Mineração urbana: a importância da recuperação de resíduos

Mineração urbana, ou mineração secundária, é uma atividade que está diretamente relacionada com o conceito de economia circular e preservação ambiental. Dessa forma, muitos materiais, presentes principalmente em resíduos eletroeletrônicos, podem ser recuperados ou reciclados, transformados em matéria-prima para a produção de novos bens de consumo. 

A forma como as pessoas vivem, no mundo contemporâneo, é diretamente influenciada pela tecnologia moderna e pelos avanços digitais, que moldam a forma como toda a sociedade se desenvolve. A internet, a constante atualização dos dispositivos eletroeletrônicos e a obsolescência programada fazem crescer o consumo, a troca contínua desses equipamentos e, por consequência, a quantidade de resíduos gerados, principalmente pelo descarte desses itens. 

Além disso, cada equipamento tecnológico traz consigo o impacto causado por sua cadeia produtiva, desde a extração de matérias-primas, até sua produção e transporte. Também vale ressaltar os materiais e resíduos gerados pelas embalagens desses produtos. Além da degradação ambiental, essa exploração esgota recursos naturais e, assim como o descarte incorreto desses itens, causa prejuízos para a saúde humana.

O que é mineração urbana?

Mineração urbana é uma prática que envolve a extração de materiais valiosos a partir de resíduos que foram descartados e os coloca novamente em circulação. Por meio da mineração urbana, esses materiais são recondicionados, recuperando seu valor econômico.

Popularmente chamado de lixo eletrônico (ou e-waste, globalmente), todo resíduo pode conter materiais tóxicos e poluentes, se descartado de forma inadequada, no lixo comum. No entanto, os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) também podem conter materiais que são considerados verdadeiros tesouros. 
É comum que metais preciosos estejam presentes nos resíduos, pois são utilizados na composição de dispositivos eletrônicos. O ouro, por exemplo, é aplicado em circuitos por apresentar uma boa condutividade elétrica.

Mineração urbana de lixo eletrônico poderia render ao Brasil R$ 4 bi por ano
Como descartar maquininha de cartão?

Quais são os benefícios da mineração urbana?

Na mineração urbana a reutilização de materiais que foram descartados é uma forma de mitigar a exploração e degradação ambientais, trazendo benefícios tanto para a economia quanto para o meio ambiente, promovendo a reciclagem

Dessa forma, a mineração urbana evita a extração de novos recursos da natureza, enquanto diminui a quantidade de resíduos descartados em lixões e aterros sanitários.

Por outro lado, a velocidade de consumo se mantém muito maior do que a capacidade de reciclagem dos resíduos. De acordo com o relatório The global E-waste Monitor 2024, em 2022 foram gerados 62 milhões de toneladas de REEE em todo o mundo. Além disso, menos de 23% desse resíduo teve um destino correto, sendo coletado e reciclado. 

Uma estimativa mostra que quase 26% desse resíduo pode ter sido coletado e reciclado informalmente, em países desenvolvidos, enquanto 29% deve ter sido tratado em países em desenvolvimento e de baixa renda, sem a estrutura adequada. Calcula-se que pouco mais de 22% tenha sido descartado em aterros sanitários.

Uma projeção, divulgada pelo World Economic Forum, mostra que esse montante deve atingir 74.7 milhões de toneladas até 2030.

Onipresença de plástico

Ainda na análise de dados, dos 62 milhões de toneladas de resíduos eletroeletrônicos gerados, 17 milhões de toneladas eram compostos por plástico. Esse é um dado alarmante, uma vez que grande parte do descarte de plástico vai parar nos oceanos, interferindo e afetando os ecossistemas marinhos.

Todos os tipos de plástico que chegam ao oceano se decompõem, em pedaços muito pequenos, se transformando em microplásticos

Segundo o 5 Gyres Institute, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com pesquisas voltadas aos problemas causados pela poluição plástica, em conjunto com a Organização das Nações Unidas (ONU), os microplásticos encontram dois destinos: ou são consumidos acidentalmente pelos animais marinhos ou acabam depositados no fundo do mar. 

Um artigo, publicado pela Plos One, em 2023, estima que haja de 93 mil a 578 mil toneladas de massa plástica na superfície dos oceanos de todo o planeta. A fragmentação de todo esse plástico resulta em micro e nano partículas, que nessa condição saem da superfície e vão para a costa ou o fundo do mar, além de serem ingeridos pela vida marinha, causando mortes.

