Mulheres indígenas protestam por seus direitos

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Um dos mais fortes símbolos da luta indígena feminina brasileira, Tuíre Kayapó, estampa no olhar um sorriso que se esconde embaixo da máscara e estende as mãos para um cumprimento afetuoso. Não deixa que sejam feitas perguntas sem antes destacar que se incomoda com jornalistas que deturpam suas palavras. Também não gosta que o que diz seja anotado, mas fala com generosidade em Mebêngôkre, da família linguística Jê, olhando de perto e diretamente nos olhos. O antropólogo João Lucas Moraes se dispõe a traduzir. De acordo com estudos do ISA (Instituto Socioambiental), a oratória é uma prática social valorizada por esse povo, que se considera como “aquele que fala bem, bonito (Kaben mei)”. 

A guerreira Kayapó é uma das 5 mil participantes de 185 povos que estiveram na 2ª Marcha das Mulheres Indígenas, de 7 a 11 de setembro, uma das mobilizações mais potentes que a capital federal já viu, constituída por falantes de mais de uma centena de línguas. Na sexta-feira (10), o grupo fez uma caminhada de 11 quilômetros na região central de Brasília, ampliando as reivindicações de outros dois acampamentos indígenas: Levante Pela Terra, que ocorreu em junho, e Luta Pela Vida, iniciado em agosto, ambos para acompanhar a tramitação de projetos de lei que ameaçam seus direitos no Congresso e o julgamento, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), do marco temporal, que afetará as demarcações de terras no país. Elas chamaram a atenção para temas que dizem respeito às mulheres. 

Tuíre ganhou notoriedade internacional em 1989, quando num encontro de povos do Xingu, em Altamira, no Pará, encostou o facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz, por ser contra a construção da hidrelétrica denominada Belo Monte. Hoje anciã, ela explica que o gesto foi para dizer “eu estou aqui e defendo a floresta”. A líder relata ao WWF-Brasil que, naquele momento, lembrou dos guerreiros na luta pela natureza, do avô materno que participou muito de sua criação, Betikre, e do avô paterno, Prïnkôre, de quem ouvia histórias da avó sobre suas lutas pela conservação das matas. Ela vive na Terra Indígena Las Casas, na comunidade Tekrejarôtire, no Pará, e diz que sua presença em Brasília é pela vida dos filhos, dos netos, das águas limpas. “A floresta é também dos animais. E é por tudo isso que continuamos agora lutando”, destaca. 

A mobilização da semana passada foi promovida pela Anmiga (Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) e foi focada no tema “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”, para chamamento à humanidade para uma nova forma possível de relacionamento com a Mãe Terra e entre as pessoas. “Essa é a única forma de mantermos nossos corpos vivos”, diz nota lançada pela instituição, com apoio da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). 

“Em todos os países do planeta, os impactos da crise climática e ambiental associados aos efeitos da maior pandemia da história geram montantes assombrosos de mortos e novas hordas de excluídos e flagelados. A fome, o desemprego, o racismo, a LGBTfobia e o machismo colocam milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema e esgotam os recursos para se protegerem”, diz ainda a nota. Segundo a Anmiga, esses são resultados de projetos exploratórios insustentáveis, que empurram todo o mundo para um ponto sem possibilidade de retorno, comprometendo a existência humana. 

“Queremos reflorestar não apenas a terra, mas as mentes e corações”, afirma Célia Xakriabá, do povo Xakriabá, de Minas Gerais. Durante o lançamento da plataforma Reflorestarmentes, que organiza conhecimentos e tecnologias ancestrais, ela citou a necessidade de “semear ações por justiça ambiental, territórios e corpos-territórios assassinados”; e disse que serão mapeados coletivos regionais, nacionais, internacionais e territoriais que tenham o mesmo objetivo, citando como exemplo os coletivos de comunicadores Mídia Índia e Mídia Ninja como “territórios virtuais” que colaboram para “romper a padronização da comunicação”.  

O acampamento feminino em Brasília teve a visita solidária de mulheres indígenas estrangeiras e de instituições como a Coica (sigla para Coordenadoria das Organizações da Bacia Amazônica em espanhol), da qual faz parte a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). “Os problemas no Brasil são os mesmos dos povos originários de todo o mundo”, afirmou Amalia Hernandez, do povo Lenka, de Honduras. Lineth Calapucha, do povo Kichwa, completou citando que no Equador são também as empresas petroleiras, mineradoras e madeireiras que representam ameaças de genocídio. “Temos costumes e formas de vida não compreendidos, mas nos empoderamos para que a luta continue”, ressalta. 

María Cuji, dirigente de A Mulher Kichwa, cita a marcha histórica realizada por mães e avós em 1992, que permaneceram em Quito durante um mês inteiro na luta por terras. Atualmente, o povo tem áreas escrituradas, mas as mulheres precisam se manter mobilizadas para a defesa contra invasores que desejam explorar recursos naturais. 

Os Kichwa da comunidade de Sarayaku realizaram, em 2018, uma cerimônia na capital equatoriana, declarando 135 mil hectares seu território como “selva vivente”, com o objetivo de que o governo o reconheça como “ser vivo” consciente de direitos, com novas medidas sustentáveis de conservação não apenas da floresta no sentido material, como incluindo seres do mundo animal, vegetal, mineral, espiritual e cósmico que se relacionam com os humanos.

Equipe eCycle

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