Transformar os sistemas alimentares será uma peça muito importante na estratégia para acabar com a fome e todas as formas de má nutrição na América Latina e no Caribe, destacaram a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no início de setembro.
Ambas as agências convocaram autoridades de governos das Américas e especialistas internacionais a compartilhar, em um seminário em El Salvador, políticas públicas e experiências exitosas que permitam a criação de sistemas alimentares capazes de contribuir para a saúde da população.
Nas últimas décadas, segundo a FAO e a Opas, os sistemas alimentares da região – o conjunto de atores e regras que determinam como se produzem, comercializam, distribuem, processam e consomem os alimentos, desde o cultivo até a mesa das pessoas – têm passado por uma profunda mudança.
“Temos vivido um processo radical e veloz: o que a Europa fez em 150 anos, fizemos em 30”, afirmou Julio Berdegué, representante regional da FAO. Mudanças econômicas, demográficas, tecnológicas e culturais têm exercido um profundo impacto tanto nos alimentos consumidos pela população como na forma que eles são produzidos, transformados, comercializados, distribuídos e consumidos.
Esta alteração transformou a região em uma ‘potência alimentar’ e já demonstrou vários efeitos positivos em termos de bem-estar da população, redução da pobreza em muitos países e oportunidades de empregos para milhões de mulheres.
No entanto, há também efeitos negativos. A América Latina registra um varejo de produtos ultraprocessados de 129 quilos per capita a cada ano, bem como um aumento relevante no consumo de alimentos ultraprocessados ou com alta quantidade de açúcar, sal e gordura – fatores que explicam um aumento considerável da obesidade na maioria dos países da região.
“O problema é que essa mudança tem acontecido sem políticas públicas suficientes e eficazes, obedecendo apenas as regras do mercado. Hoje, temos que re-governar nossos sistemas alimentares para garantir uma melhora na saúde da população”, explicou o representante.
Carlos Garzón, representante da Opas em El Salvador, enfatizou a necessidade de “estabelecer políticas fiscais, regular a publicidade de alimentos dirigida a crianças e a rotulagem frontal de advertência nutricional que permita à população escolher conscientemente o que come”.
Antes do seminário regional, foram realizadas consultas nacionais em 12 países da região, que selecionaram suas melhores experiências para apresentação à comunidade internacional.
“O calcanhar de Aquiles da segurança alimentar é o acesso aos alimentos. Não é que não haja alimentos suficientes, mas muitas pessoas não têm recursos para adquiri-los”, pontuou Berdegué.
Em muitos países da região é mais barato comer mal que ter uma alimentação saudável – um aspecto que afeta sobretudo os mais pobres, que gastam grande parte de sua renda em comida. Os produtos ultraprocessados são geralmente mais baratos que os alimentos frescos e nutritivos.
Isso se soma ao fato de que, nos últimos anos, a redução da pobreza estagnou na região, de modo que setores da população que vivem em pobreza ou vulnerabilidade social enfrentam mais pressões que põem em risco sua segurança alimentar.
De acordo com a FAO e a Opas, a transformação dos sistemas alimentares para torná-los sustentáveis, justos, inclusivos e sensíveis à má nutrição requer a participação de todos.
Os dirigentes políticos e os formuladores de políticas públicas têm uma responsabilidade especial, mas as empresas privadas do setor agroalimentar também ocupam um papel central, dado que suas decisões determinam fundamentalmente a forma e o funcionamento dos sistemas alimentares.
Por isso, ambas as organizações chamaram empresas agroalimentares a se comprometer a ser parte da solução à má nutrição que afeta um número crescente de latino-americanos e caribenhos.
Por meio de suas organizações, os consumidores têm desempenhado e devem seguir desempenhando um papel ativo na denúncia de distorções dos sistemas alimentares e na promoção de estratégias e políticas para corrigi-las. Os agricultores, por sua vez, têm a tarefa de produzir alimentos cada vez mais saudáveis e seguros.
As estratégias para a construção de sistemas alimentares saudáveis devem ser integrais e incluir ações para incorporar uma visão de saúde e nutrição em todas as cadeias dos sistemas alimentares.
Esse enfoque deve informar a produção e o comércio nacional e internacional de alimentos, a logística e o processamento industrial de matérias primas alimentares, o comércio atacadista e varejista e o consumo ao nível do cidadão, que pode ser melhorado por meio de regulações sobre a promoção e venda de alimentos não saudáveis.
Da mesma forma, são necessárias políticas sociais que assegurem a todas as famílias em condição de pobreza ou vulnerabilidade o acesso, de maneira regular e cotidiana, o acesso a uma cesta de alimentos saudáveis.
Muitas dessas políticas deverão dar atenção especial a certos grupos sociais cujos indicadores de má nutrição são piores do que a média da população, incluindo os povos indígenas, as crianças e as mulheres.
A FAO e a Opas instaram os países a melhorar seus sistemas de monitoramento e pesquisa sobre a relação entre sistemas alimentares e má nutrição, para ter, dessa forma, um registro cada dia mais preciso que permita investimentos com um bom custo-benefício, bem focalizadas e que verdadeiramente resolvam o problema.
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