Ao longo das últimas semanas, negociadores se reuniram, em formato online, para as Sessões dos Órgãos Subsidiários da ONU Mudanças Climáticas, a fim de avançar em alguns detalhes referentes ao Acordo de Paris. É crucial resolver esses detalhes se o mundo deseja cumprir as metas do acordo e prevenir os efeitos mais perigosos das mudanças climáticas.
De modo geral, porém, apesar de discussões substanciais, o progresso obtido foi desigual e limitado nos pontos mais críticos. Os países agora terão muito trabalho para chegar a um acordo na COP26 em Glasgow, em novembro.
Os negociadores não se encontravam pessoalmente desde a COP25 em Madri, em dezembro de 2019, e a realização das reuniões em formato virtual foi inédita nos processos da ONU para mudanças climáticas. Apesar dos significativos esforços para fazer as sessões acontecerem, houve desafios inevitáveis – incluindo conexões de internet instáveis, áudio ruim, fusos horários difíceis de conciliar e a dificuldade dos grupos de se coordenarem entre os diferentes fusos para compilar insights em tempo hábil.
No entanto, essas dificuldades logísticas são pequenas quando comparamos às divergências entre países, reforçadas por um contexto político complexo e pela falta das conversas informais de corredor, o que dificultou a aproximação dos participantes entre si.
Importante ressaltar que as negociações aconteceram no contexto da Cúpula dos Líderes do G7. Embora as lideranças do G7 tenham concordado em atingir a meta 1,5°C definida em Paris, não foram capazes de estabelecer de maneira adequada as etapas específicas e concretas para aumentar o financiamento climático, assim como não conseguiram esclarecer o posicionamento diante dos pedidos dos países em desenvolvimento por maior apoio com vacinas.
Em meio a uma recuperação desigual da pandemia de Covid-19, com os países mais vulneráveis enfrentando endividamento, os sinais de solidariedade por parte de alguns países desenvolvidos – como as promessas feitas por Alemanha e Canadá de aumentarem sua oferta de financiamento climático, incluindo em adaptação – chegaram tarde e não foram capazes de mudar o contexto internacional de forma mais ampla para os negociadores.
Nas negociações da ONU sobre mudanças climáticas, os países em desenvolvimento lamentaram a falta de equilíbrio entre os temas em discussão. Embora as negociações tenham abordado algumas questões-chave do Livro de Regras de Paris, muitos tópicos prioritários, como o cumprimento do objetivo de US$ 100 bilhões para o financiamento climático, uma nova meta de financiamento para o período pós-2025 e a meta global de adaptação e perdas e danos, não entraram na agenda por falta de qualquer acordo prévio sobre essas questões pelos Órgãos Subsidiários.
Em paralelo, apesar dos pedidos dos presidentes dos Órgãos Subsidiários para que fosse mantida uma abordagem de discussão aberta, inclusiva e transparente, a China insistiu em fechar para organizações que participavam como ouvintes – sociedade civil, setor privado e organizações internacionais – muitas sessões sobre estruturas de transparência. Embora os países possam em algumas ocasiões fechar as sessões para ouvintes quando negociam o texto final, a transparência foi o único tópico fechado desde o início do processo, prejudicando a confiança e o caráter inclusivo dos processos de negociação.
Apesar de trocas aprofundadas, os avanços, de modo geral, foram limitados. A seguir estão três aprendizados das discussões:
Os países continuaram a deliberar sobre elementos de destaque do Livro de Regras do Acordo de Paris. As negociações sobre fortalecer as estruturas de transparência foram retomadas a partir de onde haviam parado na COP25, quando os países debateram sobre a melhor forma de relatar e facilitar a revisão das tendências de emissões de gases de efeito estufa, sobre como mensurar o progresso das contribuições nacionalmente determinadas (NDCS) e como disponibilizar informações sobre o apoio adequado em termos de financiamento, tecnologia e capacitação. Embora diversas propostas de tabelas padronizadas tenham surgido da discussão, os avanços não foram longe o suficiente, e ainda há muito trabalho para finalizar as orientações em Glasgow.
Em um impasse desde a COP24, os países continuam as discussões sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, referente aos mercados de carbono e cooperação fora do mercado. No entanto, não houve avanços claros, e vários pontos de discórdia permanecem em aberto.
Entre esses pontos estão questões como evitar a dupla contagem das emissões e garantir que o uso de mecanismos de mercado se traduza em ambição adicional; gerar uma receita previsível para adaptação climática a partir de taxas estabelecidas por meio de mecanismos de mercado; fazer a transição dos mecanismos de mercado do Protocolo de Quioto sem prejudicar a credibilidade do novo regime; e criar as garantias certas para proteger os direitos humanos durante a implementação de projetos que geram créditos de carbono.
Os países também debateram o estabelecimento de prazos comuns, o que alinharia as datas das metas e os períodos de implementação de futuras NDCs. Embora todos os países estejam ansiosos por chegar a uma decisão até a COP26 – em contraste com a falta de urgência vista na COP25 em Madri –, não conseguiram agilizar e consolidar uma série de propostas. Como sugerido por alguns países, talvez seja hora de levar a questão ao nível ministerial depois de esgotar as considerações técnicas no âmbito das negociações, que estão em andamento há cinco anos.
De forma mais positiva, as Partes compartilharam suas visões sobre como se preparar para o primeiro ciclo do balanço global (global stocktake), que começa a vigorar na COP26. Em geral, houve amplo consenso de que a contribuição de atores não estatais para o balanço global é essencial para seu sucesso e que as fontes envolvidas na fase de coleta de informações devem ser as mais abrangentes possíveis. As consultas com as Partes e outros atores interessados continuarão na preparação para Glasgow, e os atores foram incentivados a fornecer apresentações detalhadas aos presidentes dos Órgãos Subsidiários da ONU sobre a questão das contribuições.
Embora alguns países em desenvolvimento tenham lamentado a falta de oportunidades de negociação a respeito da meta não cumprida dos US$ 100 bilhões prometidos pelos países desenvolvidos, assim como a nova meta de financiamento que deve ser estabelecida antes de 2025 para entrar em vigor naquele ano, aconteceram diversos debates sobre financiamento climático e apoio aos países em desenvolvimento.
Os negociadores discutiram o apoio financeiro e técnico que os países em desenvolvimento recebem para os processos de medir, reportar e verificar (MRV). Também debateram a quarta revisão do Fundo de Adaptação e entraram em consenso sobre como partir de termos de referência anteriores para conduzir essa revisão.
No entanto, permanecem em aberto pontos relevantes sobre como o Fundo deve atender ao Acordo de Paris e ao Protocolo de Quioto, assim como questões relacionadas à governança do Fundo. Os avanços no apoio financeiro para MRV e na revisão do Fundo de Adaptação foram registrados em notas informais preparadas pelos cofacilitadores.
Delegados e ouvintes também participaram de eventos obrigatórios sobre financiamento climático. O workshop inicial bianual sobre o Artigo 9.5 do Acordo de Paris considerou a primeira rodada de comunicações financeiras apresentadas pelos países desenvolvidos. Os participantes discutiram a importância de aumentar a previsibilidade de financiamento climático no futuro e maneiras de preencher as lacunas de informação.
No workshop sobre Financiamento Climático de Longo Prazo, os participantes trocaram ideias sobre lições aprendidas a partir da mobilização e oferta de financiamento climático ao longo da última década, maneiras de atender as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento e opções para ampliar o financiamento para adaptação. A maioria dos países enfatizou a necessidade urgente de ampliar o financiamento climático para implementar o Acordo de Paris e cumprir, de forma confiável, a meta dos US$ 100 bilhões anuais.
Os países em desenvolvimento ressaltaram as barreiras que persistem para o acesso ao financiamento climático, preocupações com o aumento de empréstimos que contribuem para o endividamento e a necessidade de uma definição consensual para o financiamento climático. Também reiteraram o pedido para que esse tópico seja mantido na agenda da COP para o período pós 2020.
Glasgow terá uma agenda de financiamento climática mais ampla do que a que foi tratada nas últimas semanas. Nos próximos meses, as presidências atual e futura da COP – Chile e Reino Unido – precisam considerar a melhor forma de preparar o trabalho técnico para embasar o processo e continuar a mobilizar a liderança política necessária para obter avanços nas questões financeiras.
Além disso, durante as sessões virtuais, os países começaram a revisão dos progressos em capacitação para os países em desenvolvimento, um aspecto essencial para acelerar a ação climática na prática. Em diversos tópicos de negociação, os países também ressaltaram a importância do apoio à capacitação para cumprir suas obrigações no âmbito do Acordo de Paris, em particular na implementação de uma estrutura de transparência mais forte, mas também no uso de mecanismos de mercado.
E, por fim, os países debateram e levaram adiante seu entendimento sobre os potenciais elementos de um novo plano de trabalho para avançar a Ação para o Empoderamento Climático (ACE, na sigla em inglês), que se refere à educação, treinamento, conscientização, participação social, acesso à informação e cooperação internacional sobre essas questões.
A adaptação não encontrou muito espaço na agenda, uma vez que tópicos sob o mandato das presidências dos Órgãos Subsidiários – como a revisão de relatórios do Comitê de Adaptação sobre a meta global de adaptação e relatórios do Comitê Executivo do Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos – foram adiados até Glasgow, em novembro.
