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Prejuízo e retrocesso ambiental e insegurança jurídica para o setor

Por Alexandre Gaio, Ana Maria Moreira Marchesan e Carlos Alberto Valera, da ABRAMPA | A ABRAMPA – Associação Brasileira de Membros do Ministério Público, associação civil sem fins lucrativos que reúne Promotores e Procuradores de Justiça e Procuradores da República com atuação especializada em meio ambiente atuantes em todos os Estados da Federação, vem, por meio da presente Nota, manifestar sua preocupação acerca do Projeto de Lei nº 1.366/22, atualmente aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que tem como objeto a retirada da atividade de silvicultura da lista constante do Anexo VIII da Lei n° 6.938/81, que elenca as práticas utilizadoras de recursos naturais que, por serem potencialmente poluidoras, estariam sujeitas ao licenciamento ambiental.

O Projeto pode trazer insegurança jurídica, batalhas judiciais intermináveis e, especialmente, agravos ambientais sem precedentes. O PL tem, ainda, capacidade de recrudescer a conversão de vegetação característica dos biomas em florestas plantadas sem qualquer prévia avaliação do órgão ambiental licenciador.

Na justificativa original da proposta, que é de 2015, consta que o plantio florestal é “reconhecido por sua capacidade de proporcionar benefícios ambientais e sociais, como a proteção de mananciais, a conservação da biodiversidade e diminuição da pressão sobre florestas nativas, mitigação dos efeitos do aquecimento global, geração empregos e inclusão de produtores na cadeia da economia”. No parecer do Relator na CCJ, foram exaltados os benefícios econômicos das florestas plantadas e destacadas algumas virtudes do ponto de vista ambiental.

Ocorre que somente os argumentos levantados pelo setor produtivo associado à silvicultura, designadamente os trazidos pela Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas – ABRAF, foram considerados. A comunidade científica independente não foi ouvida e aspectos ambientais, protegidos por previsões constitucionais e legais, foram desprezados, razão pela qual esta Associação vem, por meio da presente Nota, elucidar alguns aspectos de sustentabilidade e boa governança ambiental, essenciais para o adequado tratamento da temática.

Silvicultura como uma atividade potencialmente poluidora

A silvicultura consiste na “prática de plantio, manejo e cuidado de florestas ou de áreas densamente arborizadas para uso humano, geralmente para madeira de construção ou lenha” . A atividade de plantio de árvores em escala pode aparentar ser, em um primeiro momento, inofensiva para os ecossistemas. Entretanto, caso não haja controle de como, onde e quais espécies plantar, trata-se de atividade que pode, sim, gerar prejuízos significativos para o meio ambiente (2) , especialmente quando realizada em grande escala e sem o controle dos impactos cumulativos e sinérgicos.

É praticamente pacífico que a atividade de silvicultura, como qualquer outra, ostenta aspectos positivos e negativos. Os estudos técnicos existentes são quase uníssonos quando se referem à necessidade de que se estabeleçam limites aos plantios para que haja a mitigação dos impactos, sobretudo em relação aos recursos hídricos e à perda de biodiversidade, as duas valências ambientais mais afetadas por este tipo de atividade. A questão se torna ainda mais sensível em ecossistemas naturalmente campestre e savânicos. (3)

Assegurar um mosaico nos plantios silviculturais, entremeando-os com outros cultivos e garantindo respeito às áreas de preservação permanente (APP), às áreas de reservas legais, aos limites de Unidades de Conservação e de sítios arqueológicos e paleontológicos, dentre outras restrições, é uma questão técnica com importância destacada pelos estudiosos do tema (4) e inclusive incorporada às melhores práticas das empresas de papel e celulose do Brasil. Até porque, quanto maior a heterogeneidade de cultivos na paisagem e ecossistemas naturais protegidos, menor o risco de proliferação de pragas e doenças (5).

Uma das questões mais preocupantes associada ao plantio de exóticas em larga escala, sobretudo do Eucalyptus, relaciona-se ao consumo de água. Como toda espécie de crescimento rápido, o eucalipto consome quantidades elevadas de água devido ao seu acelerado desenvolvimento (6).

