Por Leticia Moser, da Conexão UFRJ | Dados do estudo Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, produzido pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), dizem que cada brasileiro produz, em média, 379,2kg de lixo por ano, o que representa mais de 1kg por dia. Esse lixo está espalhado nos oceanos, nas florestas, nas calçadas, nos aterros e lixões. Há alguns anos, o estado do Rio de Janeiro abrigou o maior lixão da América Latina, o Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, que foi desativado em 2012. No entanto, a população que mora no local ainda sofre com as consequências de dez anos atrás, como a poluição de solo e rios, doenças e a desvalorização da região.
A economia linear se baseia em extrair recursos, produzir bens e descartar os rejeitos. Esse modelo está enraizado na nossa economia, causando o esgotamento dos recursos finitos do meio ambiente e uma enorme geração de resíduos. Um dos grandes desafios para nosso país é ter um processo de reciclagem mais eficiente e de menor custo, porém, devido aos tributos, os produtos reciclados acabam atingindo um valor final mais caro do que um produto novo.
É preciso buscar novos modelos que tenham vida útil, ou seja, que facilitem a transformação de produtos e serviços em matéria-prima para outros produtos em um ciclo contínuo, como é o caso da economia circular. Esse modelo adota práticas sustentáveis e pensa no ciclo inteiro do produto, repensando as formas de produzir e consumir. Os materiais são aproveitados em cadeia de forma cíclica e os recursos naturais são valorizados em todas as etapas produtivas. A sustentabilidade e a valorização dos recursos naturais resultam em melhores condições de saúde aos seres humanos. Assim, há benefícios para o ambiente, para o crescimento econômico e para a população.
O livro Catalisando a economia circular: conceitos, modelos de negócios e sua aplicação em setores da economia, organizado por Suzana Borschiver e Aline Souza Tavares e que conta com a participação de mais seis autores, será lançado pela Editora UFRJ no Festival do Conhecimento da UFRJ, evento organizado em formato on-line pela Pró-Reitoria de Extensão, que acontecerá de 29/8 a 2/9.
Estão entre os 14 textos reunidos nesta coletânea Como medir a economia circular, Quem são os atores que já atuam no Brasil e Como o conceito tem sido aplicado em diferentes setores da economia. Nela, os autores apresentam cases inspiradores e abordam os principais aspectos da economia circular.
Para saber mais sobre a obra, o Conexão UFRJ conversou com a professora Suzana Borschiver.
Conexão UFRJ: Como surgiu a ideia de produzir o livro e qual a importância desse tema para a sociedade?
Suzana: Este livro é fruto de um projeto de Extensão da UFRJ, iniciado em 2018 sob minha coordenação, denominado Catalisando a Economia Circular. Nesse projeto, procurou-se valorizar e aproveitar a vocação dos alunos envolvidos, nas suas respectivas faculdades e experiências, incentivando-os a pensar e discutir sobre o tema, que abrange questões ambientais, sociais e de sustentabilidade da nossa sociedade.
O tema degradação ambiental é bastante complexo e envolve diversas questões, como resíduos industriais, geração de lixo, mudanças climáticas, qualidade do ar e os consequentes riscos de doenças às populações. O livro visa demonstrar que o modelo de economia linear, baseado na geração de valor impulsionada pelo desperdício, sem preocupação e responsabilidade no momento do processo de fabricação, na distribuição e na forma de despejo, tem se mostrado bastante obsoleto. Em paralelo, temos assistido ao crescimento cada vez maior da população mundial, intensificando o uso de recursos naturais, como alimentos, energia e água e, consequentemente, o consumo desenfreado de produtos e serviços. Nesse sentido, o alcance do desenvolvimento sustentável tem se tornado cada vez mais desafiador.
Como fazer um uso mais eficiente dos recursos, ter uma economia rentável, uma sociedade mais justa e um meio ambiente saudável sem comprometer a capacidade das gerações futuras? Por se tratar de um conceito em difusão e que provoca mudanças disruptivas na sociedade, a sua implementação em larga escala traz consigo algumas questões: como integrar o volume de descartes gerados no final de uma cadeia produtiva ao seu início, tornando cada tipo de resíduo um novo recurso? Como fazer a transição do modelo tradicional linear para o modelo circular? Como medir a circularidade de modo que a sua ação crie valor agregado para a sociedade?
Conexão UFRJ: O que é a economia circular e qual a relação do conceito com a sustentabilidade?
Suzana: O conceito de economia circular, tema central deste livro, é baseado na preservação e no aumento do capital natural por meio do controle dos estoques finitos e do equilíbrio dos fluxos de recursos renováveis. Tanto a sustentabilidade quanto a economia circular são conceitos que caminham juntos, sendo que a economia circular trata principalmente de inovações no design de produtos e de modelos de negócio desde o início do seu projeto de modo que tornem o fluxo de recursos um ciclo fechado. Trata de um modelo que busca a circularidade no uso de materiais e energia fundamentado na preservação e aumento do capital natural por meio do controle dos estoques finitos e do equilíbrio dos fluxos de recursos renováveis e na otimização da produção de recursos devido à circulação de produtos, componentes e materiais. Tendo em sua origem princípios de diversas escolas de pensamento, como a Ecologia Industrial e a Biomimética, a economia circular tem sido apresentada como um modelo alternativo, cujas estimativas indicam diversas oportunidades econômicas.
Conexão UFRJ: Como o livro é organizado?
