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A coleta e semeadura direta de sementes gera renda para moradores locais e colabora com a restauração ecológica em áreas degradadas

“Coletar e plantar sementes na quantidade de estrelas do céu”. A frase poética de Claudomiro Almeida Cortes, um dos fundadores da Associação Cerrado de Pé, da Chapada dos Veadeiros (GO), transmite o propósito de vida que o coletor de sementes vem multiplicando no bioma mais ameaçado pelo desmatamento no Brasil. Por meio da técnica de “muvuca de sementes” – que surgiu da língua quicongo, de origem bantu africana, em que “muvúka” significa “aglomeração ruidosa de pessoas” – um grupo de pessoas, unidas por um mesmo ideal, mistura sementes variadas para recuperar a vegetação nativa.

A associação reúne 159 famílias da região da Chapada dos Veadeiros e recebe apoio do Projeto Cerrado Resiliente (Ceres), executado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), por meio do Fundo PPP-ECOS, em parceria com o WWF-Brasil, WWF-Holanda e WWF-Paraguai, com recurso da União Europeia.

O trabalho de coleta de sementes promove inclusão social e gera renda à população local, além de contribuir com a restauração ambiental. Em 2023, foram coletadas 27 toneladas de sementes e, para 2024, “a meta é chegar a 30 toneladas”, afirma Claudomiro. As sementes são variadas: de árvores nativas mas, também, de capim (gramíneas), arbustos e ervas, estas últimas características da fitofisionomia cerratense.

O Cerrado

O Cerrado ocupa um quarto do território nacional, dos quais 50% encontram-se desmatados. Floresta invertida, com árvores de raízes profundas, armazena grandes estoques de carbono e capta água das chuvas que é armazenada nos lençóis freáticos. A água que brota do Cerrado chega à Amazônia, por meio de cerca de 3 mil nascentes, demonstrando a importância da conexão entre os biomas.

Apesar de toda essa relevância, o bioma vem sendo destruído num ritmo acelerado pela agropecuária intensiva, sobretudo na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Em 2023, o Cerrado perdeu 7.828 km2 de vegetação nativa, o que corresponde a um aumento de 43% em relação ao ano de 2022.

Segundo ecólogos, a restauração de áreas degradadas no Cerrado exige, além da reposição de árvores, o plantio de capim nativo. “Pelo estudo do ecossistema e a observação da paisagem, constatamos a importância de plantar herbáceas e gramíneas nativas que ajudam a reter a água no solo e a formar a caixa d’água do Brasil, junto com árvores e arbustos”, explica a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo.

Visita de Campo

A frase de Claudomiro, que abre o texto, deu o tom da visita de campo que o ISPN e o WWF promoveram para mostrar de perto à União Europeia (UE) as ações apoiadas pelo Projeto Ceres. Entre 23 e 24 de novembro de 2023, o chefe de cooperação UE-Brasil, Robert Steinlechner, e a assessora de cooperação, Ana Gutierrez, puderam acompanhar a semeadura direta de espécies nativas em 15 hectares de área degradada (ex-pasto) dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e ouvir relatos e experiências da comunidade envolvida com o trabalho ambiental. “Façam esse sonho perene, engajando as gerações futuras. Quero voltar daqui a 30 anos e ver o resultado”, disse Ana Gutierrez.

Na ocasião da visita, foi utilizada uma calcareadeira adaptada para espalhar as sementes no solo do antigo pasto de braquiária – espécie exótica de capim usada para alimentar o gado.

O ecólogo Alexandre Sampaio, do ICMBio, um dos fundadores do projeto pioneiro Restaura Cerrado, diz que “ainda estamos engatinhando” sobre a restauração do bioma. “Desenvolvemos esse método com o envolvimento das pessoas locais, que conhecem a dinâmica da natureza. Ao longo dos anos, montamos o processo, que está em construção. Aos poucos, a função da água vai sendo restabelecida”, conta ele.

O primeiro esforço de restauração foi em 2016, em parceria com a Associação Cerrado de Pé. Segundo ele, o desafio é enorme: restaurar 1,3 milhão de hectares só em Unidades de Conservação.

Renda e conservação

Para a presidente da Rede de Sementes do Cerrado, Camila Motta, além de mostrar como é feita a muvuca de sementes, a visita teve por objetivo apresentar também o potencial de geração de renda da atividade. “Aproveitamos a oportunidade para destacar iniciativas que contribuem não apenas para a conservação ambiental, mas também para desenvolvimento social e econômico das comunidades envolvidas”, destacou.

A Rede de Sementes do Cerrado comercializa 84 espécies nativas do Cerrado que podem ser utilizadas para a restauração ecológica, por meio da técnica da semeadura direta, ou para paisagismo e pesquisa. As sementes são coletadas pelos coletores da Associação Cerrado de Pé, que é composta por pequenos produtores rurais, assentados e quilombolas da região da Chapada dos Veadeiros.