Essa questão relaciona-se, indiscutivelmente, com a elevada taxa de evapotranspiração gerada por esse cultivo. Estima-se que a faixa de evapotranspiração de uma plantação de eucalipto seja equivalente a precipitações pluviométricas ao redor de 800 a 1.200 mm/ano, de forma que se deve ter em conta os índices de precipitação pluviométrica da região receptora do plantio. Davidson (7), respaldado por outros estudiosos, aponta que o eucalipto pode acarretar o ressecamento do solo em áreas de baixa precipitação pluviométrica ao utilizar as reservas de água nele contidas. Evans também afirma que o Eucalyptus, especialmente o Eucalyptus tereticornis e Eucalyptus camaldulensis, pode impedir a recarga de água na área situada abaixo de suas raízes (8). Há, ainda, estudo sinalizando que, em campos intensivamente usados para silvicultura e sujeitos a uma precipitação anual entre 1.000 e 1.250 mm, pode haver uma redução de 60% no fluxo de águas superficiais, o que pode agravar as estiagens e converter cursos d’água perenes em intermitentes (9).

Trata-se de impacto que não pode ser negligenciado, em especial em tempos de emergência climática. Conforme já destacado pelos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a tendência existente é de que, com o aumento global da temperatura, os ciclos hídricos tornem-se mais intensos e variáveis e os eventos de chuva e seca mais graves (10). Diante do cenário climático de imprevisibilidade, não é prudente – nem constitucional – que haja a liberação do desenvolvimento de atividades sabidamente impactantes do ponto de vista hídrico sem a existência de qualquer planejamento, validação ou fixação de condicionantes previamente analisadas e aprovadas.

Para além do enorme impacto para os recursos hídricos e, consequentemente, para a segurança hídrica, outro ponto sensível da silvicultura diz respeito à perda de biodiversidade e aos danos a ela associados (11).

Em primeiro lugar, a substituição de comunidades de campo natural por cultivos monoespecíficos representa inegável perda de diversidade biológica, o que pode implicar violação ao art. 225, §1º, I, da Constituição Federal. A preservação da biodiversidade é fundamental inclusive para a vida humana, constituindo-se como princípio da Política Nacional da Biodiversidade, prevista pelo Decreto nº 4.339/02, que prevê que:

2. A Política Nacional da Biodiversidade reger-se-á pelos seguintes princípios:
(…)
VII – a manutenção da biodiversidade é essencial para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários à vida da biosfera (…);
VIII – onde exista evidência científica consistente de risco sério e irreversível à diversidade biológica, o Poder Público determinará medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental;

Em relação à vegetação nativa, a substituição de uma cobertura vegetal rica em espécies raras e endêmicas, como é o caso do bioma Pampa ou do bioma Mata Atlântica, por exemplo, por uma única espécie resulta em importantes modificações na estrutura da cadeia trófica do ecossistema e no desaparecimento de espécies originais. Sob o dossel dessas monoculturas, prosperam espécies vegetais exóticas que podem ser um problema do ponto de vista florestal. No caso das plantações de eucaliptos, prospera apenas uma gramínea exótica denominada Cynodon dactylon. É comum a proliferação de gramíneas africanas, exóticas e invasoras no sub-bosque dos talhões de silvicultura (12).

Já no caso das plantações de Pynus spp, os problemas são ainda mais evidentes. Trata-se de espécie que vem causando sérios danos à biodiversidade brasileira, inclusive em Unidades de Conservação, devido ao fato de serem consideradas espécies exóticas invasoras e, portanto, capazes de causar bioinvasão (13).

Adicionalmente, destaca Daniel Omar que, quando não observadas as melhores técnicas de manejo florestal sustentável – situação apreciada nos processos de licenciamento ambiental – é possível a ocorrência de exaustão dos nutrientes do solo e a obstrução do crescimento e desenvolvimento de outras espécies nas imediações do reflorestamento (14).

A fauna não resta incólume a esses cultivos. Recente estudo capitaneado por pesquisadores da área de biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal do Piauí concluiu que há fortes indícios de que a silvicultura de Pynus spp causa impactos a espécies de répteis, anfíbios e artrópodes, bem como a redução na diversidade de mamíferos nas florestas de pinheiros (15). Outros trabalhos científicos também indicam os prejuízos causados pela monocultura de eucalipto à herpetofauna nativa (16).

