O trabalho do japonês Syukuro Manabe, do alemão Klaus Hasselmann e do italiano Giorgio Parisi levou ao desenvolvimento de sistemas de predição mais eficientes
Por Ricardo Zorzetto em Revista Pesquisa Fapesp – A Academia Real de Ciências da Suécia concedeu o prêmio Nobel de Física de 2021 a três pesquisadores que ajudaram a compreender e a prever o comportamento dos chamados sistemas complexos, formados por muitas componentes que podem interagir de modo aleatório, como o clima do planeta ou os átomos no interior de materiais. O climatologista japonês Syukuro Manabe e o físico e oceanógrafo alemão Klaus Hasselmann, ambos de 90 anos, compartilharão metade do prêmio, no valor de 10 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,15 milhão ou R$ 6,25 milhões), por suas contribuições para a compreensão de como funciona o transporte de massas de ar na atmosfera, o aumento da temperatura próximo à superfície terrestre e a influência da ação humana sobre esses fenômenos. O físico italiano Giorgio Parisi, de 73 anos, receberá a outra metade do prêmio por seu trabalho teórico ter ajudado a identificar padrões de regularidade em materiais e fenômenos desordenados e aleatórios, importantes em várias áreas da física, da matemática, da biologia e da computação.
“Sistemas complexos são caracterizados por aleatoriedade e desordem e são difíceis de entender. O prêmio deste ano reconhece novos métodos para descrevê-los e prever seu comportamento no longo prazo”, afirmou o material de divulgação preparado pelo comitê do Nobel.
Professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Manabe demonstrou como o incremento de gás carbônico (CO2) na atmosfera leva ao aumento das temperaturas próximo à superfície da Terra e à diminuição na alta atmosfera. Na década de 1960, ele liderou o desenvolvimento de modelos físicos do clima do planeta e explorou a interação entre a energia que a Terra recebe do Sol e a que perde para o espaço e o transporte vertical de massas de ar. Seu trabalho lançou as bases para o desenvolvimento dos modelos climáticos atuais.
No final do século XIX, o físico sueco Svante Arrhenius (1859-1927) já havia identificado os mecanismos físicos que controlam o aprisionamento de calor na atmosfera do planeta e concluído que mudanças na concentração de CO2 eram capazes de alterar a temperatura. Depois de ter deixado um Japão destroçado pela Segunda Guerra Mundial, Manabe chegou aos Estados Unidos, onde, seguindo os passos de Arrhenius, tentou compreender como isso acontecia. Ele incluiu em seus cálculos o transporte vertical de massas de ar por convecção (o ar quente sobe e o frio desce), além do papel do vapor-d’água, e criou um modelo simplificado da atmosfera. Variando a concentração de diferentes gases, ele constatou que aqueles mais abundantes, como o nitrogênio e o oxigênio, não afetavam a temperatura. Verificou, no entanto, um impacto evidente do gás carbônico, que existe naturalmente em concentrações muito baixas: a duplicação dos níveis de CO2 elevava em mais de 2 graus Celsius a temperatura. O modelo confirmou que esse aquecimento realmente se devia ao aumento do dióxido de carbono.
“Manabe foi um dos pioneiros na criação de modelos numéricos para entender a física do clima, o que levou ao desenvolvimento dos complexos modelos do sistema terrestre que usamos hoje no IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas”, conta a oceanógrafa Ilana Wainer, da Universidade de São Paulo (USP). “Seus modelos permitiram testar a relação entre o aumento da concentração de CO2 na atmosfera e o incremento da temperatura. Quando os níveis de CO2 sobem, a temperatura se eleva na baixa atmosfera, mas diminui na alta atmosfera. Os experimentos numéricos feitos por ele permitiram estabelecer já nos anos 1960 a importância de se reduzirem as emissões de CO2”, explica a pesquisadora.
