não – uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e uma única necessidade urgente: gerar recursos com a conservação e garantir o recebimento de algum incentivo financeiro para a manutenção dessas áreas.
Apesar dos bilhões de dólares movimentados pelo mercado de carbono ou pela emissão de green bonds, quase não existem linhas de financiamento acessíveis para particulares que fazem conservação. E, quando existem, o volume de recursos geralmente não faz frente às necessidades que se impõem.
Manter áreas conservadas e garantir a permanência dos processos ecológicos exige monitoramento, sinalização, articulação com órgãos públicos e comunidades do entorno, ações efetivas para coibir caça, invasão, desmatamento, incêndios florestais e mais. Isso custa!
Sem investimento na conservação, a tendência é de que os riscos e as ameaças se concretizem e o patrimônio ambiental pereça, perdendo, assim, sua capacidade de prover os serviços ecossistêmicos necessários e fundamentais para a continuidade da vida na Terra.
No Brasil, a conservação em terras privadas ocorre de duas formas: obrigatória, quando a incidência de alguma norma cria uma limitação administrativa de uso sobre a propriedade privada, a exemplo do Código Florestal com a obrigação de manutenção de Reserva Legal; ou voluntária, quando o particular dedica áreas para a preservação além do mínimo exigido por lei, mantendo o que tecnicamente denominamos como excedente de vegetação nativa.
Nesse cenário e considerando o momento de emergência climática que vivemos, garantir meios de prover a manutenção de áreas verdes em propriedades privadas é determinante para o cumprimento da meta de limitar o aumento médio da temperatura global em até 1,5ºC, rumo a uma economia carbono zero até 2050 – notadamente em um país onde 44% das emissões se devem à mudança de uso da terra e da floresta[1].
Da cesta de limões para a limonada
De fato, todo esse conjunto de áreas estimado em cerca de 130 milhões de hectares[2] compõe uma gigantesca reserva de ativos ambientais, distribuída entre milhões de pequenas, médias e grandes propriedades rurais. Ao mesmo tempo em que desempenham uma função ecossistêmica vital para a economia brasileira, passam despercebidas do ponto de vista de sua valorização, pois prestam serviços de forma silenciosa e ainda não devidamente reconhecidos pelo mercado e pela sociedade.
Como se pode notar, não se trata de um simples limão, mas de uma enorme cesta deles. Para virar uma limonada, é preciso proporcionar acesso ao mercado de ativos ambientais a essas áreas e pulverizar os recursos financeiros da agenda ESG, de modo a promover a inclusão desse enorme contingente de áreas, reconhecendo e remunerando os particulares que a conservam.
Mais do que isso, é uma forma de reconhecer e contabilizar essa contribuição, gerar impacto social, ambiental e econômico em todo o País e fazer justiça com quem conserva. A preservação de áreas privadas beneficia toda a coletividade, mas resta exclusivamente ao proprietário da área arcar com os custos para garantir a manutenção desse ativo ambiental.
E como fazer essa limonada? “Removals“[3]! O que é isso? Vamos lá, explico.
Do conjunto principal de ativos ambientais (água, carbono e biodiversidade), é notório que o mercado mais consolidado e com as melhores e mais rápidas oportunidades de proporcionar essa virada é o ativo ambiental carbono. De toda forma, a geração de créditos desse ativo no mercado voluntário em áreas de floresta apresenta uma barreira de entrada muito alta.
A possibilidade que se coloca atualmente são os projetos de Redução de Emissões por Desmatamento ou Degradação (Redd), que demandam grandes extensões de área com alta pressão de desmatamento, em uma lógica de geração de créditos por toneladas de carbono que deixam de ser lançadas para a atmosfera em virtude da implementação do projeto. Ou seja, a lógica do desmatamento evitado gera um crédito de carbono com base em uma tonelada de carbono que deixou de ser lançada para a atmosfera.
Mas para cumprir a meta de emissões líquidas até 2050, as estimativas apontam que o mundo precisa reduzir as emissões de carbono em 40 bilhões de toneladas por ano, enquanto outras 10 bilhões de toneladas restantes precisarão ser removidas da atmosfera.[4]”
Aí entram os créditos Removals. O que são as florestas senão verdadeiras máquinas de remoção de carbono da atmosfera? Claro que elas são muito mais que isso. Mas o papel de remover carbono da atmosfera é um dos principais serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas verdes, sejam grandes, pequenas, públicas ou privadas. Florestas trabalham silenciosamente provendo a tal limonada, quero dizer, serviços ecossistêmicos para toda a coletividade e, via de regra, não são remuneradas por isso.