A perda de biodiversidade decorrente de atividades de silvicultura torna-se ainda mais problemática diante da realidade climática atual. Já é amplamente documentada a importância da biodiversidade para aumentar a capacidade dos ecossistemas, sociedades, comunidades e indivíduos se adaptarem às mudanças climáticas (17), de forma que a flexibilização de atividades de monocultura, como é o caso da silvicultura, em detrimento da preservação do ambiente natural, que conta com enorme diversidade, aumenta a vulnerabilidade ecossistêmica e humana aos efeitos dos fenômenos climáticos. O relatório do IPCC sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade destaca que:

Salvaguardar a biodiversidade e os ecossistemas é fundamental para o desenvolvimento resiliente ao clima, à luz das ameaças que as mudanças climáticas representam para esses fatores e seus papéis na adaptação e mitigação (confiança muito alta) (18).

Ademais, com o aumento exponencial da temperatura global e intensificação do cenário de emergência climática, aumenta-se, também, o risco de redução da biodiversidade (19). Assim, não é cabível que se permita o livre desenvolvimento de atividades reconhecidamente prejudiciais à biodiversidade quando se deveria, na realidade, buscar a máxima preservação das mais diversas espécies, considerados os riscos iminentes existentes, decorrentes das alterações do clima.

Conforme disposto na Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil é signatário, espécies exóticas invasoras são, hoje, um dos mais importantes temas mundiais relacionados à conservação da diversidade biológica, ao uso sustentável de seus componentes e à distribuição equitativa dos benefícios derivados do seu uso. Portanto, a exclusão da silvicultura da lista de atividades potencialmente poluidoras acaba por violar a legislação nacional e internacional a respeito da proteção da biodiversidade, em especial o Decreto Federal 4.339/02, que regulamenta, no âmbito interno, a Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica.

Trata-se de rompimento explícito com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente quando toda a comunidade científica isenta e não comprometida com a atividade econômica não foi ouvida e não teve seus estudos respeitados.

Assim, o controle e o planejamento territorial dos plantios silviculturais deve, necessariamente, passar pelos filtros do licenciamento ambiental para que a atividade não se converta em um estopim de danos à biodiversidade e à segurança hídrica, capacidade já amplamente documentada pela comunidade científica. Em vista de todo o exposto, é inquestionável que tais atividades têm potencial para promover relevante intervenção sobre o meio ambiente, razão pela qual é fundamental que haja a manutenção do seu reconhecimento como atividade potencialmente poluidora. Nesse sentido, já há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da necessidade de controle prévio desse tipo de atividade, a fim de assegurar que a intervenção promovida sobre o meio ambiente não seja danosa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. LEI ESTADUAL QUE DISPENSA ATIVIDADES AGROSSILVIPASTORIS DO PRÉVIO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE PROTEÇÃO AMBIENTAL. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO E PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO.
INCONSTITUCIONALIDADE.
[…]
3. O desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris (20) pode acarretar uma relevante intervenção sobre o meio ambiente, pelo que não se justifica a flexibilização dos instrumentos de proteção ambiental, sem que haja um controle e fiscalização prévios da atividade.
[grifos nossos]

(STF, ADI 5312, Rel. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2018, DJe 11/02/2019).

Também já há jurisprudência que reconhece os danos causados pelas atividades de silvicultura, sendo possível, inclusive a sua paralisação judicial, a exemplo do julgado abaixo colacionado, no qual a atividade vinha contribuindo para a erosão de um curso d’água, afetando área de preservação permanente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR CONTRATADO PELA EMPRESA PROPRIETÁRIA DA ÁREA. PROTEÇÃO QUE DEVE SER DISPENSADA NA MANUTENÇÃO DO CURSO D’ÁGUA NA ÁREA QUESTIONADA. INDÍCIOS DE QUE A ATIVIDADE DE SILVICULTURA ESTÁ AFETANDO A ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA. MEDIDA LIMINAR MANTIDA. EXTENSÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA MEDIDA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
A medida liminar, em Ação Civil Pública, deve ser deferida quando presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Constata-se o fumus boni iuris quando, em atento exame da situação fática que emerge dos autos, verificam-se contundentes elementos sobre a conduta irregular da agravante, com prejuízos ao meio ambiente local.
Indícios de degradação de área de preservação permanente, com erosão do curso d’água. Bem jurídico especialmente protegido (meio ambiente). Presença do periculum in mora, haja vista risco permanente ao meio ambiente local. Indícios de responsabilidade da agravante. Na inteligência do art. 7º do Código florestal, respondem por degradação à área de preservação permanente o proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título e, por extensão, o administrador contratado pelo proprietário do imóvel para o pleno exercício de atividades de administração, de toda área ou de parte dela, para a implementação de exploração do imóvel.
Alteração parcial da medida liminar, apenas para estender o prazo fixado para o efetivo cumprimento. Recurso provido em parte. [grifos nossos]

(TJMG – Agravo de Instrumento nº 1.0209.14.010356-2/001, Rel. Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível, julgado em 07/02/2017, DJe 15/02/2017).

Sentenciando ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal para proteger o Parque Nacional da Lagoa da invasão biológica dos pinus, a então magistrada Vânia Hack de Almeida assim se pronunciou:

tenho que os danos ambientais causados pela vegetação exótica invasora no interior e no entorno do Parque Nacional da Lagoa do Peixe são de grande monta e estão fartamente demonstrados, cabendo observar que a espécie causa redução da regeneração natural da flora nativa, redução de recursos alimentícios, dos habitats e dos recursos hídricos; bem como impedimento do fluxo genético do movimento da biota, da dispersão de espécies da flora e da fauna; redução da recolonização em áreas degradadas, alteração do ph do solo, perda de nutrientes e fertilidade do solo, alteração do sistema funcional natural, perda do patrimônio genético, empobrecimento e depreciação de paisagens notáveis, óbices à migração e deslocamento da fauna, dificuldade de defesa por parte da vegetação nativa, além de impor riscos de incêndios florestais e de perda da diversidade florística e faunística. Para evitar tamanha degradação ambiental, impõe-se uma atuação mais efetiva no combate, pelos réus, da espécie invasora, a fim de preservar um meio ambiente equilibrado e mais saudável (21). [grifos nossos]

Como se vê, não apenas a atividade de silvicultura é capaz de interferir no equilíbrio ecossistêmico de forma grave e potencialmente irreversível, como também, diante desses indícios, cabe ao Poder Judiciário agir para evitar o dano, dando concretude aos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, como forma de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Impactos nas Unidades de Conservação

O plantio de espécies exóticas invasoras, tais como o Pinus spp, o tojo (Ulex europaeus) e acácias australianas (Acacia spp), pode representar grave risco à biodiversidade protegida pelas Unidades de Conservação, sobretudo quando cultivados dentro delas ou no entorno imediato. De acordo com o “Guia Técnico de Prevenção de Invasão Biológica Associada a atividades de empreendimentos licenciáveis em Unidades de Conservação federais”, publicado pelo ICMBio: “As espécies que são plantadas para fins silviculturais são em geral exóticas, como o eucalipto (Eucalyptus sp.), e ao se dispersarem dos talhões de cultivo podem causar invasões e impactos aos ecossistemas” (22).

No 1º Simpósio Brasileiro de Espécies Exóticas Invasoras, realizado em outubro de 2005, também foi externada a preocupação governamental com as espécies exóticas e invasoras. O diagnóstico apresentado apontou que:

No Estado do Rio Grande do Sul, existem 21 Unidades de Conservação estaduais criadas. Dessas, 12 possuem levantamentos de espécies de flora e fauna, onde ficou constatado que em todas elas existem espécies exóticas invasoras. Esta situação é preocupante e obriga os gestores a planejar formas de obtenção de informações a respeito do comportamento das diferentes espécies, bem como estratégias de controle e erradicação das mesmas. 23 [grifos nossos]

