O agravante, é que, mesmo diante da tragédia, os poderosos não se envergonham em desafiar ainda mais o meio ambiente
O aumento vertiginoso do dióxido de carbono na atmosfera global acaba de atingir um marco sem precedentes na ebulição global. De acordo com dados divulgados pelo Observatório Mauna Loa da NOAA, em março de 2024, a quantidade de CO2 atmosférico bateu um novo recorde.
Esse aumento foi impulsionado, afirmam os cientistas, pelo fenômeno climático periódico El Niño, agora em declínio, e pelas emissões contínuas e crescentes de gases de efeito estufa resultantes da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento.
As leituras globais de CO2 são obtidas a partir de uma estação localizada no vulcão Mauna Loa, no Havaí, desde 1958, quando as medições começaram sob a liderança do pai de Keeling, Charles. Desde então, as concentrações de CO2 aumentam anualmente, à medida que o gás de efeito estufa continua a se acumular devido às emissões desenfreadas de usinas de energia, veículos automotores e outras fontes. No ano passado, as emissões anuais atingiram um novo recorde global.
Em junho, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica anunciou que a concentração global de CO2 havia atingido 421 ppm, um aumento de 50% em relação aos níveis pré-industriais e o mais alto em milhões de anos. A última leitura em Mauna Loa mostra cerca de 426 ppm de CO2 para o mundo.
Antes do início da era em que os humanos passaram a liberar volumes significativos de dióxido de carbono na atmosfera através da queima de combustíveis fósseis, os níveis de CO2 estavam em torno de 280 ppm durante quase 6.000 anos de civilização humana.
O rápido aumento do gás de efeito estufa ameaça o mundo com um colapso climático desastroso, caracterizado por ondas de calor intensas, inundações, secas e incêndios florestais. Estudos recentes sugerem que os níveis de CO2 foram tão elevados há cerca de 14 milhões de anos, resultando em um clima radicalmente diferente do atual.
O último recorde anual de aumento de CO2 ocorreu em 2016, durante outro evento El Niño, que temporariamente eleva as temperaturas globais. Embora seja provável que ocorra um aumento anual mais normal de cerca de 2-3 ppm após o fim deste último El Niño, isso não deve ser motivo de conforto, alerta Keeling, em entrevista ao jornal The Guardian.
De acordo com o Guardian, quase 80% dos entrevistados, todos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), prevêem pelo menos 2,5°C de aquecimento global, enquanto quase metade prevê pelo menos 3°C. Muitos dos cientistas prevêem um futuro com fome, conflitos e migrações em massa, impulsionados por ondas de calor, incêndios florestais, inundações e tempestades com uma intensidade e frequência muito superiores às que já ocorreram.
Esta não é uma mera questão de alarmismo; os cientistas estão apenas cumprindo seu papel ao nos alertar sobre a gravidade da situação. Agora, cabe a nós decidir como responder a este momento crítico e mudar drasticamente nossa trajetória.
O Brasil, um país conhecido por sua biodiversidade, precisa ser o exemplo para o mundo. Tragédias climáticas, com a presenciada no Rio Grande do Sul nos últimos dias, não são eventos aleatórios; eles são o resultado direto da exploração desenfreada dos recursos naturais em busca de lucro, muitas vezes à custa da saúde das comunidades e do ecossistema.
Esses incidentes estão profundamente enraizados na ideologia do progresso econômico a qualquer custo, que muitas vezes negligencia os impactos de longo prazo no meio ambiente e nos direitos das pessoas afetadas. Essa ideologia nos faz acreditar que o sistema econômico vigente é produtivo, quando, na verdade, é destrutivo.
O agravante, é que, mesmo diante da tragédia, os poderosos não se envergonham em desafiar ainda mais o meio ambiente. Enquanto os olhos do país se voltam para as cenas de enchentes no Rio Grande do Sul, dentro das paredes do Congresso Nacional, acontece uma decisão perversa para beneficiar a indústria agropecuária, uma das principais emissoras de gases-estufa. Na tarde desta quinta-feira (09/05), deputados e senadores se reuniram para derrubar oito dos 17 vetos presidenciais à Lei nº 14.785/2023, mais conhecida como “Pacote do Veneno”.
Essa decisão do Congresso Nacional é um passo irresponsável, transferindo completamente as responsabilidades de registro e fiscalização de agrotóxicos para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), excluindo órgãos fundamentais como o Ibama e a Anvisa. E está na contramão do que os cientistas climáticos tem alertado como melhores tomadas de decisão.
Essa mudança representa uma séria ameaça à saúde pública e ao meio ambiente, ao retirar o rigor técnico desses órgãos especializados na avaliação dos impactos ambientais e de saúde. O Brasil, já infelizmente reconhecido como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, corre o risco de amplificar ainda mais esse triste título com as consequências dessa flexibilização.