Ação nasceu a partir da mobilização de lideranças e moradores do bairro da periferia de São Paulo, por melhores condições para as crianças nos espaços públicos
Por UP Lab | Localizada em uma das áreas mais desafiadoras de São Paulo em termos de acesso a políticas públicas e direito cidadão, a Praça João Tadeu Priolli, no Campo Limpo, periferia de São Paulo, 1 entre as 3.910 praças existentes no município, passou por ampla revitalização em 2024.
O processo, mais do que uma simples reforma de um espaço público, marcou o início de um sonho, uma campanha capaz de sensibilizar e influenciar todas as esferas da população, da sociedade civil aos tomadores de decisões, em direção a um movimento social em prol do direito ao brincar, garantido pela Lei 14.826/2024 – sancionada em março de 2023.
A lei institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias para prevenção à violência contra crianças, e também estabelece que tanto crianças quanto adolescentes têm direito ao brincar livre de intimidação ou discriminação, a se relacionar com a natureza, a viver em seus territórios originários e a receber estímulos parentais lúdicos que proporcionem seu desenvolvimento.
A mobilização para a reforma da Praça Campo Limpo começou com o empreendedor social Thiago Vinícius, pai de uma menina e morador de Campo Limpo e um dos idealizadores do restaurante Organicamente Rango e da agência Solano Trindade – cujo propósito é fortalecer a arte e a economia em territórios periféricos -, e teve como ponto de partida a percepção da comunidade sobre a necessidade de oferecer um ambiente seguro e acessível para o lazer das crianças da região.
“É uma violência ver a única área de lazer do bairro destruída. Sonhar é direito de todos, mas ter oportunidade para realizar o sonho é algo bem diferente. O Campo Limpo é um polo de criatividade e energia, uma força motriz da cidade. O brincar e o lúdico são fundamentais para despertar novas perspectivas e reduzir desigualdades“, diz Thiago.
Para Madalena Coelho, também moradora da região e que foi mãe adolescente, a praça e o parquinho do bairro, muitas vezes, serviu como um espaço de conforto e acolhimento. “Eu tive filho com 14 anos e levá-lo para brincar na praça também era um refúgio para mim”.
Por meio do poder de articulação de Thiago, a iniciativa foi abraçada pelos times da Impossível, estúdio de criatividade multimídia, e da UP Lab, laboratório de comunicação, inovação e impacto positivo. Juntos com o empreendedor e a comunidade do Campo Limpo, os especialistas em comunicação e produção audiovisual deram forma ao movimento Brincar é Direito, campanha de mobilização da sociedade civil para que crianças de todo o Brasil não dependam de um CEP para ter acesso ao brincar livre e seguro.
“Mais do que o desenvolvimento individual, eu acredito que o brincar coletivo em espaços públicos é importante para a criação de uma cidadania integral, a aprendizagem do convívio. O brincar pode ser uma ferramenta de despolarização e cidadania”, comenta Rapha Erichsen, diretor e produtor executivo da Impossível.
Multiplicando o brincar
Composta por documentário, site, petição online e ações presenciais e digitais nas redes sociais, a campanha Brincar é direito conta com a participação de organizações e criadores de conteúdo como Camilla Marinho (Instituto Caburé), Juliana Johannpeter (Instituto Mari Johannpeter) e Change.org, maior plataforma de petições online do mundo, dentre outros.
O objetivo é amplificar o alcance do exemplo da Praça do Campo Limpo, sensibilizar e conscientizar a sociedade civil sobre o direito de brincar das crianças em espaços públicos e, assim, inspirar outras iniciativas parecidas em todo o país. O movimento conta ainda com a parceria institucional do Instituto Mari Johannpeter, do Organicamente Rango, do Erê Lab/Coop-erê e da comunidade Agente Muda, e traz Change.org e a marca Identidade Negra como apoiadores.
