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Procuradores da República afirmam que os fatos revelados por uma investigação da Mongabay foram fundamentais para obter decisão judicial esta semana para provar os impactos ambientais dos agrotóxicos usados nas plantações de óleo de palma para os povos indígenas no Pará

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  • Em 4 de outubro, o Tribunal Federal da Primeira Região em Brasília (TRF1) aprovou uma perícia judicial sobre a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na Terra Indígena Turé-Mariquita e na região de Tomé-Açú, que representa a maior produção de óleo de palma do país.
  • A decisão judicial favorável para a perícia foi emitida oito anos depois que o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação judicial para responsabilizar a empresa de óleo de palma Biopalma — adquirida pela Brasil BioFuels S.A. (BBF) no final de 2020 — pelos impactos ambientais na região.
  • Uma pesquisa da Universidade de Brasília de 2017, destacada na investigação de Mongabay, encontrou vestígios de três agrotóxicos (dois deles tipicamente listados entre os utilizados no cultivo da palma) nos principais igarapés e poços utilizados pelo povo Tembé na Terra Indígena Turé-Mariquita.

Por Karla Mendes, da Mongabay | Uma investigação da Mongabay sobre a contaminação provocada pela produção de óleo de palma na Amazônia foi chave para o Ministério Público Federal (MPF) obter uma decisão judicial esta semana para provar os impactos ambientais dos agrotóxicos usados nas plantações de palma para comunidades indígenas do Pará.

Em 4 de outubro, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região em Brasília (TRF1) aprovou uma perícia judicial para comprovar a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na Terra Indígena Turé-Mariquita e em Tomé-Açú, região de maior produção de óleo de palma do país pela Biopalma — adquirida pela Brasil BioFuels S.A. (BBF) no final de 2020. A decisão era muito esperada pelo MPF, que iniciou essa batalha jurídica há oito anos.

“O Ministério Público utilizou a sua reportagem. E ela teve influência na decisão [do TRF1],” o procurador da República Felício Pontes Júnior disse a esta repórter em 6 de outubro por telefone. “Muitos juízes buscam informações antes de julgar, e a informação da sua investigação é a informação mais aprofundada que tinha sobre o assunto”.

Em sua decisão, o desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, disse que, em função dos possíveis danos à saúde decorrentes do plantio de dendê, o pedido o MPF é necessário para “assegurar a perícia dos efeitos da aplicação dos defensivos agrícolas utilizados na monocultura do dendê nos igarapés e no solo na região de uma maneira geral, bem como nas áreas vizinhas e limítrofes, e seus efeitos sobre as pessoas indígenas”.

Vista aérea de uma escola completamente cercada por plantações de palma de óleo no município de Tomé-Açu, no Pará, em 13 de novembro de 2019. Imagem de Wilson Paz para a Mongabay.

Diferentemente da decisão anterior, que considerava que não havia mais interesse do MPF em produzir a prova devido ao “esvaziamento do seu objeto”, Oliveira afirmou que “a indicação nesse momento é de que vem se confirmando reiteradas situações de agravamento da condição de saúde dos indígenas locais”.

“O decurso do tempo, longe de tornar desnecessária a perícia, mais a recomenda, para apreensão do estado de fato e dos seus efeitos na condição de saúde dos indígenas locais, sendo importante a antecipação da prova requerida também na adoção de eventuais medidas de precaução e de prevenção ao meio ambiente, sobretudo pelo perecimento das condições de possível contaminação das águas, do solo e da flora pelo devir temporal”, escreveu Oliveira.

Pontes Júnior disse à Mongabay que o MPF já entrou em contato com o Instituto Evandro Chagas (IEC), um laboratório federal com sede no Pará, considerado o “melhor do Brasil” para realizar a perícia que durará um ano e analisará todo o ciclo hidrológico da região.

Um estudo científico destacado na investigação de Mongabay mostrou que igarapés e águas subterrâneas da Turé-Mariquita tinham vestígios de pesticidas.

