Nova lei da UE reforça necessidade de medidas urgentes para desmatamento zero no Brasil

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Por WWF-Brasil | A União Europeia não permitirá mais a importação de produtos relacionados ao desmatamento de ecossistemas florestais, em qualquer parte do mundo. A decisão histórica foi tomada em reunião entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeus, iniciada nesta segunda-feira (5) e que avançou pela madrugada de terça-feira (6). O texto aprovado define a data de corte de 31 de dezembro de 2020 para desmatamento legal e ilegal, o que significa que commodities agropecuárias e madeireiras produzidas em terras desmatadas após essa data não poderão entrar e ser comercializadas na União Europeia. 

O texto legal aprovado traz progressos quando comparado com versões anteriores. Por exemplo, ele amplia a lista de produtos a serem barrados no caso de não cumprimento da lei: carne bovina, soja, café, cacau, óleo de palma e madeira, assim como itens que contenham ou que advenham de animais que tenham sido alimentados com essas commodities (como couro, óleos, chocolate, móveis, papel, borracha, carvão, entre outros).   

No caso de países produtores e exportadores, como o Brasil, entre os requerimentos importantes desta nova lei está a exigência de desmatamento zero, não sendo aceita a supressão legal, legalizável ou ilegal das florestas, segundo legislações do país de origem. Essa é uma determinação chave, pois dos pontos de vista climático e da biodiversidade, destruição é destruição, não importando se é aceita ou não em determinados contextos nacionais. 

A crise planetária que vivemos exige medidas firmes e urgentes. O bem comum de toda a humanidade não pode depender de interesses políticos ou corporativos de grupos pontuais, em países produtores. No fim do dia, sem um planeta funcional, não haverá sequer produção em países que ainda resistem em eliminar a devastação dos seus remanescentes de vegetação nativa. 

Em países como o Brasil, onde há recorrência de anistias legais a desmatadores e grileiros, será necessária a adoção de práticas mais consistentes de “enforcement” e combate ao crime ambiental, sob o risco de inviabilizar a exportação não só para a União Europeia, como também para outros países e blocos que, igualmente, avançam na elaboração de legislações similares. É notável o crescente número de importadores em processo de definição de políticas para não mais fechar os olhos à devastação de ecossistemas naturais promovida pelo consumo em seus territórios. 

“Ao contrário do que alegam alguns grupos que se opõem às disposições desta nova lei, diversos estudos científicos têm deixado claro que o Brasil pode mais do que dobrar a sua produção agropecuária sem precisar cortar uma árvore sequer. Sabemos que o desmatamento é um dos grandes vetores das mudanças climáticas, elevando emissões, extinguindo espécies, colapsando biomas e comprometendo serviços ecossistêmicos chave, como a manutenção do regime de chuvas. Serviços estes que são essenciais inclusive para garantir a pujança das produções agropecuária e florestal, no longo prazo. O desmatamento está, muitas vezes, associado também com a violação de direitos e de povos e comunidades locais”, afirma Frederico Machado, especialista em Políticas Públicas e Líder da Estratégia de Conversão Zero do WWF-Brasil.

“Os europeus fizeram história com esta primeira lei mundial contra o desmatamento. Como um grande bloco comercial, a UE não apenas mudará as regras do jogo para o consumo dentro de suas fronteiras, como também cria um grande incentivo para que outros países que fomentam (direta ou indiretamente) o desmatamento mudem as suas políticas e práticas. A lei não é perfeita, mas inclui muitos elementos de enorme contundência”, afirma Anke Schulmeister-Oldenhove, diretora Sênior de Política Florestal do Escritório de Política Europeia do WWF.

Cerrado e ecossistemas não-florestais

Ainda que não tenham sido contemplados nesta primeira versão da lei europeia os ecossistemas não-florestais, como o Pampa e grandes áreas dos biomas Cerrado, Pantanal e Caatinga, as autoridades envolvidas destacam que essa inclusão já está prevista e deverá ocorrer nas próximas revisões da legislação. O compromisso é que dentro de um ano, após o início da implementação, será avaliada a inclusão das chamadas áreas arbóreas não-florestais (“other wooded lands”, em inglês), mantendo a mesma data de corte definida na negociação: 31 de dezembro de 2020. E em não mais que dois anos, será considerada a inclusão dos demais ecossistemas naturais não-florestais do planeta. 

Especificamente sobre o Cerrado, a versão atual da lei já contempla uma parte do bioma – onde ocorre vegetação florestal – mas acaba deixando de fora áreas que vêm sofrendo grande pressão de expansão da fronteira agropecuária. O Cerrado é o bioma mais impactado pelo consumo europeu, com destaque para o desmatamento causado pela soja  e a pecuária bovina. 

A inclusão de ecossistemas não-florestais no escopo da lei vem sendo reiteradas vezes demandada aos membros da União Europeia por povos indígenas e comunidades tradicionais do Cerrado, com apoio de organizações acadêmicas e da sociedade civil, brasileiras e internacionais. Os povos do Cerrado têm informado que a contínua conversão do Cerrado gera, entre outros problemas, violentos conflitos de terra que afetam territórios de povos e comunidades, acarretando em abusos de direitos humanos e na destruição dos seus meios de vida e subsistência.

“Ainda que parte do Cerrado não tenha entrado no escopo dessa primeira versão da legislação da UE, zerar a conversão deste importante bioma já é compromisso assumido por centenas de grandes empresas, bancos e investidores nacionais e internacionais. O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de commodities e se quisermos continuar a vender para o exterior e a receber capital estrangeiro e investimentos, precisaremos adotar medidas contundentes e imediatas para barrar o desmatamento do Cerrado. Os compromissos privados aqui mencionados, somados ao conteúdo de novas legislações internacionais em elaboração, só fazem aumentar a urgência para que o novo governo brasileiro venha a cumprir com as suas promessas no campo socioambiental, e que trabalhe com empenho e em cooperação com setores brasileiros e de fora para zerar o desmatamento de todos os nossos biomas”, completa Frederico Machado.     

Produtos livres de desmatamento

A decisão tomada pela UE representa importante contribuição para conservação da biodiversidade, tema da COP15, que começa nesta quarta-feira (7) em Montreal, no Canadá. A UE é um dos maiores importadores mundiais de commodities associadas com o desmatamento, perdendo apenas para a China. Além de comprometer a sobrevivência das espécies, a destruição dos biomas também implica em emissões relevantes de gases de efeito estufa – no Brasil, por exemplo, mais de 70% das emissões estão associadas ao desmatamento e às atividades agropecuárias. 

Entre outros dispositivos, a legislação da UE define que as commodities importadas serão rastreados até a fazenda de origem (ou lote exato de terra onde ocorreu a produção), evitando possíveis brechas ou triangulações ilegais de produtos entre fazendas em conformidade e aquelas que desrespeitam os requerimentos, evitando fraudes desde as primeiras etapas das cadeias produtivas.

Estão também previstas duras penalizações às empresas exportadoras que não se adequarem e não cumprirem a nova legislação, incluindo multas pesadas, que partirão de pelo menos 4% do valor total anual das operações das corporações em território da UE.

Agora que os principais pilares da nova lei foram acordados, os negociadores se reunirão nas próximas semanas para alinhar detalhes e finalizar o texto. Entre os próximos passos, estão a aprovação e formalização pelos Parlamento e Conselho Europeus. A nova lei entrará em vigência em até 20 dias a partir de sua data de publicação no Diário Oficial da UE (“EU Official Journal”, em inglês), ainda que alguns dos seus artigos tenham até 18 meses para entrar em efetiva implementação. 


Este texto foi originalmente publicado por WWF Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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