A mobilização de criadores de conteúdo, ativistas e organizações diversas será respaldada pela petição online direcionada às autoridades responsáveis, e material informativo no formato multimídia, com orientações para quem quiser mobilizar espaços de brincar em sua comunidade. “É um conteúdo que reúne os principais aprendizados do processo do parquinho do Campo Limpo para ser utilizado por quem é iniciante no tema”, explica Bárbara Poerner, coordenadora da campanha de impacto do projeto.
“Queremos, com esse movimento, inspirar a gestão pública para que o cumprimento da Lei do Direito ao Brincar seja efetivo. Por outro lado, também queremos estimular a sociedade civil a se organizar e não ficar de braços cruzados esperando a lei ser cumprida”, comenta Rennê Nunes, sócio e diretor executivo da UP Lab.
A peça central da campanha é o curta documentário de 28 minutos, que será lançado no dia 25 de janeiro de 2025, às 15 horas, na própria Praça João Tadeu Priolli, no Campo Limpo. A narrativa, feita pelos participantes do projeto, cuja produção se baseou em processo de escuta ativa no território, incluindo crianças, mostra todo o processo da reforma de 6 meses do parquinho da praça, a importância do local para a população e discute o próprio direito ao brincar.
A obra de revitalização foi liderada pelo Erê Lab/Coop-erê, que atua com projetos com foco na ocupação dos espaços públicos pela infância e acompanhou, ao longo de um ano, a evolução do projeto, do planejamento à inauguração.
“Estarmos envolvidos na criação de territórios do brincar a partir da iniciativa da própria comunidade em uma centralidade de bairro, como é a Praça do Campo Limpo, é um sonho que desejamos sonhar todos os dias pelo Brasil. Nesse processo, escutamos os adultos a fim de trazer suas histórias de luta para esse espaço brincar livre e inclusivo, assim como escutamos as crianças de diversas instituições do entorno para que, a partir dessa experiência possam ainda criar e contar muitas histórias incríveis no futuro que as espera”, comenta Roni Hirsch, diretor criativo do Erê Lab.
Em novembro de 2024, a iniciativa do Erê Lab/Coop-erê na Praça do Campo Limpo recebeu o Selo de Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Cidade de São Paulo.
Praças públicas em São Paulo
O bairro do Campo Limpo faz parte da Subprefeitura do Campo Limpo, que soma ainda Vila Andrade e Capão Redondo, totalizando 650 mil moradores. A região lidera em número de residências em favelas no município de São Paulo, com 185 mil lares, segundo levantamento do estudo Mapa da Desigualdade. O índice é 120 vezes mais alto que na Sé e em Pinheiros, no centro expandido.
Em São Paulo as praças estão enquadradas no PLANPAVEL (Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres), que integra o conjunto de quatro planos verdes do sistema de planejamento e gestão ambiental e urbano, estabelecido no Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo (PDE 2014).
O município de São Paulo tem 3.910 praças, distribuídas nas 32 subprefeituras. As subprefeituras Sé e Butantã reúnem o maior percentual de praças/largos, 2.35%, da área da subprefeitura, respectivamente. Na sequência, está a subprefeitura Pinheiros com 2,11% do seu território ocupado por praças/largos. Os piores percentuais de praças/largos encontram-se nas subprefeituras Perus e Jaçanã-Tremembé, com respectivamente, 0,10% e 0,23%. Os dados são da prefeitura de São Paulo.
De acordo com o PLANPAVEL 2022, o Campo Limpo possui 113 praças/largos, que ocupam 0,36km² e 0,99% da região. Uma parcela dos espaços identificados neste levantamento não funciona efetivamente como deveria e está ocupada por habitação de interesse social ou por equipamentos públicos sociais, podendo estar ou não regularizados.
