Moratória da Soja é um pacto em vigor desde julho de 2006, realizado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) com a sociedade civil e o governo. O acordo prevê a não venda e o não financiamento da soja produzida em áreas que teriam sido desmatadas na Amazônia Legal.
A proposta, inicialmente, foi elaborada para durar somente dois anos, mas desde de julho de 2008 tem sido renovada anualmente. O objetivo da Moratória da Soja é aliar a preservação ambiental do bioma amazônico e o desenvolvimento econômico. Isso por meio de práticas sustentáveis na região amazônica.
O desmatamento da Amazônia tem sido, há anos, motivo de grande preocupação no mundo todo. Ele provoca alterações significativas no funcionamento dos ecossistemas e, consequentemente, gera impactos sobre a estrutura e a fertilidade dos solos e sobre o ciclo hidrológico. Além disso, o desmatamento é um dos grandes contribuintes do aumento das emissões de gases do efeito estufa. Gases que são responsáveis pela aceleração das mudanças climáticas e pelo aquecimento global.
De 2004 a 2005, a floresta tropical havia sido destruída em uma taxa alarmante – a segunda maior já registrada na história. Isso em virtude, principalmente, da crescente demanda por terras para cultivo de soja e criação de gado. Diante da disparada da demanda global por soja, as perspectivas para a região eram as piores possíveis.
Em 2006, no entanto, o cenário começou a mudar. Naquele ano, o Greenpeace divulgou um relatório expondo a relação entre o desmatamento na Amazônia, a produção de soja e a carne, uma vez que 70% a 90% da safra mundial de soja é usada como ração animal. O documento revelou que grandes redes de fast-food e supermercados, como o McDonalds, serviam carne provavelmente alimentada com soja proveniente do desmatamento na Amazônia.
Como resposta, após intensos protestos globais que exigiam ações para contornar o problema, a indústria da soja e as organizações da sociedade civil, lideradas pelo Greenpeace, foi firmada a Moratória da Soja. As empresas signatárias comprometem-se a não comprar soja oriunda de agricultores responsáveis pelo desmatamento da floresta, que usam trabalho escravo ou ameaçam terras indígenas. Os resultados foram positivos e os índices de desmatamento começaram a cair nos anos seguintes.
O pacto da Moratória da Soja é coordenado pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS), que reúne membros do setor privado e da sociedade civil – Greenpeace, WWF Brasil, TNC, Imaflora, Ipam e Earth Innovation –, além do Banco do Brasil. Os resultados do acordo têm sido bastante positivos.
Desde a implementação da moratória, o desmatamento relacionado à soja diminuiu de 30% para menos de 1,5%, enquanto a produção de soja na Amazônia aumentou 400% em comparação com os números registrados em 2006. Os índices revelam que a expansão da produção agrícola e a proteção das florestas podem – e devem – ser conciliadas.
O Código Florestal Brasileiro (CF), introduzido em 2012, visa equilibrar a proteção das florestas com o desenvolvimento econômico. Porém, de acordo com dados do governo brasileiro publicados em novembro de 2019, desde 2012, o desmatamento na Amazônia aumentou 114%, passando de 460 mil hectares para quase 1 milhão de hectares.
Além disso, prevê-se que a demanda de soja aumente 4% ao ano, principalmente para rações para gado e peixes de criação. Assim, a Moratória da Soja é necessária para complementar o Código Florestal, apoiando a expansão do produto apenas nas terras agrícolas existentes.
O acordo beneficia o Brasil e o mercado global de várias maneiras: ele fornece uma solução eficiente para garantir a conformidade legal com o FC da soja da Amazônia, atrai investimentos para o setor de soja brasileiro e ajuda a proteger o ciclo da água, do qual depende todo o setor agrícola do Brasil. Sem o pacto, todos esses benefícios correm risco.
Por meio de monitoramento por satélite e levantamento aéreo, a moratória monitora 76 municípios responsáveis por 98% da soja produzida na floresta amazônica. Assim, o Grupo de Trabalho da Soja é capaz de controlar quando ocorrem novos desmatamentos relacionados à soja e rastrear os responsáveis.
É por causa dessa vigilância que, mesmo com o significativo aumento na produção de soja no Brasil, o desmatamento permanece relativamente baixo. Desde 2006, a quantidade de terras que a soja ocupa na região amazônica aumentou 260%, mas apenas pouco mais de 1% está sendo cultivada em áreas desmatadas recentemente.
As medidas implementadas pela Moratória da Soja são indicadores dos elementos necessários para atingir o desmatamento zero, como acordos pelo fim do desmatamento pela agropecuária, criação de áreas protegidas (Unidades de Conservação e áreas indígenas) e cumprimento do Código Florestal, entre outros. Essas políticas, se aplicadas também a outros biomas, poderiam zerar o desmatamento no país antes de 2030.
Pela primeira vez, uma equipe de pesquisadores, liderada pelo economista ambiental Robert Heilmayr, professor assistente da Universidade de Wisconsin Madison, quantificou os efeitos da Moratória da Soja e documentou o sucesso do acordo. Segundo a pesquisa, publicada em dezembro de 2020 no Science Daily, o pacto evitou o desmatamento de 18 mil quilômetros quadrados de desmatamento em dez anos de existência.
A área abrange um território maior do que todo o estado de Connecticut. O estudo, financiado pela Fundação Gordon e Betty Moore e pela Iniciativa Norueguesa Internacional para o Clima e Floresta, ainda reforça que a política não impediu o crescimento agrícola nem empurrou o desmatamento para outros setores ou regiões – dois dos receios levantados na época em que o acordo foi assinado.
Após a análise dos dados, os autores encontraram uma redução no desmatamento acima e além do que poderiam atribuir apenas às políticas governamentais. Eles estimam que, entre 2006 e 2016, o desmatamento em porções aptas para soja na Amazônia foi 35% menor do que o que teria ocorrido sem a moratória. Esta é a primeira vez que um estudo foi capaz de quantificar a contribuição única do pacto, sem a interferência de outros fatores e políticas não relacionados a ele.
A equipe também encontrou poucas evidências de que as ações previstas pela moratória estivessem empurrando o desmatamento para o Cerrado, bioma próximo à região amazônica. O risco, no entanto, continua a ser motivo de preocupação e deve ser monitorado.
Para entender melhor como esse tipo de política de conservação poderia ser aplicada em outros lugares, a equipe procurou identificar exatamente o que contribuiu para a eficácia do acordo. Para o professor Heilmayr, um dos pontos fortes da Moratória da Soja na Amazônia é que assiná-la foi uma decisão praticamente unânime entre os compradores de soja do setor.
Os signatários respondem por cerca de 90% de todas as compras de soja na região, e essa alta participação de mercado garantiu que o acordo transformaria a prática agrícola. Assim, caso os agricultores quisessem vender sua soja, eles teriam de cumprir as políticas estabelecidas.
Outro fator que contribuiu para o sucesso do ASM foi a cooperação de empresas privadas, ONGs sem fins lucrativos e órgãos governamentais. A participação corporativa, segundo Heilmayr, adiciona uma penalidade de mercado direta que desestimula o desmatamento.
Enquanto isso, o envolvimento de organizações ambientais como Greenpeace, The Nature Conservancy e WWF aumenta a confiança no acordo. Por último, os investimentos públicos em sistemas de monitoramento por satélite e registros de propriedades locais fornecem os dados necessários para monitorar e fazer com que a moratória seja cumprida. Heilmayr acredita que a interação entre empresas, ONGs e atores do governo deu maior credibilidade à iniciativa aos olhos da comunidade global.
Em 2016, as partes envolvidas optaram por renovar a Moratória da Soja por tempo indeterminado. Embora isso represente uma grande vitória para a agricultura sustentável, o sucesso contínuo do acordo ainda enfrenta obstáculos e objeções de alguns representantes do setor agrícola. Os pesquisadores, no entanto, observam que o pacto garante que os produtores de soja da Amazônia tenham acesso a valiosos mercados internacionais a baixo custo.
O professor Heilmayr acredita que a Moratória da Soja seja um bom exemplo do que é possível fazer quando as empresas tomam medidas agressivas e transparentes para incentivar a sustentabilidade da cadeia de suprimentos. Segundo ele, ela aumenta a esperança de que atores privados possam desencadear melhorias significativas na forma como a sociedade interage com o meio ambiente e o planeta.
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