Pesquisa feita em 2017 por Sandra Damiani para a Universidade de Brasília (UnB) encontrou vestígios de três agrotóxicos (dois deles tipicamente listados entre os utilizados no cultivo da palma) nos principais igarapés e poços utilizados pelo povo Tembé na Turé-Mariquita. A análise laboratorial foi feita pelo IEC.

Em nota enviada à Mongabay, a BBF informou que “prestará todo o apoio necessário para a realização das perícias” e se colocou à disposição dos órgãos públicos para fornecer os esclarecimentos necessários a respeito de tais acusações, que remontam a 2014, época em que o empreendimento pertencia à Biopalma.

A BBF disse que conta com uma equipe especializada para o monitoramento e controle de suas atividades, entre as quais avaliação da qualidade da água e do solo, acompanhamento do uso de fertilizantes e elaboração de relatórios de indicadores emitidos por laboratórios credenciados pelo INMETRO no Pará.

Água contaminada

No ano passado, a Mongabay publicou uma investigação de 18 meses que revelou evidências de contaminação da água pelo uso de pesticidas pela Biopalma, o que impactou não apenas o povo Tembé da Terra Indígena Turé-Mariquita em Tomé-Açú, mas também em outras terras indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores. A investigação também revelou outras questões desencadeadas pelo cultivo do palma na região: poluição do solo, desmatamento, escassez de peixes e caça, juntamente com questões de saúde e conflitos sociais e fundiários.

Em 2019, a Mongabay esteve na região de Tomé-Açu e ouviu inúmeras reclamações de todas essas comunidades sobre problemas oriundos da produção de óleo de palma na região.

“O dendê trouxe só muitos problemas pra nós. Primeiro, trouxe destruição da nossa fauna, da nossa flora, dos nossos rios”, disse o cacique Lúcio Tembé em 2019, enquanto olhava para o Rio Turé, próximo à Terra Indígena Turé-Mariquita. “Essa água não serve. [Antes] nós bebíamos. Esse rio aqui era o mercado de toda a população, onde eles pescavam, a mata onde caçavam.”

Ao ser contatado por esta repórter em 6 de outubro, Lúcio Tembé disse que as comunidades indígenas continuam sem beber água dos rios por causa da contaminação — há anos dependem de poços subterrâneos. Segundo ele, a situação é pior durante a estação chuvosa. “O [Instituto] Evandro Chagas e a Polícia Federal vieram aqui na semana passada… já fizeram coleta de água”, disse Lúcio Tembé à Mongabay em uma entrevista por telefone.

O cacique Lúcio Tembé posa para uma foto em frente à usina Castanheira da Biopalma, em Tomé-Açu. Imagem de Thais Borges para a Mongabay.

Herbicidas à base de glifosato foram um dos resíduos de agrotóxicos encontrados nas águas superficiais e subterrâneas da Turé-Mariquita pela pesquisa de Damiani. Por ser cancerígeno, o glifosato foi proibido ou restringido em mais de 20 países, mas não no Brasil. O inseticida endosulfan, um poluente orgânico persistente banido no Brasil desde 2010, também foi detectado em amostras de águas superficiais e sedimentos colhidas pelos pesquisadores.

“Essa decisão tem que ser muito comemorada”, Damiani disse à Mongabay em uma mensagem de áudio. Ela observou que a decisão de fazer sua pesquisa na Turé-Mariquita surgiu de denúncias “que indicavam uma série de sintomas bastante graves de saúde” experimentados pelo povo Tembé após 2010, quando as empresas de óleo de palma foram instaladas na região.

“Foi a primeira pesquisa do Brasil a mostrar resíduos de agrotóxicos em terra indígena cercada pela dendeicultura”, disse ela. “[Por pelo menos] oito anos essa população é submetida a uma situação de exposição de múltiplos agrotóxicos”.


Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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