No final dos anos 1970, Hasselmann, do Instituto de Meteorologia Max Planck, na Alemanha, descobriu como incorporar nos modelos de previsão climática as mudanças aleatórias que ocorrem a todo momento em variáveis atmosféricas como temperatura, umidade do ar, velocidade do vento, entre outras, decorrentes da maneira desigual que a energia solar chega a diferentes regiões do planeta – a Terra recebe mais energia no equador do que nos polos, mais de dia do que à noite. Inspirado na teoria do movimento browniano, de Albert Einstein (1879-1955), Hasselmann criou um modelo climático que levava em conta essas variações e demonstrou, por exemplo, que uma rápida variação de temperatura na atmosfera levaria a mudanças muito lentas no oceano. Em seguida, ele desenvolveu métodos para identificar o impacto humano no sistema climático. O oceanógrafo descobriu que era possível separar o efeito que diferentes componentes – como radiação solar, níveis de gases associados ao aquecimento global ou à ação humana – causava no clima do planeta, abrindo caminho para estudos que usaram um grande número de observações independentes e indicaram o impacto humano no clima.
“Sem dúvida, Manabe e Hasselmann foram pioneiros no desenvolvimento de modelos matemáticos que ajudam a compreender o funcionamento do sistema terrestre, ou seja, oceanos, atmosfera, criosfera, superfícies continentais”, afirma o climatologista Carlos Nobre, ex-coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas. “Foi com base nesse trabalho pioneiro que se assentou o avanço da ciência climática e da possibilidade de prever cenários futuros de mudanças no clima do planeta, essencial para avaliar os riscos e as ações necessárias para combater a emergência climática”, completa.
Nos anos 1980, Parisi, da Universidade de Roma La Sapienza, na Itália, descobriu como fenômenos aparentemente aleatórios são governados por regras ocultas. Seu trabalho é considerado uma das contribuições mais importantes para a teoria dos sistemas complexos, com implicações para física, matemática, biologia e outras áreas.
Os estudos modernos de sistemas complexos têm as suas raízes na mecânica estatística, área da física desenvolvida no final do século XIX a partir da percepção de que um novo formalismo era necessário para descrever sistemas como gases ou líquidos, compostos por um grande número de partículas. Esse método levou em conta os movimentos aleatórios das partículas e o efeito médio de seus deslocamentos, em vez do deslocamento de cada partícula individualmente, e gerou uma explicação microscópica para propriedades macroscópicas de gases e líquidos, como temperatura e pressão.
Parisi encontrou uma forma de expressar matematicamente como comportamentos individuais simples resultam em comportamentos coletivos complexos ao estudar um material exótico chamado vidro de spins. Um vidro de spin é uma liga metálica em que átomos de um elemento químico magnético, como o ferro, estão aleatoriamente dispersos entre átomos de um metal não magnético, que pode ser cobre ou ouro, e funciona como um modelo de sistemas complexos. Embora poucos, os átomos magnéticos mudam as propriedades do material de uma maneira radical e muito intrigante. Cada átomo de ferro tem uma propriedade rotacional chamada spin que a faz se comportar como um pequeno ímã. Em um ímã comum, todos os spins se alinham em uma mesma direção. Em um vidro de spins, porém, ocorre um fenômeno chamado frustração, que é a incapacidade de satisfazer simultaneamente todas as relações com os outros átomos magnéticos – alguns átomos acabam com spin em uma direção e outros em outra. Em 1979, Parisi conseguiu descrever do ponto de vista matemático como isso ocorre. Anos mais tarde, sua solução foi considerada correta e desde então vem sendo aplicada em sistemas desordenados e complexos em várias áreas da ciência.
“Com seu trabalho, Parisi estabeleceu como interações microscópicas muito simples, que podem ocorrer de modo aleatório ou apresentarem o fenômeno da frustração, levam ao surgimento de propriedades macroscópicas muito complexas”, relata o físico brasileiro Lucas Nicolao, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que de 2010 a 2012 realizou um estágio de pós-doutorado com o italiano. “Esse trabalho causou repercussões em outras áreas e permitiu, por exemplo, desenvolver técnicas para resolver problemas difíceis de otimização”, diz ele.
“As descobertas reconhecidas este ano demonstram que o nosso conhecimento sobre o clima está alicerçado em uma base científica sólida, baseada em análise rigorosa das observações. Todos os laureados deste ano contribuíram para que obtivéssemos uma visão mais profunda das propriedades e da evolução de sistemas físicos complexos”, disse Thors Hans Hansson, presidente do Comitê Nobel de Física.
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