Uma única garrafa de água pode conter dezenas ou talvez até milhares de microscópicas partículas de plástico. É isso mesmo, além de estarem presentes nos alimentos, no sal, no ar e na água de torneira, um novo estudo mostra que os microplásticos já invadiram até a água engarrafada, tradicionalmente usada como opção de água limpa em lugares sem sistema de tratamento de água ou onde ele não é muito confiável.
A Universidade Estadual de Nova York, a pedido da Orb Media, uma organização jornalística sem fins lucrativos sediada em Washington, conduziu testes com a água de 259 garrafas comercializadas por 11 marcas líderes de mercado vendidas em 9 países, incluindo o Brasil. O estudo encontrou contaminação por plásticos variados, inclusive polipropileno, náilon e tereftalato de polietileno (PET).
Liderados pela professora Sherri Mason, os pesquisadores usaram um microscópio infravermelho de padrão industrial para confirmar que se tratavam de partículas plásticas. No caso das partículas na faixa dos 100 microns, ou 0,10 milímetros, os testes revelaram uma média global de 10,4 partículas por litro. Representantes de duas das marcas analisadas confirmaram que seus produtos contém microplástico, mas em quantidade muito menor que a exposta pelo estudo da Orb.
No caso das partículas de dimensões menores, que provavelmente também são de plástico, os testes mostraram uma quantidade muito maior, cuja média global foi de 314,6 partículas por litro. Algumas garrafas tinham tantas partículas que os pesquisadores precisaram pedir ajuda a um ex-astrofísico: ele usou sua experiência de contar estrelas para inventariar as “constelações fluorescentes” encontradas na água.
As maiores partículas encontradas eram da largura de um fio de cabelo humano e as menores do tamanho de uma hemácia sanguínea. Em algumas garrafas os pesquisadores viram milhares de partículas. Em outras, efetivamente nenhuma – mas isso só ocorreu em 17 das 259 garrafas de água analisadas. Uma das garrafas, por outro lado, acusou uma concentração de mais de 10.000 partículas por litro.
A água potável engarrafada é a principal fonte de hidratação de cerca de 2,1 bilhões de pessoas que carecem de água segura para beber no mundo inteiro, segundo dados da OMS. Além disso, cerca de 4 mil crianças morrem todos os dias por conta de doenças transmitidas pela água. A sensação de segurança com relação à água em garrafa, agora, se transforma na possibilidade de que dezenas de partículas de microplásticos sejam ingeridas a cada litro de água tomado.
Os efeitos do consumo de microplásticos em humanos ainda são incertos. Além de ser um assunto recente, é praticamente impossível conseguir grupos de controle para fazer um estudo de contraste (já que seria muito difícil provar que uma pessoa nunca ingeriu microplásticos). Além disso, ainda não existem legislações específicas que regulamentem diretamente a questão da presença de microplásticos na água ou nos alimentos. As que existem em geral falam apenas que os itens que consumimos devem estar livres de “contaminantes“.
As amostras utilizadas pela pesquisa foram analisadas com a ajuda de um corante chamado Nile Red, desenvolvido por Andrew Mayes, palestrante sênior de química da Universidade de East Anglia, para estudar microplásticos. O corante tinge a água e, neste caso, analisados através de um microscópio, sob um feixe azulado de luz negra e com a ajuda de óculos protetores cor de laranja, os resíduos plásticos brilhavam com uma fluorescência cor de fogo. Por meio dessa técnica, a equipe pode identificar milhares dessas partículas em algumas garrafas.
O estudo ainda não foi submetido a revisão por pares, mas já revela um importante campo de pesquisa pela frente. Algumas partículas se revelaram pequenas demais até para serem denominadas como microplástico – mas que também reagiram ao corante de Mayes.
Essas pequenas partículas podem interagir com o corpo humano de várias formas. De acordo com um estudo de 2016 sobre plásticos nos frutos do mar realizado pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, cerca de 90 por cento das partículas microplásticas consumidas podem passar pelo intestino sem causar nenhum efeito, mas os 10% restantes podem se prender à parede intestinal.
Existe a possibilidade de que algumas micropartículas sejam inclusive absorvidas pelo tecido intestinal e percorram o sistema linfático do organismo. Partículas de cerca de 110 mícrons (0.11 milímetros) de tamanho podem passar pela veia porta hepática do corpo, que transporta sangue do intestino, vesícula biliar, pâncreas e baço para o fígado. Um relatório de 2016 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação indica que resíduos menores, em torno de 20 mícrons (0,02 milímetros), podem chegar aos rins e ao fígado pela corrente sanguínea.
Noventa por cento das partículas plásticas encontradas nos testes da Orb tinham entre 100 e 6,5 mícrons – pequenas o suficiente, de acordo com essas pesquisas, para atravessarem o intestino. Mas ainda há poucas pesquisas indicando com que frequência isso pode ocorrer ou qual o impacto que pode representar para a saúde.
Questões como o próprio envase e o transporte dessas garrafas d’água podem estar relacionadas com a quantidade de microplásticos encontrada. Os pesquisadores reforçam que é necessário um estudo mais amplo, com uma maior amostragem.
Quando comparadas com amostras de água da torneira, as garrafas também saíram perdendo – ainda que os estudos tenham sido realizados em períodos diferentes. Dados de 2013 da Orb registraram uma quantidade de 4,45 partículas plásticas por litro em amostras de água da torneira, frente 10,4 partículas por litro (em média) nas atuais amostras de água envasada. Ainda que muita coisa tenha mudado em nossa sociedade dos plásticos desde 2013, os dados causam alerta. As empresas dizem que há exagero, mas muitas não apresentaram informações que acalmem os consumidores.
O estudo está disponível on-line, com gráficos e tabelas detalhadas sobre a contaminação da água de garrafa por microplásticos. Do ponto de vista do consumidor, produzir menos plástico parece um bom começo para evitar que ele acabe seu ciclo de vida como um contaminante. Pratique o consumo consciente e cobre medidas de regulamentação das empresas e governos.
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