Por Tabita Said em Jornal da USP – Motivados pela ideia de que é possível e necessário ensinar práticas sustentáveis na Universidade, os professores Thais Mauad e Antonio Mauro Saraiva decidiram implementar uma horta comunitária na Cidade Universitária, no bairro do Butantã. Seria uma multiplicação do trabalho realizado na horta que resiste há nove anos na Faculdade de Medicina (FM) da USP, onde Thais atua. “Mas a ideia original se desdobrou em seis ou sete outras práticas”, conta Saraiva, mostrando o espaço que já conta com cerca de 80 metros quadrados de canteiros produzindo flores, frutas, ervas, legumes e verduras. A ideia deu origem ao USP Sustentabilidade – Programa de Práticas Integradas de Sustentabilidade da USP.
Apoiado pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) e pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP, o projeto se alinha com a década de 2021-2030, declarada pela ONU como a Década da Restauração dos Ecossistemas. A intenção é combater a crise climática e melhorar a segurança alimentar, o fornecimento de água e a proteção da biodiversidade.
De acordo com Thais, um levantamento do Instituto Escolhas identificou terrenos ociosos na região de Sapopemba que, sozinhos, poderiam alimentar 80 mil pessoas, se fossem ocupados pela agricultura urbana. “Já estamos vivendo as consequências das mudanças climáticas, a tendência é tudo piorar. Se a gente não mudar o jeito de fazer as coisas, o jeito que a gente tem energia, o jeito como a gente cuida da água e como a gente lida com a nossa própria comida, não vamos dar conta de nos adaptar e mitigar o que vem pela frente”, diz.
Localizado em uma área conhecida pela comunidade uspiana como Núcleo de Recreação Infantil (Nuri), o atual Espaço Multiuso foi inaugurado em 1989 já com a vocação de “uso interdisciplinar” pelo físico e então reitor da USP, José Goldemberg. A proposta do USP Sustentabilidade é resgatar este sentido ao local e torná-lo um laboratório “aberto, prático, de experiências que envolvam cultivo sustentável, explorando a biodiversidade alimentar e que abordem práticas para uma alimentação saudável”. Enquanto explicava as intenções do projeto, o professor Saraiva foi chamado por um grupo de cerca de dez pessoas, que frequenta o espaço todas as quintas-feiras para o mutirão de manutenção da horta. “O senhor está falando, mas ainda não o vi pegar na enxada”, diz uma das voluntárias.
Os bloquinhos que delimitam os canteiros foram doados por uma fábrica de concreto e o primeiro plantio foi feito com adubo de minhocário e com mudas oriundas da horta da Faculdade de Medicina e do Instituto Kairós, um dos primeiros parceiros do projeto. As parcerias representam uma forma de fortalecer o grupo e manter recursos e habilidades locais. Paula Lopes, a Popó do Kairós, observa que tudo o que fizeram até agora teve como objetivo dar força para a terra. “Trazer bichinhos: borboleta, minhoca, tatu-bola, abelha, joaninha… então ela está bem diversa de espécies”, diz. O trabalho começou em dezembro e, embora o foco ainda não seja a produção de alimentos, a terra já respondeu aos cuidados com muita fartura. “Colhemos couve, rabanete, manjericão. Daqui a pouco, mais um mês, já tem colheita de cúrcuma. E daqui a dois meses, provavelmente, vamos colher batata-doce.”
Ao redor das hortaliças, figuram na paisagem pequenas caixas de madeira abrigando abelhas sem ferrão. O meliponário é discreto, mas tem a grandiosa intenção de incentivar a criação de polinizadores nativos e o cultivo de plantas que lhes sirvam de alimento. Antes mesmo de passar o portão de entrada, também é possível notar novas soluções de escoamento de água. O jardim de chuva instalado na calçada pela Prefeitura do Campus, outra parceira do projeto, possibilita que o escoamento superficial da rua entre no jardim, infiltre e somente o excedente saia para a boca-de-lobo.
Em parceria com o Parque de Ciência e Tecnologia da USP, o Cientec, outra proposta do projeto é visitar escolas, levando conhecimentos sobre compostagem. Para isso, também deverão instalar composteiras próximas à horta, assim como um sistema de captação de água da chuva. “Há muito recurso natural ali para ser aproveitado. O que tem de resto de poda, que serve para proteger o solo… muita água cai daquele estádio e a gente tem que aproveitar”, diz Thais sobre a arquibancada do estádio do Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp) que fica ao lado da horta.
O local também ostenta a primeira piscina construída na Cidade Universitária e que, agora, dá lugar às primeiras abóboras da horta. “Aqui havia uma terra compactada, ruim. Retiramos, fizemos alguns testes e já está produzindo”, aponta Márcia Mauro, engenheira agrônoma do Cepeusp e uma das voluntárias do projeto. “As pessoas têm medo, acham que têm que fazer um curso. A ideia é mostrar que é possível ter uma horta em qualquer lugar. Perdemos essa noção, esse conhecimento”, diz.
Com o retorno das aulas presenciais em 14 de março, Thais e Saraiva pretendem estimular professores a proporem projetos que utilizem o espaço, bem como atrair estudantes que se apropriem e ajudem a cuidar do local. A ideia é ceder canteiros para grupos de estudantes que se responsabilizem pelo cultivo e manutenção. Estudantes do curso de Farmácia da USP estão mantendo sua “farmácia viva”, conta Thais, cuidando de dois canteiros com ervas de interesse medicinal.
Cada incremento instalado no local corresponde a um avanço no projeto. O USP Sustentabilidade quer, ainda, explorar o uso e a geração de energia limpa e recursos de bioconstrução. Equipado e articulando outras iniciativas da USP, o espaço pode ser utilizado como uma sala de aula a céu aberto para ministração de cursos a estudantes, pesquisadores e interessados. Por exemplo, o curso Meliponicultura e Ciência Cidadã, que já foi oferecido duas vezes de forma remota, com aproximadamente 2.900 inscritos.
“Estamos ampliando, pouco a pouco, nosso pequeno parque de visitação e práticas sustentáveis aberto a todos”, conta orgulhoso o professor Saraiva. De acordo com ele, o projeto terá uma agenda de programação com calendário de atividades. Uma destas atividades pode ser o Festival de Agricultura Urbana, organizado pela União de Hortas Comunitárias de São Paulo. A primeira reunião do grupo desde o início da pandemia foi realizada na USP. “Estou sugerindo que façam eventos lá. Chamar agricultores para fazer uma feira orgânica, enfim, as possibilidades de uso daquele espaço são infinitas”, sugere Thais.
Saiba mais no e-mail uspsustentabilidade@usp.br com Thais Mauad e Antonio Mauro Saraiva.
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