Ademais, o guia do ICMBio também deixa clara a dificuldade de erradicação das plantas após a dispersão:

No caso de plantas, por exemplo, uma vez que há produção de sementes por plantas invasoras, fica estabelecido um banco de sementes no solo, o que necessariamente implica em controle contínuo até que o mesmo se esgote. O tempo de viabilidade de sementes no solo é altamente variável entre espécies, sendo de poucos meses para algumas espécies, de 3-5 anos para Pinus spp. e de mais de 30 anos para o tojo (Ulex europaeus) e acácias australianas (Acacia spp). Informações sobre a persistência do banco de sementes são de grande utilidade para definir programas de monitoramento e repasse das ações de controle com vistas a evitar que as plantas voltem a produzir sementes e realimentem o banco já existente. A erradicação só é viável após o esgotamento do banco de sementes no solo (24). [grifos nossos]

Na mesma publicação, o reconhecimento dos impactos da silvicultura – ou seja, o fato de ela ser potencialmente poluidora – é expresso:

A atividade de cultivo e manejo de árvores para fins comerciais geram impactos associados à invasão. A silvicultura é a atividade de cultivo de plantações florestais, onde árvores plantadas são cultivadas e manejadas com fins econômicos de comercialização, para gerar produtos florestais madeireiros ou não madeireiros para diferentes usos. (…)As EEIs [espécies exóticas invasoras] de árvores podem alterar a disponibilidade de recursos e reduzir os habitat disponíveis para as espécies nativas. Através de processos ecológicos, como competição e hibridização, as plantas exóticas invasoras podem diminuir a riqueza e diversidade de plantas nativas e causar mudanças na estrutura da vegetação. Além disso, a disseminação de EEIs de árvores está entre as invasões com maiores impactos sobre os serviços do ecossistema, como abastecimento de água e outros (Richardson, 1998; Dodet & Collet, 2012) (25).

Insegurança jurídica

Em vista da relevante capacidade de impacto da atividade de silvicultura, é evidente a inconstitucionalidade do Projeto de Lei, o que causará consequências diretas para a segurança jurídica dos plantios silviculturais. A exclusão ex ante ou prima facie de qualquer atividade do rol de atividades potencialmente poluidoras apresenta flagrante inconstitucionalidade por contrariar vários pontos do artigo 225 da Constituição Federal, em especial a indispensabilidade do estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (§1º, IV), bem como a obrigatoriedade de o Estado tutelar o meio ambiente e de atuar na prevenção aos danos ambientais (caput e §1º, I, II e III).

Da mesma forma, o PL afronta princípios decorrentes do artigo 225 da Constituição Federal, como é o caso da vedação do retrocesso ambiental, que impede que haja a redução da proteção ambiental anteriormente conferida em prejuízo do mínimo existencial ecológico; do princípio da prevenção, que determina que devem ser adotadas as medidas necessárias para que sejam evitados danos ao meio ambiente, como ocorre quando se listam atividades potencialmente poluidoras sujeitas ao licenciamento ambiental; e do princípio do poluidor-pagador, que impõe que eventuais externalidades negativas das atividades e empreendimentos sejam devidamente internalizadas pelo responsável.

Complementarmente, o artigo 170, VI, da Constituição Federal também prevê a necessidade de defesa do meio ambiente quando dispõe sobre a ordem econômica. Portanto, não é possível que a atividade de silvicultura seja facilitada em detrimento da proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como o texto em trâmite pretende.

Caso o PL seja aprovado, serão gerados, sem sombra de dúvidas, questionamentos acerca da constitucionalidade da lei. Como consequência, as inconstitucionalidades listadas serão levadas ao Poder Judiciário, seja por via concentrada, para a declaração da inconstitucionalidade erga omnes, seja por via difusa, empreendimento a empreendimento. Isso colocará todos os projetos de silvicultura aprovados e/ou implantados sem prévio licenciamento ambiental em um limbo jurídico, sobretudo aqueles de grande porte (1000 hectares), que demandam a realização de EIA/RIMA para instrução do licenciamento ambiental (inc. XVII do art. 2° da Resolução nº 1/86 do CONAMA).