Suzana:Por tratar de um conceito em construção, porém de grande potencial, este livro destina-se a ampliar o conhecimento sobre as inovações e os modelos de negócio que podem estar sendo gerados pelas formas de circularidade decorrente desse modelo de produção. Além do capítulo introdutório, nos capítulos 1 e 2 encontra-se a discussão do conceito de economia circular profundamente embasado na literatura, bem como algumas formas de medição da circularidade nos níveis macro (cidades), meso (parques industriais) e micro (produtos). No capítulo 3, são apresentados alguns exemplos de cursos on-line sobre o tema e áreas transversais, além de palestras sobre o assunto em plataformas virtuais como o TED. No capítulo 4, são apresentados os atores pioneiros e suas respectivas iniciativas nesse modelo, como a Fundação Ellen MacAthur e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (United Nations Industrial Development Programme – Unido). No capítulo 5, são discutidos os modelos de negócio circulares, como a logística reversa, a simbiose industrial, entre outros. No capítulo 6, é discutido o comportamento da economia circular no âmbito das pesquisas científicas, incluindo o histórico, os países e as áreas das publicações. Nos capítulos seguintes, alguns modelos de negócios circulares são detalhados, a saber: logística reversa, no capítulo 7, com exemplos em prática no mercado, como o da Coca-Cola e o retorno das suas embalagens, bem como em pesquisas acadêmicas; simbiose industrial, no capítulo 8, explorando as possibilidades da simbiose local e virtual; e chemical leasing, no capítulo 9, com alguns exemplos práticos e premiados, como o da parceria entre a Ecolab e o Hotel Windsor Atlântica.
Outro exemplo é a participação das empresas por alguns setores da economia, quais sejam: biotecnologia, no capítulo 10; energia, no capítulo 11, onde são correlacionados os respectivos exemplos por tipo de building block da economia circular; a moda, no capítulo 12, destacando a economia criativa como fator de peso para a economia circular nesse setor; a indústria química no capítulo 13, com exemplos práticos por tipo de building block da economia circular; e a indústria do aço, no capítulo 14, onde são discutidas as iniciativas globais e nacionais desse setor, como o projeto Era-Min de incentivo financeiro e o sistema de autossuficiência energética da Ternium, respectivamente.
Conexão UFRJ: Como foi o processo de colaboração entre as autoras e os vários coautores na construção do livro?
Suzana: O livro foi construído a partir de trabalhos e discussões do grupo do Projeto de Extensão. Uma das grandes motivações foi o workshop de Economia Circular, organizado por esse grupo e realizado no dia 3/10/2019 na UFRJ. No período da manhã, o Núcleo de Estudos Industriais e Tecnológicos (Neitec), coordenado por mim, apresentou os conceitos, princípios e modelos de negócios com ênfase nos modelos de Simbiose Industrial, Chemical Leasing e Logística Reversa. Ainda no período da manhã, foram apresentadas as iniciativas do Instituto Senai de Inovação relacionadas com a Economia Circular. No período da tarde, foram convidadas para palestrar e apresentar cases algumas empresas situadas no Parque Tecnológico da UFRJ: a Toco Engenharia e Inovação Ambiental Ltda, a Pólen e a Mancha Orgânica. Essa interação universidade/empresa foi de grande valia na elaboração do livro, uma vez que aproximou os coautores (alunos do projeto de extensão) do mercado e do conceito de aplicabilidade final.
Conexão UFRJ: O livro é indicado para o público em geral ou é necessário ter um conhecimento prévio sobre o tema antes de iniciar a leitura?
Suzana: Este livro pretende atender desde leitores especializados no tema, como professores, estudantes de nível médio, graduação e pós-graduação, até os curiosos, iniciantes nesse mundo da economia circular e dos novos modelos de negócios.
Conexão UFRJ: Vocês esperam que a leitura dos textos possa gerar algum tipo de resposta nos leitores? Quais?
Suzana: Sim, uma das estratégias para se encontrarem as possíveis respostas está na educação e na conscientização. Um modelo econômico que implica mudanças na maneira de pensar e agir de uma sociedade exige a formação de pessoas e profissionais voltados para a sua aplicação. Por isso, o projeto de extensão que originou este livro exerce um importante papel nessa transição ao gerar conhecimento sobre o tema para os envolvidos e incentivá-los a desenvolver as habilidades necessárias. Outra estratégia está na mudança de atitudes, sejam elas no âmbito organizacional, dos governos ou das pessoas. A publicação deste livro é uma forma de entregar para a comunidade externa o fruto desse trabalho, colocando os seus integrantes como agentes de transformação social. Nesse contexto, os capítulos aqui apresentados são propositadamente variados, de modo que possamos discorrer sobre tópicos absolutamente pertinentes à economia circular, mas até o momento não consolidados em uma só obra. Se queremos uma economia mais resiliente, uma sociedade mais justa e um meio ambiente mais saudável, que façamos o caminho. Esperamos que a leitura desta obra possa elucidar o assunto e despertar o senso crítico sobre as atitudes, formas ou estratégias pelas quais podemos começar.
Suzana Borschiver é professora titular da Escola de Química da UFRJ, engenheira química com doutorado e pós-doutorado na área de Gestão e Inovação Tecnológica e líder/coordenadora do Núcleo de Estudos Industriais e Tecnológicos (Neitec) (www.neitec.eq.ufrj.br).
Aline Souza Tavares é mestra em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos e vice-coordenadora do projeto de extensão Catalisando a economia circular na Escola de Química/UFRJ.
O livro já está disponível gratuitamente no site da Editora.
Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Vanessa Silva.
Este texto foi originalmente publicado por Conexão UFRJ de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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