Por Ana Ionova, do Mongabay | Os incêndios começaram pequenos, queimando um punhado de áreas em um trecho do Pantanal Sul. Alimentadas por meses de seca, as chamas rapidamente se espalharam pelos campos ressequidos do Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro, unindo-se num único incêndio.
Dados da Universidade de Maryland e da Nasa, a agência espacial norte-americana, visualizados pela Global Forest Watch, mostram que os incêndios começaram em maio. Em dois meses, se alastraram por cerca de 450 quilômetros quadrados, reduzindo a vegetação no caminho a cinzas.
Em meados de julho, uma brigada de 30 bombeiros e voluntários foi enviada ao parque e à região do entorno para combater as chamas. Depois de dias lutando contra o fogo, conseguiram controlar o incêndio e impedir seu avanço para uma fazenda próxima – mas não antes que tivesse queimado 10.062 hectares, quase 13% do parque.
Imagens recentes de satélite sugerem que os incêndios recomeçaram no início de agosto, mas foram extintos em 14 de agosto.
“Eles fizeram tudo o que podiam”, conta Leonardo Pereira Gomes, diretor estratégico da SOS Pantanal, organização sem fins lucrativos que ajudou a coordenar o combate às chamas. “Mas o solo está muito seco, as chuvas não vieram. Com essas condições climáticas, a situação é realmente preocupante.”
O Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro se estende por 78.302 hectares, passando pelos municípios de Aquidauana e Corumbá, no Mato Grosso do Sul. A reserva é composta por campos, lagoas e floresta submersa. Bastante valorizada pelos biólogos, a área é conhecida como local de reprodução de uma infinidade de espécies de peixes.
Mas, este ano, o parque esteve no epicentro dos incêndios que engoliram parte do Pantanal, a maior área alagada tropical do mundo. Entre 1° de maio e 26 de julho, satélites da Nasa registraram 677 alertas de incêndio no Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro.
Por todo o Pantanal, a área afetada pelas chamas até agora é 26% maior do que durante o mesmo período de 2021, de acordo com o Observatório do Pantanal. Com a temporada de incêndios apenas começando, as chamas já consumiram cerca de 14,5% do bioma até o fim de julho, de acordo com Cyntia Santos, analista de conservação da WWF Brasil.
“Nos últimos anos, vimos a seca atingir a região fortemente e drenar as áreas alagadas”, relata ela, observando que reservas como o Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro são especialmente vulneráveis. “E parece que, este ano, já estamos vendo uma piora nos incêndios.”
Com a estação seca agora em sua plenitude, o medo é que a batalha para controlar as chamas – dentro do parque e em todo o Pantanal – possa estar apenas começando. Entre temperaturas crescentes e poucos sinais de chuva, as autoridades temem que as semanas e meses que virão reservem mais incêndios fora do controle para a região.
“Conseguimos controlar esses incêndios”, disse a tenente-coronel Tatiane Dias de Oliveira Inoue, chefe de operações da Brigada Militar de Incêndio do Mato Grosso do Sul. “Mas a perspectiva para o futuro é muito pior do que estamos vivendo hoje. Por mais que nos preparemos, por mais que tentemos, sabemos que os incêndios estão chegando.”
O Pantanal se estende por quase 210 mil quilômetros quadrados do território brasileiro, da Bolívia e do Paraguai. No Brasil, se estende pelos estados do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso. O bioma abriga uma rica variedade de espécies de plantas e animais, sendo que algumas – como a onça (Panthera onca) e a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) — estão ameaçadas de extinção.
Todos os anos, entre dezembro e março, chuvas fortes costumavam alagar a maior parte do Pantanal, transformando a região num labirinto de brejos e lagoas. Mas, nos últimos anos, o Pantanal sofreu uma série de secas que alimentaram incêndios devastadores em toda a região.
“O Pantanal ainda não teve as chuvas – o alívio – de que precisa”, diz Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “E num ambiente realmente inflamável, isso tem a capacidade de desencadear uma destruição em grande escala.”
A devastação se intensificou pela forma única pela qual os incêndios acontecem no Pantanal. Diferentemente da Amazônia, onde as chamas consomem arbustos e árvores, os incêndios no Pantanal tendem a queimar sob a superfície da terra, alimentados pela vegetação decomposta e altamente inflamável chamada turfa.
“Se você tira os olhos, o fogo pode de repente recomeçar em outra área, a quilômetros dali. É realmente muito difícil acompanhar”, diz Gomes. “É um trabalho que nunca termina.”
O pior dos incêndios destruiu cerca de 27% do Pantanal em 2020, o equivalente a 4 milhões de hectares – uma área maior que a Bélgica. O ano passado trouxe algum alívio: cerca de 1,2 milhão de hectares foram perdidos numa nova onda de incêndios que devastaram cerca de 12% do bioma.
Ainda assim, os incêndios do ano passado foram menos graves do que muitos esperavam, em parte devido a uma resposta mais agressiva das autoridades. Mas especialistas temem que agora haja uma acumulação perigosa de biomassa inflamável em todo o Pantanal, que pode irromper em chamas e causar ainda mais destruição este ano.
“Temos um nível de biomassa que há muito tempo não víamos”, diz Inoue. E, quando essa biomassa é exposta a condições climáticas como as que temos aqui durante a estação seca, é basicamente um fato que os incêndios acontecerão.”
Agências estaduais e federais – incluindo o Ibama, o ICMBio e brigadas de incêndios estaduais – aumentaram em muito sua resposta aos incêndios desde 2020, quando chamas sem precedentes os pegaram despreparados e sem financiamento, depois que o governo de Jair Bolsonaro cortou a verba para o combate aos incêndios em 58%.
Desta vez, as autoridades estabeleceram forças-tarefa de emergência, instalaram monitoramento avançado por câmeras e gastaram milhões em novos equipamentos – como helicópteros – para combater os incêndios. O Mato Grosso do Sul também aprovou uma nova estratégia para combater as chamas em junho, embora ela ainda precise ser implementada.
Grupos da sociedade civil também partiram para a ação: a SOS Pantanal até agora treinou 24 brigadas voluntárias nas linhas de frente dos incêndios, que podem atuar como resposta imediata em uma área que se estende por 675 mil hectares, diz Gomes. Elas se tornaram parte de uma rede de monitoramento, recebendo alertas duas vezes ao dia sobre hotspots de incêndios, junto com instruções sobre como reagir.
“Os resultados do ano passado foram muito positivos”, diz Gomes. “Eles provaram que esse tipo de vigilância é a melhor maneira de detectar os incêndios e responder rapidamente.” Bombeiros estaduais e federais podem então chegar para dar assistência rapidamente se as equipes locais precisarem de apoio, acrescenta.
Ainda assim, combater o fogo no Pantanal, onde muitas áreas alagadas são praticamente inacessíveis, continua sendo algo complexo. Isso é especialmente verdadeiro no Pantanal do Rio Negro, onde vastas áreas da reserva não são alcançáveis por terra, diz Inoue.
“O Pantanal é enorme”, disse ela à Mongabay. “Estamos falando de regiões que são de difícil acesso, áreas alagadas. Não é qualquer veículo que consegue chegar lá. Então, às vezes, a única forma de chegarmos aos incêndios é de avião”. As brigadas também têm dificuldades para combater os incêndios subterrâneos, que podem continuar queimando por dias ou semanas sem serem detectados.
Incêndios naturais não são incomuns no Pantanal, especialmente durante os meses mais úmidos, quando tempestades de raios podem incendiar o solo de turfa. Esses incêndios de baixa intensidade podem queimar com persistência, mas as chuvas fortes que normalmente caem na região tendem a extinguir as chamas rapidamente.
“O Pantanal é considerado, ecologicamente, um ambiente bem adaptado ao fogo”, diz Alencar. “Então, ele acontece naturalmente. Mas não é isso que estamos vendo agora.”
Em todo o Pantanal, pecuaristas queimam pastagens degradadas para renová-las e fazendeiros incendeiam suas terras para prepará-las para novas plantações. No Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro, pescadores costumam limpar as margens dos rios queimando os arbustos, enquanto comunidades tradicionais usam o fogo para dispersar abelhas e coletar mel.
Essas queimadas são proibidas durante a estação seca para evitar o risco de incêndios, mas a fiscalização costuma ser leniente. E ambientalistas dizem que esse comportamento negligente, aliado a um clima mais seco, está criando as condições perfeitas para que pequenos focos de incêndio se transformem nos mega-incêndios que engolem milhares de hectares.
“A ação humana está por trás de muitos desses incêndios”, diz Alencar. “E há uma interação entre o uso do fogo pelas pessoas e as condições climáticas que permitem que essas chamas se espalhem de uma forma muito mais agressiva e incontrolável.”
A principal razão por trás do aumento dos incêndios no Pantanal, segundo ambientalistas, é a mudança climática desencadeada pelo desmatamento acelerado que destrói outras regiões do Brasil. O resultado é a convergência de crises ambientais com resultados devastadores.
A maior parte das chuvas que alimentam os rios e córregos do Pantanal vem da Amazônia, na forma de massas de ar carregadas de umidade evaporada da floresta tropical, os chamados “rios voadores”. À medida que o desmatamento avança, atingindo seu maior nível em 15 anos, a Amazônia vem ficando cada vez mais seca, e os cientistas alertam que a floresta está se aproximando de um ponto de inflexão que pode transformar trechos dela em savana.
Enquanto isso, em todo o Pantanal e no vizinho Cerrado, plantações de soja e pastagens de gado se espalharam e mudaram os ciclos de inundação da região, deixando-a seca e mais suscetível a incêndios, diz Santos.
“Naturalmente, (o Pantanal) é resiliente”, diz ela. “Mas uma série de pressões nos últimos anos diminuíram a resiliência do bioma. Hoje, o Pantanal não reage como fazia dez anos atrás, quando havia uma dinâmica diferente, mais natural, no ciclo de inundação.”
No Pantanal – e em outros lugares –, há marcas claras da mudança climática. No ano passado, o Brasil sofreu sua pior seca em 92 anos, que levou à escassez de água e energia elétrica em todo o país. As chuvas também foram escassas este ano: no Pantanal, os níveis de precipitação devem permanecer entre 40% a 50% abaixo do normal em setembro, de acordo com o Centro de Monitoralmente do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul.
Alimentados por essas condições climáticas, especialistas dizem que os incêndios que antes ocorriam a cada poucas décadas agora estão se tornando o novo normal. E à medida que incêndios devastadores engolfam trechos do Pantanal com mais frequência, o bioma está mudando de forma dramática: com menos tempo para se recuperar entre grandes incêndios, espécies de plantas resistentes ao fogo estão se propagando, mudando a composição ecológica da região, diz Alencar.
“Quando uma área queima, começa a se recuperar, e depois queima novamente, nem todas as espécies serão capazes de voltar”, diz Alencar. “Algumas levam décadas para se recuperar. Então, quanto mais frequentes os incêndios, maior o impacto no tipo de vegetação nativa que vemos.”
Os que atuam nas linhas de frente dos incêndios também estão se preparando para um futuro com mais fogo. O trabalho de preparação para incêndios mais frequentes e melhoria dos esforços de combate está em andamento, diz Gomes, mas provavelmente levará décadas para se adaptar totalmente.
“Este é um cenário que veio para ficar”, diz Gomes. “Podemos ter alguns anos melhores do que outros. Mas as condições climáticas não ficarão melhores. E precisamos nos adaptar a essa mudança no clima como o novo normal.”
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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