No Brasil, mulheres que já casaram uma vez evitam o segundo matrimônio e preferem chamar os homens com quem elas se relacionam de “namorido”
Recentemente, um influenciador brasileiro que se autointitula “conselheiro amoroso”, causou polêmica ao afirmar que “os homens só ficam com as mulheres acima de 40 anos para transar, mas casam com as mais jovens”. O influenciador não explicou se embasou sua afirmação em algum estudo.
Entretanto, diferente dele, a antropóloga cultural Dra Joanna Davidson, que atualmente é Diretora Associada do Kilachand Honors College na Universidade de Boston, decidiu se aprofundar cientificamente no comportamento matrimonial das mulheres e, após diversas análises, chegou à conclusão de que, no mundo inteiro, as mulheres estão optando, conscientemente (não por abandono dos homens), não se casar, principalmente se elas já foram casadas uma primeira vez, como no caso de viúvas.
A antropóloga, que, aparentemente, focou a análise no comportamento heterossexual, descobriu ainda que a escolha por não casar não interfe no desejo de ser mãe. As mulheres estão decidindo ter filhos independentemente de um casamento.
Antes de se tornar uma antropóloga acadêmica, Joanna trabalhou por vários anos com uma série de organizações não-governamentais progressistas de desenvolvimento internacional na África e na América Latina em questões como reassentamento de refugiados, direitos indígenas, mulheres e desenvolvimento rural e empreendedorismo social.
Mas sua mais recente publicação é o livro “Não ao Casamento: Mulheres Estão Subvertendo os Costumes Tradicionais no Mundo Todo” (tradução livre). A obra é uma coleção de 12 ensaios antropológicos que descrevem como as mulheres estão se afastando dos arranjos matrimoniais “tradicionais” em sociedades onde o casamento é amplamente considerado obrigatório. Os ensaios incluem análises de jovens solteiras na Índia, intimidade extraconjugal no Japão e mulheres desfrutando de maridos “ausentes” no Senegal.
A contribuição de Joanna Davidson examinou principalmente as viúvas que optam por não se casar novamente na Guiné-Bissau, local onde a antropóloga realiza suas pesquisas de campo desde 1999.
O livro revela as maneiras sutis pelas quais as mulheres são “protagonistas em mexer no vespeiro do casamento em todo o mundo”, diz Davidson ao jornal da Universidade de Boston.
Davidson conta ao jornal da Universidade de Boston que seu interesse pelo casamento surgiu após uma pesquisa para o seu livro anterior “Arroz Sagrado”, a qual a fez perceber que as mudanças climáticas estavam alterando o modo cultural de subsistência das populações do Guiné-Bissau que, por sua vez, também estavam influenciando mudanças nas dinâmicas familiares.
“Enquanto continuei a trabalhar lá nas décadas seguintes, eu realmente vi como as relações de gênero e as práticas de casamento e novo casamento estavam mudando. Cada vez que eu voltava, havia mais mulheres cujos maridos haviam morrido que não se casaram novamente e que viviam em casas feitas especificamente para viúvas. As viúvas não são uma categoria que realmente existia lá antes – curiosamente, há uma palavra na língua local para o tipo de casa em que uma viúva mora, mas nenhuma palavra para a própria viúva. Então, comecei a investigar por que havia um aumento tão dramático de viúvas [que não se casavam novamente] e como isso era possível”, explica a pesquisadora.
As brasileiras não ficaram de fora das pesquisas da doutora Davidson. Segundo ela, no nordeste brasileiro, onde o ecoturismo é uma indústria relativamente nova, as mulheres da classe trabalhadora tinham acesso à renda, mas também tiveram primeiros casamentos decepcionantes – que muitas vezes resultaram em filhos – então elas redefiniram o casamento. Essas mulheres tinham namorados de longa data que chamavam de “namoridos”, que era essa mistura de parceria sustentada sem a distinção clara do casamento.
Já na Guiné-Bissau a pesquisadora notou que as mulheres viúvas, que até recentemente casavam com parentes próximos do marido falecido por conveniência econômica, estão preferindo enfrentar os percalços econômicos a encarar um novo casamento.
Em vários casos, as mudanças no acesso aos recursos – como trabalho assalariado ou aquisição de terras – tornaram as mulheres menos dependentes dos homens para os cuidados primários. As mulheres também estão optando por outras formas de sociabilidade, como a sociabilidade feminina com amigas e outras mulheres ao seu redor.
Além disso, dizer não ao casamento não significou em nenhum dos casos analisados desistir da maternidade também. A autora explica que “isso ficou muito claro em dois casos da África Austral, na Namíbia e especialmente em Botswana, onde as mulheres estão optando por não se casar por vários motivos – mas a maternidade nunca foi posta de lado.