Pesquisa da UFF aponta como a chegada de espécies estrangeiras, via resíduos plásticos, representa ameaça à biodiversidade marinha
Por Lívia Galvão – UFF | Um estudo pioneiro realizado na Baía de Guanabara e adjacências revela novas evidências sobre o papel do plástico como vetor de espécies invasoras em ambientes marinhos, especialmente com o encontro de uma espécie inesperada: o Mexilhão-verde. É o que demonstra, após dois anos de pesquisa, o artigo “Macrofouling onmarine litter in a Southwest Atlantic urban tropical bayand surrounds” – em português, “Bioincrustação em lixo marinho em uma baía tropical urbana do sudoeste do Atlântico e seus arredores” – publicado na revista Marine Pollution Bulletin pelo discente Alain Póvoa, doutorando em Dinâmica dos Oceanos e da Terra pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em colaboração com outros pesquisadores da instituição, sob a supervisão do professor Dr. Abilio Soares Gomes.
A pesquisa parte da análise de resíduos sólidos coletados em praias do município de Niterói, inseridas na Baía de Guanabara e na Região Oceânica do município. Dentre os achados, os autores identificaram uma grande diversidade de organismos incrustados nos resíduos, especialmente em plásticos. “Foram encontradas 21 espécies incrustadas ao lixo, 36,4% classificadas como espécies invasoras. Estas pertencem às classes dos crustáceos cirripédios, vermes poliquetas, moluscos e esponjas, principalmente. A maior parte delas possuem o hábito alimentar filtrador, ou seja, alimentam-se de presas ou de material orgânico que se encontram em suspensão na água do mar. Desse modo, as espécies incrustantes se comportam como consumidoras, mas ao mesmo tempo podem servir de presas para os organismos locais”, explica Gomes.
Praias do município de Niterói cobertas na pesquisa | Reprodução: ScienceDirect – UFF
Ambiente “marrom” é surpreendido com presença “verde”
O lixo flutuante é um importante vetor de transporte para esses organismos, como é o caso do mexilhão-verde, que já havia sido identificado em diversas áreas da Baía de Guanabara, mas nunca antes associado ao lixo marinho. A presença do mexilhão-verde Perna viridis foi de grande destaque aos pesquisadores, pois essa é uma espécie exótica e invasora, ou seja, pouco comum nessas regiões, incrustada em garrafas plásticas. “Esse mexilhão é muito semelhante ao mexilhão-marrom (Perna perna), que é uma espécie nativa. Na Baía de Guanabara, observa-se que o mexilhão-verde ocupa um habitat espacial um pouco distinto, apesar de ser também encontrado junto ao marrom. Entretanto, as maiores abundâncias do verde são reportadas para substratos artificiais, como pilastras de cais e cascos de embarcações. Outro local que é bem abundante é no Parque de Cultivo de Mexilhões de Jurujuba, junto ao mexilhão-marrom, que é o objeto de cultivo”, comenta o professor.
Em substratos naturais, a espécie em destaque parece ocupar, preferencialmente, uma faixa horizontal abaixo do mexilhão-marrom. “Caso ele seja bem-sucedido em ocupar essa faixa como ocupa os substratos artificiais, poderá eliminar espécies nativas e causar um desequilíbrio na rede trófica local, o que pode impactar populações de peixes e invertebrados que estão adaptadas aos recursos ambientais existentes”, alerta o especialista.
Segundo o estudo, os resíduos plásticos, amplamente dispersos em ambientes marinhos, funcionam como “balsas” para o transporte de espécies. Esse processo facilita invasões biológicas e pode impactar a fauna nativa. Os organismos incrustados em plásticos flutuantes podem viajar longas distâncias e contribuir para a disseminação de espécies exóticas e invasoras em diferentes regiões do mundo. Gomes explica que, entre os resíduos analisados, que transportam essas espécies, o plástico correspondeu a cerca de 99%, sendo os restantes madeira, metal, vidro e tecidos: “Além do plástico, espécies incrustantes também foram encontradas em madeira, metal e vidro. Elas foram achadas em maior parte em elementos plásticos intactos, de formato cilíndrico, de superfície rugosa e de cores brancas e vermelhas. Os polímeros plásticos mais abundantes foram o polipropileno (PP) e o polietileno tereftalato (PET). A elevada quantidade de resíduos descartados inadequadamente e o transporte marinho são os principais fatores que contribuem para esse fenômeno.”
Gráfico de resíduos que transportam espécies invasoras | Reprodução: ScienceDirect | Edição: Lívia Galvão – UFF
A poluição das praias da região é um problema persistente, mas grande parte dos resíduos encontrados na orla não tem origem local. “A maior parte desse lixo vem com a maré, sendo transportado a partir do fundo da Baía de Guanabara. A bacia de drenagem da baía é extensa e abrange diversos municípios que enfrentam dificuldades na coleta de resíduos sólidos. Como consequência, grandes quantidades de resíduos acabam chegando à Baía de Guanabara”, destaca o especialista.
Os próximos capítulos do estudo
Para o futuro, a meta é ampliar a investigação para outras áreas e estabelecer relações com o lixo flutuante. “Estamos planejando expandir o estudo para regiões onde a circulação oceânica pode favorecer a chegada de lixo marinho, a fim de identificar padrões que ajudem a traçar possíveis rotas de bioinvasão”, afirma o pesquisador.
A solução para mitigar esses impactos passa pelo monitoramento contínuo dos resíduos e pela redução de sua produção em larga escala. “Sem um esforço coordenado, o problema tende a se agravar. Precisamos de políticas públicas eficazes para rastrear e reduzir o descarte de lixo no mar, além de campanhas de conscientização que envolvam diferentes setores da sociedade”, destaca o professor.
Os resultados do estudo reforçam a urgência de práticas sustentáveis para reduzir o descarte inadequado de plásticos e outros resíduos no oceano. A proliferação de organismos em detritos marinhos compromete a biodiversidade local e acelera processos de bioinvasão, que possuem consequências ambientais ainda pouco compreendidas.
Este texto foi originalmente publicado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.