A visita de campo foi organizada pelo ISPN e o WWF-Brasil, em parceria com a Rede de Sementes do Cerrado e a Cerrado de Pé. Também estavam presentes representantes do Serviço Florestal Brasileiro, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do ICMBio e da chefia do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, além de Seline Meijer, do WWF-Holanda.
 


Coletores de sementes: relatos

“É um trabalho que trouxe muitas conquistas, não só para a minha família, mas também para outras famílias da nossa comunidade Kalunga. Construí a casa própria, comprei fogão, armário e outras mobílias e, hoje, estou morando nela. É uma grande honra para mim estar fazendo esse trabalho”, diz Emiverton de Souza Fernandes, coletor de sementes e morador do povoado Kalunga do Vão do Moleque, no município de Cavalcante (GO). Emiverton era conhecido como Ni da Motosserra, antes de começar a trabalhar com sementes e conhecer o valor de conservar e recuperar a natureza.
 


A instrutora de coleta Adelice Faria Silva, integrante da comunidade quilombola Ema, conta que conseguiu mudar a vida e o pensamento com a nova atividade: “Hoje eu falo que tenho uma vitória, através da coleta de sementes nativas. Sou mãe de cinco filhos que criei praticamente sozinha, na roça. Depois que meus filhos cresceram e já estavam criados, consegui entrar na Associação Cerrado de Pé. Trabalhei, ralei, fui pro meio do Cerrado, colhi sementes e hoje eu tenho a minha casa. Quando entro dentro de casa, olho para cima e digo a mim mesma: eu consegui. E consegui isso tudo com sementes, algo que eu jamais imaginava. Hoje eu tenho outro pensamento: não pode estragar o Cerrado, mas antigamente eu não tinha essa ideia”, lembra ela.

Cooperativa do Paraíso: outra iniciativa de conservação e renda

No dia anterior à muvuca de sementes, a comitiva esteve na sede da Cooperfrutos do Paraíso, uma cooperativa com 200 famílias de oito municípios da região da Chapada dos Veadeiros, que fornece frutas, verduras e legumes para escolas locais, por meio dos programas federais de aquisição de alimentos (PAA e PNAE).

“A agroindústria facilita a vida das merendeiras, fornecendo os alimentos já higienizados, cortados e até pré-cozidos para as escolas. Como é que duas merendeiras vão fazer comida, todos os dias, para mais de 200 crianças?”, conta a nutricionista responsável pela alimentação escolar de Alto Paraíso de Goiás, Claudia Lulkin.

“Te felicito pela coragem e resiliência”, declara o chefe de cooperação UE-Brasil, Robert Steinlechner, a Cláudia. A Cooperfrutos do Paraíso pretende ser referência para outras 48 comunidades da Chapada que conservam os recursos naturais e têm neles os seus meios de vida. Em dois anos, a cooperativa comercializou R$1,2 milhão em alimentos, cultivados em sistema de agrofloresta ou quintal produtivo sem uso de venenos.

A região da Chapada dos Veadeiros tem sido ameaçada pelo uso intensivo de agrotóxicos nas monoculturas de soja e milho, que acabam contaminando os lençóis freáticos e as águas. Os agricultores, que produzem de forma ecológica e alimentam a comunidade com comida saudável, mantêm o Cerrado de pé e conseguem, assim, renda e qualidade de vida para viver no campo.

A cooperativa, que recebeu apoio do Projeto Ceres, por meio do Fundo PPP-ECOS do ISPN, para começar as atividades em uma escola local, agora está com o projeto pronto para a construção de uma pequena agroindústria.

O Projeto Ceres é executado pelo ISPN, WWF-Brasil, WWF-Holanda e WWF-Paraguai, com recurso da União Europeia. Apoia 34 projetos até junho deste ano. Entre os resultados preliminares, estão: 90 organizações apoiadas; 333 comunidades fortalecidas; 8.274 famílias apoiadas; 125 capacitações realizadas; 14 hectares com manejo ecológico do fogo; 344 hectares com manejo agroecológico; 23 hectares em restauração e 64.068 hectares de manejo sustentável, além de 11 agroindústrias fortalecidas.
 

Década da Restauração

Em 2021, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a década da Restauração dos Ecossistemas, para prevenir, interromper e reverter a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos. O objetivo final é ajudar a erradicar a pobreza, combater as mudanças climáticas e prevenir uma extinção em massa.

No Brasil, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), lançado em 2017 pelo governo federal, tem a meta de recuperar 12 milhões de hectares até 2030, sobretudo em Áreas de Proteção Permanente (APPs) e Reservas Legais, mas também em áreas degradadas com baixa aptidão agrícola. A meta brasileira faz parte do Desafio de Bonn que pretende restaurar 350 milhões de hectares no mundo até 2030.


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