Os cientistas concluíram que o acúmulo de plástico nos oceanos sofreu um grande aumento a partir de 2005, crescendo de uma forma nunca antes vista. O resultado da pesquisa estima que uma média de 171 trilhões de partículas de plástico, em sua maioria microplásticos, pesando 2.3 milhões de toneladas, estavam depositadas no oceano, em 2019.

Contaminantes

Além do descarte de plástico, também existe o problema dos contaminantes. O The global E-waste Monitor 2024 também aponta que, grande parte da gestão informal do REEE, além do descarte incorreto, resultou em cerca de 58 toneladas de mercúrio e 45 mil toneladas de plástico contaminado com retardantes de chamas bromados no meio ambiente. 

Os retardantes de chamas são compostos químicos aplicados para manter a segurança em caso de incêndios, diminuindo a inflamabilidade dos equipamentos. Entretanto, são substâncias persistentes, solúveis em lipídios (gordura) e com potencial de bioacumulação (é absorvida pelo organismo).

No Brasil, a gestão de REEE é regulamentada, mas o desenvolvimento da mineração urbana ainda encontra dificuldades.

Mineração urbana no Brasil

A gestão de REEE é regulamentada, no Brasil, por dois mecanismos: a lei nº 12305 que, em 2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e o decreto nº 10240, que em 2020 implementou o sistema de logística reversa obrigatória de produtos eletroeletrônicos, de uso doméstico.

Imagem de Freepik

O surgimento dessas políticas públicas estabelece diversos agentes atuantes, sendo eles consumidores, produtores, importadores, distribuidores, comerciantes e órgãos regulamentadores. Todos esses agentes figuram como responsáveis pelo gerenciamento de REEE, além da prática da logística reversa. 

Um relatório publicado, em 2023, pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), reforça que a mineração urbana é uma atividade essencial para recuperar o valor de materiais a partir de resíduos sólidos. Além disso, essa ferramenta também é apontada como uma forma de preservação dos recursos naturais, que contribui fortemente para a economia circular.

Commodities

Outro fator importante, demonstrado como uma vantagem no reaproveitamento de materiais secundários, é a independência gerada em relação a variação de preços das commodities, que nesse caso representam os insumos ou matérias-primas utilizados na produção de bens de consumo.

Os REEE tem um alto potencial de recuperação. Além desses materiais, outros resíduos recicláveis, como latinhas de refrigerante, são fontes significativas para a recuperação do alumínio, por exemplo.

De acordo com o relatório, as principais commodities originadas da mineração urbana, cotadas em algumas bolsas de valores internacionais, englobam cobre, alumínio, ouro, prata, chumbo, estanho, níquel, zinco, cobalto, hidróxido de lítio, paládio, platina e sucata de aço.

Gestão de REEE

Em relação a gestão de REEE, seu fluxo pode ser definido em 4 etapas:

  • geração (de resíduos eletroeletrônicos): com a importação de REEE ou a partir do descarte pós consumo;
  • pré-processamento: que envolve a coleta, o transporte e a separação dos materiais;
  • processamento: que envolve a higienização, a desmontagem, o desmanche ou o reparo, e por fim, a trituração das partes. Ao longo dessa etapa, os materiais são reavaliados e divididos em grupos distintos, que envolvem a próxima fase.
  • destinação: Os materiais podem seguir para o descarte (aterro sanitário), serem reutilizados (no caso de reparo) ou ainda, se transformam em matéria-prima secundária.

No Brasil, as regiões Sul e Sudeste detém mais de 80% da concentração de empresas que trabalham com processos de reciclagem de REEE. Desse montante, mais da metade estão presentes no estado de São Paulo. 

Apesar do alto número de empresas recicladoras, essa concentração traz um viés, causado pela emissão de gases durante o transporte de resíduos eletrônicos, vindos de outras regiões do País. 

Embora as empresas recicladoras estejam concentradas, em sua maioria, no Sul e Sudeste do Brasil, existem postos de coleta de REEE espalhados por todo o país. Caso você tenha produtos que se enquadram como lixo eletrônico, descarte corretamente. Não sabe onde? Procure por um ponto de coleta, acessando o buscador do Portal eCycle.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais