Construído com base em confiança e cooperação, o Acordo de Paris completou cinco anos em dezembro e provocou reflexões sobre o seu sucesso até o momento. A data também marcou o prazo para que os países apresentassem atualizações ou novas metas climáticas (conhecidas como Contribuição Nacionalmente Determinada, ou NDCs) mais ambiciosas do que as de 2015, quando a capital francesa presenciou a histórica assinatura do acordo. Os compromissos apresentados naquele ano não são suficientes para limitar as mudanças climáticas e manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, por isso precisam ser maiores. Para alcançar esse objetivo globalmente, a soma das metas das novas e atualizadas NDCs devem representar uma redução de cerca de 55% das emissões até 2030 em comparação ao que foi acordado em 2015.
Por ocupar o sexto lugar entre os maiores emissor de gases de efeito estufa (GEE) do planeta e ter sido um ator relevante na construção do Acordo de Paris, o Brasil surpreendeu o mundo em dezembro de 2020 ao submeter uma nova NDC com menor ambição de redução de emissões para 2030 quando comparada à que já havia sido apresentada em 2015. O anúncio chegou em um momento no qual mais de 40 países, entre eles os 27 da União Europeia e o Reino Unido, além de vizinhos como Argentina, Chile e Colômbia caminham na direção oposta, com compromissos mais sólidos e a visão clara de que terão vantagens competitivas em um futuro inevitavelmente de economias descarbonizadas.
Um número crescente de evidências mostra que aumentar a ambição significa uma economia mais limpa, justa e resiliente, com crescimento maior e geração de empregos superior ao modelo de desenvolvimento atual – inclusive no cenário de crise imposto pela pandemia da Covid-19. Mas por que a NDC do Brasil ficou aquém do esperado? Veja os motivos pelos quais o anúncio brasileiro não é suficiente para tornar o país um líder na agenda climática.
A primeira NDC submetida pelo governo brasileiro, ratificada em 2016, previa a meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, ambas em comparação às emissões de 2005. Ela usava como linha de base para as metas a quantidade de emissões do Brasil de 2005 de acordo com o Segundo Inventário Nacional, produzido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Ao apresentar a nova NDC em dezembro de 2020, o governo brasileiro assumiu como meta os mesmos índices previstos na primeira NDC.
Porém, entre a primeira e a nova NDC apresentada em 2020, a contabilização de gases de efeito estufa que o Brasil emitiu em 2005 foi atualizada com a publicação do Terceiro Inventário Nacional. Esse inventário aprimorou a metodologia de cálculo de emissões, algo natural para incorporar o processo científico, o que resultou no aumento da contabilização de emissões para aquele ano. Se no segundo inventário a emissão em 2005 foi de 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e), no terceiro subiu para 2,8 GtCO2e.
Na prática, a nova NDC permite que o Brasil emita mais gás de efeito estufa do que anteriormente previsto, pois mantém a mesma porcentagem na meta apesar do aumento no valor absoluto a que essa porcentagem se refere. Por esse motivo a meta se torna menos ambiciosa. A nova NDC permite que o Brasil emita cerca de 400 milhões de toneladas de gás de efeito estufa equivalente a mais do que a meta submetida em 2015, como mostra o gráfico.
Apesar desse tipo de ajuste na linha de base ser justificável devido ao progresso científico, as novas metas deveriam incorporar um ajuste proporcional em termos absolutos. Para refletir o mesmo nível de ambição de 2015, a nova meta de redução de emissões apresentada pelo Brasil para 2030 deveria ser de 57% e não de 43%.
Em 2015, a NDC brasileira submetida continha um anexo com detalhes e esclarecimentos abrangentes sobre como e quais políticas o país estava planejando implementar para atingir a meta desejada. Lá estavam sinalizações importantes para 2030, como zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 e atingir entre 28% e 33% de energias renováveis não-hidrelétricas na matriz nacional. A NDC apresentada em 2020 não apresenta detalhes de como será alcançada, e não oferece nenhum indicativo de medidas setoriais a serem tomadas para alcançar as metas propostas.
A nova NDC apenas menciona que o governo estabeleceu uma política de pagamento por serviços ambientais e cita o programa Floresta +, fazendo referência aos mercados voluntários de carbono. Embora não sejam obrigatórios, os anexos das NDCs fornecem detalhes adicionais e importantes sobre como o país planeja cumprir os compromissos propostos. A omissão de tais detalhes torna a nova NDC vaga e imprecisa.
Comunicar claramente as políticas e medidas setoriais específicas a serem tomadas é muito relevante não apenas pela transparência e por uma governança mais robusta, mas por permitir que os diferentes setores econômicos e partes envolvidas estejam engajados, contribuam para a implementação dos compromissos e cobrem do governo os incentivos e ações necessárias. Essa redução da transparência pode inclusive comprometer o potencial apoio financeiro de outros países para a implementação de ações no país.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla em inglês) convida os países signatários do acordo a apresentarem uma estratégia de longo prazo, com objetivos até o meio do século compatíveis com o objetivo de manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C. Embora o Brasil tenha anunciado a intenção de chegar à neutralidade climática até 2060, o texto é vago por não apresentar uma estratégia formal de longo prazo nem detalhar planos ou medidas para alcançá-la.
Além disso, ao longo do texto, a nova NDC utiliza tanto o termo “neutralidade de carbono” quanto “neutralidade climática”, que são diferentes, sendo o primeiro relacionado apenas a emissões de dióxido de carbono e o segundo a todos os gases de efeito estufa. A neutralidade climática, portanto, é mais ambiciosa e deveria ser o foco do país.
Outro aspecto relevante é o condicionamento das metas presentes na nova NDC ao financiamento internacional. O texto do novo compromisso sugere que o aumento desses esforços de longo prazo – de 2060 para 2050 – dependeria de transferências financeiras de países desenvolvidos e que o Brasil requer US$ 10 bilhões por ano para realizar esforços de descarbonização – começando em 2021. O texto também não deixa claro se as metas para 2025 e 2030 estariam também condicionadas aos mecanismos de mercado e ao financiamento internacional.
A condicionalidade é uma mudança de postura em relação à NDC de 2015, que mencionava claramente que a sua implementação não dependia de apoio internacional – embora deixasse clara a importância desse tipo de suporte. O Brasil ganhou um status relevante no âmbito do Acordo de Paris no ano da sua assinatura ao indicar que poderia alcançar as metas por conta própria.
A definição sobre os mercados de carbono está entre as principais discussões em aberto para a Conferência do Clima (COP 26) em Glasgow, que ocorre em novembro. Um mecanismo de precificação de carbono bem estruturado é fundamental para o sucesso do acordo. Enfatizar a importância dessa questão é um passo importante da nova NDC, mas condicionar o sucesso do acordo a esse mecanismo é um retrocesso.
A NDC de 2020 não inclui qualquer menção à adaptação climática, um dos pilares do Acordo de Paris. Embora o texto cite a dimensão social como estratégica, não indica nenhum esforço de proteção às comunidades mais vulneráveis às mudanças climáticas. No cenário da crise econômica e social imposta pela Covid-19, essa seria uma sinalização importante, que estava presente na NDC de 2015 e foi retirada.
Não mencionar ações para enfrentar os impactos climáticos pode sinalizar um risco de mercado e dificultar a atração de capital estrangeiro para investimento em infraestrutura, por exemplo. Investidores cada vez mais consideram esse tipo de risco e priorizam investimentos verdes, capazes de reduzir emissões e que sejam resistentes a eventos climáticos extremos.
Enquanto as principais economias do planeta ampliam suas metas e discutem os caminhos para tornar a descarbonização uma oportunidade de desenvolvimento econômico e de recuperação econômica pós pandemia, o retrocesso do Brasil em sua NDC tira o foco do país da discussão do que importa – o avanço nas metas climáticas como salvaguarda para ganhos sociais e econômicos no futuro –, para a mera manutenção de conquistas passadas. A falta de ambição da meta climática brasileira pode interferir nas negociações do Tratado de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia, assim como dificultar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A sociedade brasileira e a economia do país podem se beneficiar muito de uma ação climática mais ambiciosa, especialmente em resposta à crise causada pela Covid-19. Medidas de baixo carbono resultariam num aumento acumulado adicional do Produto Interno Bruno (PIB) brasileiro de R$ 2,8 trilhões até 2030 e gerariam 2 milhões de empregos a mais do que o modelo de desenvolvimento atual.
No cenário desafiador da Covid-19, o Brasil está abdicando de um potencial significativo para se recuperar melhor da crise. Para um país que está bem posicionado para alcançar uma economia mais limpa, justa e resiliente, não elevar a ambição significa limitar as saídas da recessão atual.
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