O efeito esperado poderá ser oposto ao almejado, ocasionando maior insegurança jurídica e enormes prejuízos à sustentabilidade socioambiental, com a redução da proteção ambiental anteriormente conferida.

Além dos impactos diretos do PL para a segurança jurídica da implantação e manutenção dos projetos locais, também o financiamento internacional dos produtos e matérias-primas associadas ao cultivo de árvores realizado pelo Brasil poderá ser sensivelmente abalado. Isso porque os principais bancos internacionais – dentre eles, o Banco Mundial (26); o New Development Bank (27), ligado ao BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) (28) e o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento (29) exigem avaliações de impactos ambientais, que incluem procedimentos regulares de licenciamentos ambientais, para proceder ao financiamento.

Assim, o PL apresenta enormes riscos de redução da segurança jurídica para a criação e continuidade de projetos de silvicultura, bem como para a sua viabilidade econômica.

Retrocesso do ponto de vista da governança ambiental

Um dos elementos integrantes do quadripé da sustentabilidade é o da boa governança ambiental. Bosselmann (30) destaca que o Estado nacional é a principal instituição de governança ambiental e, no caso da silvicultura, não há como afastá-la do licenciamento e da avaliação dos impactos ambientais.

A ciência já identificou os aspectos nocivos da silvicultura, uma atividade que possui efeitos positivos e negativos e que, para ser sustentável, requer controles prévios estabelecidos através do licenciamento ambiental.

Observe-se que não se pretende a vedação da atividade. Ao contrário, apregoase que ela seja desenvolvida com mecanismos de prevenção de danos ambientais, que nada mais são do que os filtros a serem operados pelos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA por ocasião do licenciamento ambiental, de forma a possibilitar o desenvolvimento sustentável da atividade.

O PL, portanto, representa claro retrocesso da governança ambiental na medida em que fragiliza mecanismos já consolidados de sustentabilidade ambiental e social, em prejuízo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Necessidade de realização de audiências públicas

Considerados todos os aspectos ora amealhados, é evidente que o Projeto de Lei exige maior amadurecimento, especialmente com a participação qualificada do setor científico independente. Para tanto, é necessário que sejam realizadas audiências públicas, em conformidade com os dispositivos constitucionais e regimentais sobre a matéria.

O art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, exige a participação da sociedade nos processos de tomada de decisão, ao dispor que o poder deve ser exercido não apenas indiretamente, por meio de representantes eleitos, mas também diretamente. No mesmo sentido, o artigo 193, parágrafo único, do texto constitucional, assegura a participação da sociedade nos processos de formulação das políticas sociais, que incluem as políticas de meio ambiente. O próprio artigo 225 da Constituição Federal também destaca a necessidade de que a defesa e preservação do meio ambiente se dê pelo Poder Público e pela coletividade.

Especificamente em relação às audiências públicas no âmbito do Poder Legislativo, o artigo 58, parágrafo 2º, inciso II, do texto constitucional estabelece que cabe às Comissões Permanentes e Temporárias realizá-las com entidades da sociedade civil.

Como se vê, a democracia brasileira contempla expressamente mecanismos constitucionais de participação e controle social e a Constituição Federal prevê, de forma explícita, as audiências públicas como um dos instrumentos legislativos de democratização dos debates.

Assim, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê, em consonância com as disposições constitucionais, a competência das Comissões Permanentes para realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil, com a finalidade de instruir matéria legislativa em trâmite (art. 24, inciso III, e art. 225). A audiência pode, inclusive, ser pedida por entidade interessada (art. 225).

Considerados os potenciais impactos irreversíveis para o meio ambiente, impõese a realização de audiência pública perante a Comissão de Meio Ambiente, órgão competente para a realização de debates especializados na área discutida.

Belo Horizonte, 02 de agosto de 2022

Alexandre Gaio – Promotor de Justiça MPPR e Presidente da ABRAMPA
Ana Maria Moreira Marchesan – Procuradora de Justiça MPRS – Diretoria da ABRAMPA
Carlos Alberto Valera – Promotor de Justiça MPMG – Diretoria da ABRAMPA

Este texto foi originalmente publicado pela ABRAMPA de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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