Mudanças climáticas também poderão levar a secas seguidas por períodos de chuva intensa no Rio de Janeiro
As mudanças climáticas estão alterando o padrão de chuvas no Brasil, particularmente no Sudeste. É o que indica uma nova pesquisa que aponta um aumento médio tanto no volume de água quanto na média de dias em que chove no Estado de São Paulo. O trabalho foi feito com mais de 70 anos de dados meteorológicos.
No Rio de Janeiro e no Espírito Santo, a estimativa é de redução no volume médio da precipitação para os próximos anos, mas com concentração em menos dias e ocorrência de mais eventos extremos. Ou seja, deverá chover menos, mas com chuva mais intensa e tempestades mais frequentes.
As conclusões estão em artigo publicado no International Journal of Climatology.
“Um modo interessante de entender as mudanças climáticas é pensar em um clima com esteroides anabolizantes. Estamos vendo em todo o mundo o aumento da frequência de eventos extremos. O intuito de nossa pesquisa foi tentar entender como isso está ocorrendo no Sudeste brasileiro, a região mais populosa do país”, disse Leila Maria Vespoli de Carvalho, professora associada no Departamento de Geografia da University of California em Santa Barbara, uma das autoras da pesquisa.
Outra autora, Marcia Zilli, doutoranda no mesmo departamento, sob orientação de Carvalho, explica que a pesquisa partiu da reunião e análise dos dados meteorológicos da região Sudeste provenientes de duas fontes: a Divisão de Ciências Físicas do Earth System Research Laboratory, no Colorado, e as 36 estações meteorológicas individuais no Sudeste brasileiro operadas por diferentes agências brasileiras, com dados disponibilizados pela Agência Nacional de Águas.
“Embora a grande maioria dos dados obtidos esteja circunscrita a um período de mais de 70 anos, compreendido entre 1938 e 2012, várias estações meteorológicas têm registros mais antigos, das décadas de 1910 e 1920. De uma estação meteorológica na cidade de São Paulo, conseguimos dados desde 1888”, disse Zilli.
Participaram do estudo Brant Liebmann, da National Oceanic and Atmospheric Administration, e Maria Assunção Faus da Silva Dias, professora titular no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo. Assunção foi a orientadora de doutoramento de Carvalho. O trabalho contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os pesquisadores focalizaram o período de maior precipitação no Sudeste brasileiro, que vai de outubro a março. Ao longo da amostragem, verificaram a quantidade de dias sem chuva, a quantidade de dias com chuvas fracas (menos de 5 milímetros) e a quantidade de dias com chuvas intensas ou extremas, e tempestades.
“A manipulação estatística do conjunto dos dados serviu para estabelecer quais foram os padrões do regime de chuvas na região Sudeste verificados até o momento e, a partir disso, projetar as tendências para o futuro”, disse Zilli.
Observou-se que as precipitações estão diminuindo na parte norte da região Sudeste, sobre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, e aumentando no Sul. E a tendência é que esse padrão continue nos próximos anos.
“Essas tendências estão se tornando mais dramáticas. Isso vai ficar mais frequente e pior. Onde chove muito vai chover mais. Onde há seca vai ficar mais seco. O governo e a população precisam entender o que está acontecendo com o clima para planejar e melhor se adaptar às mudanças”, disse Carvalho.
Silva Dias destaca que a concentração da chuva em menos dias no Rio de Janeiro é um indicador de tendência à aridez, mas não o único. “O manejo do solo, sua cobertura vegetal, enfim, fatores associados ao equilíbrio do ecossistema são igualmente importantes. Eles também são uma forma possível de impacto na alteração do regime das chuvas”, disse.
Padrão de extremos
Segundo os pesquisadores, as alterações no regime de chuvas observadas para a região Sudeste estão inseridas em um contexto maior, pois um dos sinais mais robustos das mudanças climáticas no Brasil é justamente o secamento no Norte e no Nordeste e o umedecimento no Sul e no Sudeste.
Muito embora os dados analisados no trabalho terminem em 2012 – portanto não incluindo o período da seca do verão de 2014/2015 –, “ao se acrescentar os dados mais recentes o que se verifica é que a tendência se mantém inalterada. A seca de 2014/2015 foi um ponto fora da curva”, disse Zilli.
Silva Dias ressalta que a seca entre 2014 e 2015 faz parte de um padrão global de extremos. “Ao mesmo tempo que em São Paulo tivemos seca, aconteceram inundações extremas na região Norte do Brasil. Pontos fora da curva, para mais e para menos, seguindo essa tendência, devem aparecer com maior frequência nos próximos anos do que no passado”, disse.
“Os efeitos sobre a cidade de São Paulo já estão sendo sentidos com grande intensidade. Os extremos estão ficando cada vez mais intensos. As ilhas de calor em uma cidade do tamanho de São Paulo criam condições para a formação de tempestades. A proximidade do oceano Atlântico ajuda a formação dessas tempestades com o fornecimento de vapor d’água”, disse a professora do IAG.
O artigo A comprehensive analysis of trends in extreme precipitation over southeastern coast of Brazil (doi: 10.1002/joc.4840), de Marcia T. Zilli, Leila M. V. Carvalho, Brant Liebmann, Maria A. Silva Dias, pode ser lido aqui.