Os países, no entanto, tiveram algumas discussões sobre questões relacionadas a adaptação e perdas e danos. Foram realizadas consultas informais para debater as lacunas e necessidades nos processos de elaboração e implementação de planos nacionais de adaptação. As Partes enfatizaram os desafios no acesso aos recursos do Fundo Verde para o Clima para desenvolver esses planos, assim como a falta de orientação sobre como o Fundo pode apoiar também na implementação. Os países em desenvolvimento também propuseram o estabelecimento de uma força tarefa para avaliar o progresso na meta de adaptação do Acordo de Paris.
Como responsáveis pela presidência da COP, Chile e Reino Unido também organizaram um evento informal sobre a Rede de Santiago para Perdas e Danos – o único evento dedicado a debater perdas e danos nessa sessão virtual. O evento apresentou diferentes visões sobre como garantir que a rede, com a formação da qual os países concordaram na COP25 em Madri, seja estabelecida de forma a catalisar a assistência técnica de que os países vulneráveis precisam para lidar com as perdas e danos decorrentes dos impactos climáticos. Os países em desenvolvimento foram enfáticos em relação à necessidade de assegurar que a rede vá além de uma plataforma virtual. Chile e Reino Unido devem realizar outros dois eventos sobre perdas e danos até julho, incluindo um com os líderes das delegações.
As negociações também trataram dos impactos da ação climática (tanto positivos quanto negativos) chamados de “medidas de resposta”. Dadas as muitas transformações necessárias para criar um mundo resiliente e descarbonizado, os países – em especial aqueles em desenvolvimento – querem entender e se preparar para as implicações dessas mudanças em trabalhadores e diferentes comunidades.
Os países em desenvolvimento também querem incluir nessas considerações medidas que ultrapassem fronteiras, como as medidas de ajuste de fronteiras para o carbono ou o impacto das taxas sobre combustíveis no turismo. As discussões pararam devido a divergências sobre como lidar com os atrasos causados pela crise da Covid-19 na implementação do plano de trabalho acordado, mas as atividades previstas no plano continuarão, incluindo um processo para submissões sobre transição justa e diversificação econômica.
Embora a presidência da COP do Reino Unido tenha deixado claro sua intenção de realizar uma conferência presencial, com preparativos em andamento, muitos países e atores não estatais levantaram questionamentos a respeito de planos de segurança, vacinas, potenciais restrições de viagens e planos de contingência. Nas próximas semanas, será preciso mais clareza por parte do Reino Unido para finalizar os detalhes logísticos e garantir que a COP26 seja inclusiva e transparente. Se os países desenvolvidos desejam demonstrar solidariedade com os mais vulneráveis, esforços para diminuir as iniquidades na vacinação são um pré-requisito antes da COP26.
Mas o maior desafio será, antes de tudo, avançar a partir das discussões realizadas ao longo das últimas semanas, em vez de começar as negociações da COP26 do zero porque nenhuma decisão foi tomada durante os encontros virtuais. Além disso, é vital assegurar para a COP26 um conjunto de decisões justo, equilibrado e ambicioso que reflita um senso global de solidariedade.
As presidências do Chile e do Reino Unido devem considerar maneiras de enfrentar as preocupações com uma agenda pouco equilibrada muito antes do encontro em Glasgow, além de planejar como promover avanços nas questões críticas. Isso exigirá, ao longo das próximas semanas, consultas com chefes de delegação (mensalmente) e ministros (a partir dos dias 25 e 26 de julho) para criar as bases para as decisões políticas que devem ser tomadas na COP26. Workshops também podem complementar essas consultas para abordar questões mais técnicas que são essenciais para bons resultados. Ainda não foi decidido se uma sessão presencial adicional será organizada antes da COP, conforme sugerido pelos países em desenvolvimento.
Por fim, ao longo dos próximos meses, muitas das principais economias – como Austrália, Coreia do Sul, China e Índia – ainda precisam enviar suas NDCs atualizadas e aprimoradas para demonstrar esforços suficientes para fechar a lacuna de ambição. Os Ministros da Fazenda do G20 se encontrarão em Veneza em julho para debater o financiamento, e nos próximos meses a atenção estará voltada aos esforços dos países do G20 para fortalecer suas ações e compromissos climáticos.
Todos esses marcos, junto à Assembleia Geral da ONU em setembro, a Cúpula do G20 em Roma e a pré-COP em outubro, serão essenciais para que a COP26 mantenha a meta do 1,5°C ao alcance, promova mais solidariedade e demonstre a confiança necessária para uma cooperação global no combate à crise climática.
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