Não haverá futuro sem os conhecimentos dos povos indígenas

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Por Lays Ushirobira em IPAM Amazônia — Em meio à paralisação da demarcação de terras indígenas, o número de ações civis públicas do Ministério Público Federal (MPF) para que dê andamento aos processos saltou de 5 em 2020 para 24 em 2021, um aumento anual de 380%, de acordo com apurações da reportagem do UOL publicada nesta terça (03/05). E não é à toa: num momento tão crítico para o país, é impossível falar de futuro sem pensar na proteção das comunidades indígenas.

“Nossa luta é para garantir não apenas as vidas indígenas, mas da humanidade e do planeta. Vamos continuar lutando por nós e pelas futuras gerações”, disse Erisvan Guajajara, jornalista e fundador do Mídia Índia, em participação no seminário Fruturos, organizado pelo Museu do Amanhã com apoio do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e outras organizações, nos dias 28 e 29/04. O evento fez parte do programa da exposição que leva o mesmo nome e reúne, entre outras obras, as fotografias vencedoras da primeira edição do concurso Amazoniar – Amazônia pelo Planeta, realizado pelo IPAM em 2021.

Confira o vídeo especial do Amazoniar para o painel Amazônia Milenar, do Seminário Fruturos:

Redescobrindo o Brasil

Embora esteja no centro das atenções do mundo, o território amazônico vem testemunhando retrocessos na pauta socioambiental a cada ano. “A Amazônia é vista pelo mundo por um olhar satélite: de longe e por cima. Isso faz com que as pessoas não consigam entender a dor das comunidades tradicionais da região [diante da destruição da floresta e de seus direitos]”, afirmou Vanda Witoto, líder índigena e coordenadora dos estudantes indígenas do estado do Amazonas, que também participou do painel de discussão. Para ela, é preciso olhar a Amazônia a partir da existência das comunidades indígenas que vivem ali, “porque são elas quem vêm garantindo a existência da floresta, dos rios e do equilíbrio do nosso planeta há milênios”.

É justamente para mostrar o protagonismo dos povos indígenas na luta por justiça climática e contar a história a partir de suas perspectivas que surgiu o coletivo Mídia Índia. “Muitos dos nossos antepassados foram brutalmente assassinados e varridos da história, e hoje temos a chance de contar a nossa versão. Antes do Brasil da Coroa, existia o Brasil do Cocar”, destacou Guajajara, citando a líder indígena Célia Xakriabá. “Usamos a comunicação como uma ferramenta de luta para contar as histórias que grandes veículos não conseguem mostrar”, disse.

Conexão dos saberes científicos e dos conhecimentos tradicionais

Aliar os conhecimentos dos povos indígenas com os saberes científicos também vem abrindo portas para pensar num futuro sustentável. Sineia do Vale, líder indígena da etnia Wapichana e coordenadora do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do CIR (Conselho Indígena de Roraima), contou durante o debate que sua organização trabalha o tema de mudanças climáticas de forma holística, “sempre ligando a parte de pesquisa e tecnologia”.

“Para isso, formamos agentes territoriais e ambientais a cada ano. Atualmente são mais de 240. Eles são nossos cientistas, que nos dão subsídio de como as mudanças têm impactado as terras indígenas”, explicou. Ela contou que o grupo foi responsável pelo desenvolvimento do primeiro plano do CIR de enfrentamento às mudanças climáticas, que foi lançado em 2012 como resultado de um trabalho de 30 anos observando as mudanças sociais e culturais dos povos indígenas da região. “Foi feito pelos povos indígenas da Serra da Lua, que é minha região, e foi um trabalho muito significativo que ficou de referência no Ministério do Meio Ambiente”, destacou.

Agora o CIR está desenvolvendo um plano de enfrentamento às mudanças climáticas da terra indígena Raposa Serra do Sol, para garantir que as sementes plantadas ali sejam resistentes e que a comunidade possa continuar se alimentando. “Foi uma terra emblemática na conquista e demarcação dos territórios. Muitas lideranças ficaram pelo caminho, mas deixaram um legado para que essa terra fosse demarcada e tem uma riqueza enorme em sementes resistentes”, contou. “Um dos exemplos de resistência das comunidades indígenas são os bancos de sementes vivas, que serão importantes para o futuro dessas pessoas, como constatamos em nossos estudos.”

Seminário Fruturos – Amazônia do Amanhã

A programação do seminário realizado pelo Museu do Amanhã contou com quatro painéis de discussões, seguindo as áreas narrativas da exposição Fruturos: Amazônia Milenar, Amazônia Secular, Amazônia Acelerada e Amazônias Possíveis. Este é o primeiro texto produzido pela equipe do Amazoniar – iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a floresta amazônica e sua influência nas relações entre o Brasil e o mundo – como cobertura do seminário. Nos próximos dias, o IPAM publicará a cobertura dos demais painéis. Assine a nossa newsletter para acompanhar as novidades!

Este texto foi originalmente publicado por IPAM Amazônia de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não representa necessariamente a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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