Acompanhar a devastação do Cerrado nas últimas décadas é um exercício necessário, sobretudo porque o desaparecimento do bioma compromete a segurança hídrica e alimentar do Brasil. A savana mais biodiversa do planeta já perdeu 55% de sua vegetação nativa e é surpreendente que seja mais conhecida como “celeiro do mundo” do que por sua inestimável contribuição socioambiental.
Num esforço para trazer dados precisos, jogar um holofote sobre a situação e ajudar na tomada de decisões sobre a gestão do bioma, o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig/UFG) lançou no final do ano passado a Plataforma de Conhecimento do Cerrado.
A ferramenta virtual, bilíngue e colaborativa permite identificar cronologicamente a situação do uso do solo e da socioeconomia do bioma, associando fatores físicos, dados sociais e de biodiversidade, por meio do cruzamento de dados, inclusive com imagens aéreas.
“O Cerrado precisa urgentemente ser conhecido, só assim teremos a chance de salvá-lo. Sua devastação é resultado de ações e políticas públicas, que desde 1970 foram transformando a paisagem da savana para beneficiar o agronegócio. É preciso mudar essa ideia de ‘celeiro’ que as pessoas têm sobre a região”, diz o professor Ivanilton Oliveira, diretor do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, no qual o Lapig está inserido.
Do ponto de vista hidrológico, o Cerrado abriga três dos aquíferos que abastecem o país: Guarani, Urucuia e Bambuí. A ecologia do Pantanal, a maior planície alagada do mundo, depende da água que flui do Cerrado, enquanto a maioria dos afluentes sul do Rio Amazonas origina-se também neste ecossistema. O bioma ainda fornece água para o consumo humano e a agricultura através de escoamento superficial, recarga subterrânea e por meio de fluxos na atmosfera para a formação de chuvas em várias regiões do país — recurso beneficiado pela localização central do Cerrado, conectando diversos biomas.
A plataforma, produzida com financiamento de instituições estrangeiras através do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês), levou cerca de seis meses para ser consolidada. O esforço coletivo envolveu a UFG e diversos parceiros, incluindo ONGs, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC/Inpe), Ministério Público de Goiás e Mapbiomas.
Dividido em três subplataformas — Socioambiental, Imagens Aéreas e Desmatamento —, o site traz ainda dados estatísticos de 1985 a 2019, tutoriais de geoprocessamento, acervo de fotos e biblioteca digital para livros e artigos científicos relacionados ao bioma. Todos foram contribuição de instituições públicas, privadas, acadêmicas e organizações ambientalistas.
No ambiente virtual é possível identificar, por exemplo, conflitos territoriais ou conflitos por água em terras indígenas, unidades de conservação, propriedades rurais e territórios quilombolas, denunciados pela Comissão Pastoral da Terra. A ferramenta permite visualizar os resultados por estado, município ou localização geográfica de interesse próprio.
Pode-se ainda visualizar cartograficamente uma clara divisão na paisagem atual do bioma: o centro-sul já bastante transformado pela bovinocultura e a expansão da fronteira agrícola (especificando os principais tipos de cultivo), avançando para o norte do país, especialmente nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (região conhecida por Matopiba).
Segundo Paulo Cícero Lopes, mestrando em Geografia da Unimontes, em Montes Claros (MG), participante de um dos cursos de capacitação para uso da plataforma, trata-se de uma ferramenta muito sólida, intuitiva e clara para quem busca dados precisos. “Ter tudo num ambiente só possibilita análises não só para organizações ambientalistas, mas também para o poder público, já que são dados que podem melhorar o planejamento do território. Eu diria que é um canivete suíço: dá uma visão do Cerrado como um todo e vai nos ajudar a implementar a boa gestão que precisamos para os recursos naturais desse hotspot”, atesta.
Manuel Ferreira, professor da UFG e coordenador geral da iniciativa, revela que a fonte de inspiração foi o Global Forest Watch: “Claro que existem várias plataformas que disponibilizam informações sobre o Cerrado; contudo, reunir esse enorme conhecimento numa única plataforma favorece os pesquisadores do Brasil e do mundo no intuito de encontrar e cruzar esses dados com maior facilidade”.
O professor reforça que a plataforma é inédita no Brasil e reitera a necessidade da divulgação e colaboração de órgãos e instituições na constante atualização de dados:
“Na seção ‘Contribua com a Plataforma’, existe um formulário a ser preenchido e um ambiente para o upload de arquivos. Depois de uma avaliação por nossa equipe técnica, o material pode ser disponibilizado publicamente, acompanhado dos devidos créditos e contexto.”
“Nossa intenção é sermos referência nacional para quem pesquisa o Cerrado. Em três meses já temos muito conteúdo, mas contamos com a contribuição da comunidade acadêmica, órgãos públicos e sociedade civil em prol da preservação do bioma”, conclui o professor da UFG.
Os idealizadores já realizaram quatro capacitações online para acessar a ferramenta, que podem ser acessadas aqui.
Fonte: Clarissa Beretz em Mongabay – Licenciado sob Creative Commons Attribution-NoDerivatives 4.0 International License
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais