Descoberta pode ser alternativa importante no tratamento de tumores
Todas as células do nosso corpo realizam autofagia, ou seja, degradam e reciclam partes de si mesma para garantir sua sobrevivência. O processo é usado todos os dias da vida da célula e permite a destruição de componentes intracelulares na presença de toxinas, ou possibilita que ela passe a digerir partes de si mesma quando estiver em situações de emergência, como em privação de nutrientes, além de degradar organelas desgastadas e reaproveitar alguns de seus componentes moleculares.
Mas claro, há um limite, e se o processo o ultrapassa, deixa de ser um mecanismo de sobrevivência e acaba levando a célula à morte autofágica. A partir disso, segundo um artigo publicado recentemente na revista Scientific Reports, um grupo de cientistas brasileiros da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu uma pesquisa e conseguiu mostrar ser possível induzir a morte de uma célula por autofagia, com o intuito de abrir caminho para o desenvolvimento de novas drogas antitumorais e novos tratamentos para o câncer.
O grupo chegou a esse resultado por meio de experimentos in vitro e simulações computacionais com culturas de queratinócitos (células do tecido epitelial responsáveis pela produção de queratina), conseguindo causar, de maneira muito eficiente, danos na membrana das mitocôndrias e dos lisossomos, organelas responsáveis pela produção de energia e pela digestão de partículas originárias do meio extra e intracelular, respectivamente. Os queratinócitos foram escolhidos por naturalmente apresentarem bastante ativo o processo de autofagia para a sobrevivência, assim como nas células tumorais.
As células foram tratadas com dois compostos diferentes, parte com o ácido oleanólico, usado como agente anti-inflamatório, antioxidante e antiangiogênico; e a outra parte com o ácido betulínico, que possui ação antitumoral e vem sendo testado contra o melanoma e outros tipos de câncer de difícil tratamento.
Os dois compostos são isômeros, ou seja, apresentam a mesma fórmula molecular, mas diferente distribuição espacial dos átomos. E, ao comparar, nas diferentes culturas, os pesquisadores observaram que o ácido betulínico, por possuir a estrutura de sua molécula mais plana, consegue penetrar melhor na membrana da mitocôndria e do lisossomo, conseguindo assim induzir de forma eficiente a morte por autofagia. A molécula do ácido oleanólico possui uma espécie de dobra, que dificulta que ela penetre na membrana das organelas, não conseguindo induzir a morte autofágica.
Então, por meio de simulações computacionais e em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), os cientistas conseguiram deixar a molécula do ácido oleanólico mais plana, alterando seu arranjo espacial, fazendo assim com que houvesse maior interação da molécula com a membrana das organelas.
Com esse resultado, os pesquisadores concluem então que a pesquisa pode auxiliar na identificação de derivados do ácido betulínico com o objetivo de verificar qual composto seria mais eficiente em induzir a morte celular por autofagia e usá-los por fim em tratamentos de combate ao câncer.