Ninguém mais duvida que as mudanças climáticas trazem consequências catastróficas para o meio ambiente. Agora, um estudo elaborado por 120 especialistas de diferentes países estima quais são os efeitos dessas mudanças para a saúde dos seres humanos, e mostra que um grupo é especialmente atingido: as crianças.
Publicado na revista científica The Lancet, o relatório Countdown on Health and Climate Change 2019 (Contagem Regressiva sobre Saúde e Mudanças Climáticas), lançado semana passada, aponta que uma criança nascida hoje terá prejuízos ao longo de toda a vida caso o ritmo de emissão de carbono continue nos níveis atuais. Com sistema imunológico ainda em desenvolvimento, elas são mais vulneráveis aos impactos.
O estudo também teve colaboração de pesquisadores brasileiros. Da USP, são coautores o professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina (FMUSP), e Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e pesquisador do Instituto de Ciências Avançadas (IEA) da USP.
Além do relatório geral, o estudo também levantou dados específicos de alguns países, de acordo com o impacto para cada região. No caso do Brasil, por exemplo, as mudanças climáticas tornam o ambiente mais propício para a proliferação da dengue e de outras doenças infecciosas, que afetam mais as crianças. Desde os anos 1950, os mosquitos têm aumentada em 11% sua capacidade de transmitir dengue no País.
Outro efeito diz respeito à alimentação. Com a elevação da temperatura média do planeta, a produção agrícola é diretamente atingida. No Brasil, o potencial médio de produtividade da soja caiu mais de 6% desde a década de 60. Dessa forma, os bebês estarão mais vulneráveis ao aumento do preço dos alimentos e à desnutrição.
Durante a adolescência, o impacto da poluição do ar piorará. O fornecimento de energia derivada do carvão triplicou no Brasil nos últimos 40 anos e os níveis perigosos de poluição atmosférica ao ar livre contribuíram para 24 mil mortes prematuras em 2016.
Eventos climáticos extremos, como enchentes e tufões, se intensificarão na idade adulta de quem nasce hoje. No Brasil, 1,6 milhão de pessoas foram expostas a incêndios florestais desde 2001/2004, e em todo o mundo houve um aumento recorde de 220 milhões de pessoas acima de 65 anos expostas a ondas de calor em 2018 em comparação com o ano 2000. Em relação a 2017, a alta foi de 63 milhões.
Para que uma criança nascida hoje cresça em um mundo que atingirá emissões zero até seu 31º aniversário, em 2050, é preciso seguir as diretrizes do Acordo de Paris e limitar o aquecimento a um nível bem abaixo de 2°C. Na avaliação dos autores, só isso pode garantir um futuro mais saudável para as próximas gerações.
Para o professor Saldiva, o relatório é importante porque destaca as consequências diretas para o ser humano, chamando maior atenção da sociedade e das lideranças políticas para a necessidade de políticas ambientais mais efetivas. “É possível divergir do ponto de vista político e econômico, mas existem poucos argumentos para se contrapor à saúde”, coloca.
Conforme ele explica, existe uma diferença entre Gases de Efeito Estufa (GEE), como metano e gás carbônico, e os chamados poluentes locais, como monóxido de carbono, fuligem, hidrocarbonetos e outros. Os GEE têm baixa toxicidade local, mas longa permanência na atmosfera, e por isso influenciam no aquecimento global. Já os poluentes locais têm curta permanência na atmosfera, mas causam efeitos diretos à saúde.
A questão central, aponta Saldiva, é que tanto os GEE quanto os poluentes locais têm a mesma origem de emissão. Um dos principais argumentos levantados para barrar a adoção de políticas que combatam as mudanças climáticas é o ônus financeiro que elas trazem, porém, quando estimados o custos dos problemas de saúde causados pela poluição, fica evidente que a economia também seria beneficiada por políticas favoráveis ao meio ambiente.
“Os benefícios da redução dos poluentes locais são imediatos e ao mesmo tempo combatem o aquecimento global. Ou seja, o que é mais sustentável também é mais saudável”, diz o professor.
Dentre as principais recomendações feitas no estudo estão o investimento em transporte público de baixa emissão de carbono, migração para fontes de energia sustentáveis e uso de biocombustível, recomposição das áreas verdes no espaço urbano e, sobretudo, o comprometimento com as metas firmadas no Acordo de Paris.
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