“Acredito que a sociedade não só subestima o direito ao brincar como aliena esse direito dos espaços públicos, transferindo essa garantia para os espaços privados. São Paulo é a maior metrópole do hemisfério Sul e tem uma oferta irrisória de espaços públicos para o brincar. O principal fator para esse cenário talvez seja a falta de uma cultura que estimule o convívio coletivo ao ar livre. Acredito que essa cultura se dá por diversos motivos, como segurança, falta de infraestrutura, que leva a falta de hábito e pouca cobrança da população por espaços de brincar de mais qualidade”, analisa Rapha.
O diretor espera que ao final do filme o público entenda que brincar é importante e que cabe a cada um lutar para que as crianças tenham acesso a esse direito. “Espero que o filme desperte nas pessoas, principalmente pais, mães e cuidadores, mas também tomadores de decisão, legisladores, poder executivo, empresas e sociedade civil organizada; o desejo de liderar iniciativas parecidas como a do Thiago, e que transformem o seu entorno, tornando-o mais amável e propício ao desenvolvimento das crianças”, finaliza.
Conheça a Lei 14.826/2024 na íntegra
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias para prevenção à violência contra crianças.
Art. 2º A parentalidade positiva e o direito ao brincar constituem políticas de Estado a serem observadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 3º É dever do Estado, da família e da sociedade proteger, preservar e garantir o direito ao brincar a todas as crianças.
Parágrafo único. Considera-se criança, para os fins desta Lei, a pessoa com até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Art. 4º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios desenvolverão, no âmbito das políticas de assistência social, educação, cultura, saúde e segurança pública, ações de fortalecimento da parentalidade positiva e de promoção do direito ao brincar.
Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se parentalidade positiva o processo desenvolvido pelas famílias na educação das crianças na condição de sujeitos de direitos no desenvolvimento de um relacionamento fundamentado no respeito, no acolhimento e na não violência.
Art. 6º É dever do Estado, da família e da sociedade a promoção dos seguintes aspectos da parentalidade positiva:
I – manutenção da vida: ações de proteção e manutenção da vida da criança, de forma a oferecer condições para a sua sobrevivência e saúde física e mental, bem como a prevenir violências e violações de direitos;
II – apoio emocional: atendimento adequado às necessidades emocionais da criança, a fim de garantir seu desenvolvimento psicológico pleno e saudável;
III – estrutura: conjunto de equipamentos de uso comum destinados a práticas culturais, de lazer e de esporte, com garantia de acesso e segurança à população em geral;
IV – estimulação: promoção de ações e de campanhas que visem ao pleno desenvolvimento das capacidades neurológicas e cognitivas da criança;
V – supervisão: estímulo a ações que visem ao desenvolvimento da autonomia da criança;
VI – educação não violenta e lúdica: ações que promovam o direito ao brincar e ao brincar livre, bem como as relações não violentas.
Art. 7º A aplicação desta Lei, sem prejuízo dos princípios estabelecidos nas demais normas nacionais de proteção aos direitos da criança e do adolescente, terá como base, entre outros, os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente a:
I – brincar livre de intimidação ou discriminação;
II – relacionar-se com a natureza;
III – viver em seus territórios originários;
IV – receber estímulos parentais lúdicos adequados à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Em resumo
- Ação nasceu a partir da mobilização de lideranças e moradores do bairro da periferia de São Paulo por melhores condições para as crianças nos espaços públicos;
- Movimento Brincar é direito conta com documentário, campanha nas redes sociais, participação de embaixadores e influenciadores, petição online e material informativo em formato multimídia;
- O lançamento do filme será no dia 25 de janeiro de 2025, às 15 horas, em praça pública do Campo Limpo, com a presença do diretor e dos protagonistas do documentário;
- Projeto idealizado pela Impossível e pela UP Lab, em parceria com a comunidade, tem como objetivo conscientizar, sensibilizar e mobilizar sociedade civil e tomadores de decisão sobre a importância do brincar livre e seguro em espaços públicos;
- Brinquedos do parquinho localizado no mesmo espaço foram definidos em laboratório de cocriação com crianças do bairro.