Por Sarah Schmidt, da Pesquisa FAPESP | Se implantada, a exploração de 242 depósitos minerais na Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), que abrange partes de nove unidades de conservação federais e estaduais na divisa dos estados do Pará e do Amapá, implicará o desmatamento de 183 quilômetros quadrados (km²) de floresta amazônica para a instalação das minas. Outros 7.600 km², uma área equivalente à de sete cidades do tamanho de Belém, seriam desmatados com a construção de 1.463 km de estradas para chegar até elas. Por meio de análises da história da ocupação de terras no norte da Amazônia, pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e de Queensland, na Austrália, concluíram que a perda de vegetação nativa decorrente da construção de estradas associadas às minas pode ser de 40 a 60 vezes maior que o causado pelas próprias minas. A avaliação dos impactos ambientais provocados pela mineração, portanto, deveria ser ampliada e incluir a análise de danos resultantes da infraestrutura necessária para seu funcionamento.
“Os impactos indiretos, que se acumulam no tempo, não costumam ser avaliados nos licenciamentos e nos processos de abertura de novas minas”, observa a engenheira ambiental Juliana Siqueira-Gay, gerente de projetos do Instituto Escolhas e autora principal do estudo com esses resultados publicado em julho na revista científica Nature Sustainability. “A abertura de novas estradas para atender as minas na Amazônia pode ainda favorecer o avanço ilegal do garimpo, da extração de madeira e da grilagem, além de urbanização descontrolada.” Ela percorreu a região da Renca em 2019 como parte de seu doutorado, concluído em julho de 2021 na Escola Politécnica da USP.
A região sofre pressões para que seja aberta para a mineração. Em agosto de 2017, o Decreto nº 9.147 extinguiu a reserva, o que facilitaria a pesquisa e a exploração mineral na região, mas a pressão social motivou sua revogação um mês depois. “Por ser um decreto, pode ser suspenso novamente a qualquer momento”, observa o engenheiro de minas e geógrafo Luis Enrique Sánchez, da USP, um dos autores do artigo e orientador do doutorado de Siqueira-Gay. “Os governos federal e estadual precisam analisar os projetos das estradas, as linhas de transmissão de eletricidade, enfim toda a infraestrutura antes de suspender ou aprovar projetos dessa natureza”, reforça o pesquisador.
Vira e mexe o tema volta à tona: em 2019, o senador Lucas Barreto (AP) pediu em plenário a reedição do decreto que acabaria com a Renca. Na Câmara dos Deputados, está em tramitação o Projeto de Lei n° 191/2020, que pretende autorizar a mineração e outras atividades extrativistas em terras indígenas, e no Senado corre o Projeto de Resolução n° 14/2022, com o objetivo de criar uma frente parlamentar de apoio à mineração na Amazônia Legal.
Na Amazônia, a exploração mineral pode modificar a floresta em um raio de até 70 km ao redor das minas, de acordo com um estudo de 2017 na Nature Communications, liderado pela ecóloga Laura Sonter, da Universidade de Queensland, que coorientou a pesquisa de Siqueira-Gay e também assina o artigo deste ano.
Em outros países, o impacto de atividades econômicas semelhantes é bem menor. De acordo com um estudo publicado em julho de 2021 na revista Conservation Science and Practice, uma estrada recém-aprovada de 88 km que cortará a floresta de Harapan, na ilha de Sumatra, na Indonésia, para escoar a produção de carvão de uma mina deve causar uma perda de 30 a 40 km² de matas.
Para avaliar os danos ambientais diretos e indiretos da mineração, Siqueira-Gay examinou as transformações causadas pela exploração mineral nas proximidades da Renca, como em Pedra Branca do Amapari e na serra do Navio, ambas no Amapá, de 2004 a 2014. “Todos os cenários que elaboramos com base nesse histórico de ocupação territorial são ruins, já que o desmatamento avança por áreas de alta importância biológica”, diz ela.
A engenheira e seus colegas elaboraram cinco cenários para prever o impacto ambiental nos próximos 30 anos, com base na maior ou menor abertura de áreas florestais protegidas para mineração. Um deles prevê a exploração de 170 depósitos minerais em unidades de conservação de uso sustentável, que implicaria uma perda de vegetação nativa de 131 km²; as estradas entre elas causariam um desmatamento de 5.900 km². Em outro cenário, haveria 4.254 km² de desmatamento indireto, 60 vezes mais que o direto, com a liberação da mineração em consequência da exploração de apenas oito depósitos minerais das terras indígenas da região da Renca.
Ao ser aberta no meio da floresta, uma estrada cria vários problemas. Um deles é que, ao cortar a mata, a rodovia a separa em duas áreas, com consequências para a biodiversidade. “O isolamento de populações de plantas e animais em uma porção da floresta aumenta a vulnerabilidade dessas espécie e pode contribuir para a extinção local de algumas espécies”, observa o ecólogo Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, coautor do estudo. “Além disso, a maior exposição das bordas dos fragmentos florestais ao sol e ao vento e às perturbações causadas pela ação humana podem mudar o microclima e o comportamento dos animais no interior da mata.”
Para Metzger, a alternativa ambientalmente menos prejudicial seria abrir minas próximas das já instaladas na região, que não precisariam de novas estradas, e distantes das áreas de maior riqueza biológica, os chamados hotspots. “É importante também, quando necessário, proibir a construção nas margens das estradas e limitar o horário e a velocidade dos veículos que passam por elas”, sugere.
Assim como Metzger, o geógrafo Carlos Souza Jr., do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que não participou do estudo, considera a mineração legal relevante para o país, mas sua expansão precisa ser planejada. “Mesmo no cenário mais pessimista projetado nesse levantamento, os impactos devem estar subestimados, porque, para cada nova estrada aberta de forma legal, surgem várias não oficiais, usadas para fins ilegais. E essas novas estradas abrem novas frentes de desmatamento, além do alcance das estradas planejadas”, observa. Um estudo de que ele participou, publicado em julho na revista Remote Sensing, identificou 3 milhões de quilômetros de estradas não oficiais, de um total de 3,46 milhões que cortavam 40% das áreas com vegetação nativa na Amazônia Legal em 2020.
Os pesquisadores da USP consideram importante a elaboração de um planejamento que leve em conta os efeitos regionais – e não apenas locais – da mineração e valorize áreas de vegetação nativa que serão permanentemente protegidas, sem possibilidade de flexibilização.
“A avaliação de impactos regionais já vem sendo discutida no setor de mineração”, afirma a gerente de sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Cláudia Salles. Segundo ela, eventuais mudanças dependem da “adesão de todos os atores, especialmente do setor público”. Consultados sobre as conclusões do estudo, os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) não responderam até a conclusão desta reportagem.
Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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