De fato, o governo brasileiro, ao reportar suas emissões anuais ao IPCC, sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, o faz descontando as remoções realizadas pelas Unidades de Conservação públicas (com exceção das RPPNs) e TIs. Ou seja, para o governo, essa remoção realizada pelas florestas é contabilizada. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) realiza o cálculo com base em metodologia do próprio IPCC e esses números são aceitos e reconhecidos pela comunidade científica internacional desde 2004, primeiro ano em que o Brasil realizou seu Inventário de Emissões.
E quanto às áreas particulares que igualmente removem carbono da atmosfera? Estão esperando a oportunidade de virar limonada. O que falta é uma metodologia adequada para suprir essa lacuna. Uma metodologia que traga as melhores práticas internacionais para calcular e certificar essa contribuição, entregando ao mercado um crédito de carbono que carrega consigo impacto socioambiental com transparência e integridade.
Foi nesse contexto que surgiu a “Metodologia de geração de crédito por remoção de carbono em áreas de conservação privada”[5], que oferece um procedimento para determinar a remoção anual de carbono da atmosfera por áreas de vegetação nativa em propriedades privadas, havendo incidência ou não de instrumentos jurídicos de conservação ambiental obrigatória ou voluntária.
A metodologia está na terceira e última etapa de validação junto à Social Carbon Foundation em Londres, tendo passado pelas duas primeiras etapas, que foram a análise do conselho e a consulta pública, pela qual especialistas de todo o mundo tiveram a oportunidade de se manifestar sobre a proposta.
Uma vez validada, o potencial que se apresenta é enorme. Incentiva a regularização fundiária, na medida em que o acesso ao mercado de carbono depende dessa regularidade e os custos de georreferenciamento e regularização documental podem ser retornados pelo projeto. Estimula a conversão de áreas com uso alternativo para cobertura vegetal nativa, uma vez que a metodologia vai de encontro ao preconceito de que manter “mato” é um problema. Gera emprego e renda na zona rural, ligados à conservação da natureza’ e democratiza o acesso ao mercado de carbono, que hoje parece acessível para poucos.
O momento de emergência climática clama por medidas inovadoras para estimular esforços em favor da conservação da vegetação nativa, bem como da ampliação dessas áreas. Permitir que a sociedade contribua nesse processo, não destinando exclusivamente ao poder público a árdua tarefa de ampliar as áreas onde há ações efetivas de conservação, é também uma forma de possibilitar a democracia. Neste caso, para a garantia de condições ambientais adequadas à permanência da vida.
Do universo estimado de 130 milhões de hectares de vegetação nativa sendo mantido por proprietários particulares, considerando que apenas 10% desse total seja elegível para geração de créditos por remoção de carbono da atmosfera (Removals), estamos falando da injeção de recursos da ordem de R$ 350 bilhões por ano na economia brasileira[6], pelo viés da conservação ambiental.
À parte da relevância econômica dessa inovação, os dados anunciados no lançamento da 7ª Coleção do MapBiomas, em 26 de agosto de 2022, ratificam o senso de urgência e a pertinência dessa nova metodologia. Entre 1985 e 2021, houve perda de cerca de 50 milhões de hectares de floresta, entre áreas públicas e privadas, sendo que 23 estados apresentaram redução da vegetação nativa, três tiveram estabilidade e somente um apresentou ganho. Esses dados só reforçam a necessidade e a importância de tratarmos de forma diferente um antigo problema – caso contrário, teremos os mesmos resultados nos próximos anos.
Precisamos da Solução Baseada na Natureza que gera riqueza, pulveriza recursos financeiros, reconhece a contribuição de uma expressiva quantidade de área para atingir as metas climáticas globais, causa impacto socioambiental positivo nos rincões do País, democratiza o acesso ao mercado, promove a inclusão social e apresenta alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
*Flávio Ojidos é Head da Future Carbon Removals