“Ninguém ganha com o desmatamento”, diz pesquisadora

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Por Lucas Guaraldo em IPAM | Esta entrevista foi publicada originalmente na Um Grau e Meio, newsletter com análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

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Fernanda Ribeiro é pesquisadora do IPAM e doutora em geografia pela Universidade da Califórnia. Na edição de 26 de junho, falou sobre as consequências diretas do desmatamento no Cerrado e o perfil do desmatamento no oeste baiano. 

A edição também trouxe dados sobre a vegetação nativa remanescente e os municípios que mais derrubam o Cerrado.

IPAM: O oeste baiano foi o coração do desmatamento do Cerrado no início de 2023, que avançou, principalmente, sobre os remanescentes de vegetação nativa. Qual o impacto de desmatar as últimas áreas vivas do bioma na região?

Fernanda: Essa região já possui uma agricultura totalmente consolidada. Tem áreas muito extensas cercando pequenas ilhas de vegetação natural que ainda são remanescentes, principalmente em São Desidério. Boa parte do que ainda temos de vegetação nativa nessa área são ilhas isoladas umas das outras, em grandes fragmentos na paisagem. 

Mesmo que pequenos, esses remanescentes agem como corredores ecológicos, ligando as áreas protegidas que cercam o oeste da Bahia. Temos o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, ao sul, o Parque Nacional do Rio Parnaíba, ao norte, e a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, no Oeste, por exemplo. Esses fragmentos são fundamentais para a manutenção da biodiversidade. É difícil falarmos de manutenção das espécies da região, mas corredores garantem, pelo menos, uma conectividade entre grupos. 

O desmatamento também tem consequências para as comunidades e para o bem-estar humano. Desmatar piora a manutenção da qualidade do solo, o abastecimento de água e as condições mínimas de qualidade ambiental. 

Qual o perfil do desmatamento na região?

O desmatamento no oeste da Bahia normalmente ocorre em pequenas áreas, com pequenos incrementos ao longo do tempo, justamente porque não tem muitos remanescentes de vegetação para desmatar. No geral, as áreas de lavouras estão consolidadas. 

Mas isso tem mudado. A gente tem visto, nos últimos meses, áreas maiores sendo abertas de uma vez só. Não conseguimos identificar exatamente a causa sem ter mais informações específicas de cada local. Essa mudança pode indicar mudanças nas políticas públicas, algum acordo, áreas que estavam embargadas mas agora foram liberadas, ou desmatamento ilegal. É difícil saber ao certo, mas é fato que o perfil mudou e estamos vendo grandes áreas sendo desmatadas rapidamente. 

O município de São Desidério é um dos principais produtores de soja do país, tem muita plantação de algodão e várias áreas remanescentes de vegetação. Tudo indica que são essas áreas nativas que estão sendo abertas hoje em dia. Então, não é necessariamente aquele desmatamento de manejo que a gente costumava observar nos últimos anos. 

Esse desmatamento tem impacto na viabilidade econômica dos municípios?

O abastecimento e a qualidade da água nessa região já são muito complicados. Com esse volume de desmatamento, isso só tende a piorar. A qualidade do solo, do microclima, tudo vai ser afetado com muita força. 

E quem desmata, que são os grandes produtores da região, sente consequências diretas. Desmatar esses remanescentes afeta diretamente na produção agropecuária. O clima vai mudar ainda mais. As chuvas, os ventos e a insolação da região, tudo vai mudar.

Além do impacto ambiental claro do desmatamento, as grandes áreas que começaram a ser derrubadas são muito preocupantes, porque ninguém se beneficia disso. Em São Desidério e Correntina, por exemplo, ninguém ganha com o desmatamento. Não faz circular nenhuma economia. 

Como o cenário pode ser revertido?

Existe hoje uma agricultura extremamente tecnológica sendo aplicada em outras partes do Brasil que já entendeu que o ambiente é um aliado no desenvolvimento econômico. Não precisa nem ser por causa da pressão internacional ou dos certificados de sustentabilidade. Existem espécies que ajudam na dispersão de semente, no controle de pragas, na qualidade e produtividade do solo. Proteger essas espécies é muito mais barato e benéfico para todos os envolvidos. 


Este texto foi originalmente publicado por IPAM de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thalles Moreira

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