Por James MacCarthy, Sasha Tyukavina, Mikaela Weisse e Nancy Harris, da WRI Brasil | Novos dados sobre as florestas no mundo confirmam o que temíamos há muito tempo: os incêndios florestais estão mais extensos, queimando hoje quase o dobro de cobertura vegetal do que há 20 anos.
A partir de dados de um novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Maryland, o Global Forest Watch identificou que os incêndios florestais causaram 3 milhões de hectares a mais de perda anual de cobertura florestal em 2021 em comparação a 2001 – uma área equivalente ao território da Bélgica – e foram responsáveis por mais de um quarto de toda a perda de cobertura vegetal dos últimos 20 anos.
De fato, 2021 foi um dos piores anos em termos de incêndios florestais desde a virada do século: 9,3 milhões de hectares perdidos em todo o mundo – mais de um terço do total da perda de cobertura vegetal ocorrida no ano.
Por que os incêndios estão mais graves?
As mudanças climáticas são um dos principais fatores para o aumento dos incêndios. Ondas de calor extremo já são cinco vezes mais comuns hoje do que há 150 anos e devem se tornar ainda mais frequentes à medida que o planeta continuar a aquecer. Temperaturas mais altas ressecam a paisagem e ajudam a criar o ambiente perfeito para incêndios florestais mais extensos e mais frequentes. Esse cenário, por sua vez, leva a um aumento das emissões originadas pelos incêndios, contribuindo para as mudanças climáticas e para ainda mais queimadas, como parte de um ciclo climático dos incêndios.
Esse ciclo, associado à expansão de atividades como agricultura para dentro das áreas florestais, tem causado boa parte do aumento dos incêndios observado hoje, incluindo os recentes incêndios recordes na França e em outras áreas da Europa. A seguir, uma análise de alguns dos lugares mais impactados pelo aumento dos incêndios florestais, de acordo com os dados mais recentes:
O incêndios nas florestas boreais ameaça liberar mais carbono
A maior parte – quase 70% – da perda de cobertura vegetal relacionada a incêndios nas últimas duas décadas aconteceu em regiões boreais. Embora o fogo faça parte do funcionamento ecológico dessas florestas, a perda de cobertura em decorrência de incêndios aumentou a uma taxa de 110 mil hectares (3%) por ano ao longo dos últimos 20 anos – cerca de metade do aumento total.
Esse aumento provavelmente se deve ao fato de que as regiões ao norte, de latitudes mais altas, estão aquecendo mais rápido que o resto do planeta, o que contribui para temporadas de incêndios mais longas, incêndios mais severos e frequentes e uma maior extensão de áreas queimadas nessas regiões.
Em 2021, por exemplo, a Rússia registrou um número alarmante: 5,4 milhões de hectares de perda de cobertura vegetal relacionada a incêndios, o maior índice nos últimos 20 anos e 31% a mais do que em 2020. Essa perda recorde foi devida, em parte, a ondas de calor prolongadas que seriam praticamente impossíveis sem as mudanças no clima induzidas por atividades humanas.
Essa tendência é preocupante porque as florestas boreais são um dos maiores armazenadores terrestres de carbono do planeta, com a maior parte do carbono armazenado abaixo do solo, inclusive no permafrost. Historicamente, esse carbono tem sido protegido de incêndios menos frequentes que acontecem naturalmente. No entanto, as mudanças no clima e nas ocorrências de incêndios estão derretendo o permafrost e deixando o carbono do solo mais vulnerável à queima.
Eventualmente, essas mudanças na dinâmica florestal podem fazer com que as florestas boreais deixem de ser sumidouros de carbono (áreas que absorvem mais carbono do que emitem) para se tornar uma fonte de emissões.
Expansão agrícola e degradação aumentam incêndios nas florestas tropicais
Diferentemente do que acontece com as florestas boreais, os incêndios de substituição não fazem parte do ciclo ecológico das florestas tropicais, mas também estão aumentando nessas regiões. Nos últimos 20 anos, a perda de cobertura vegetal relacionada a incêndios nos trópicos aumentou a uma taxa de cerca de 36 mil hectares (em torno de 5%) por ano. Os incêndios nas regiões tropicais foram responsáveis por cerca de 15% do aumento total da perda de cobertura florestal por incêndios no mundo.
Embora os incêndios sejam responsáveis por menos de 10% da perda total de cobertura vegetal nos trópicos, causas mais comuns, como o desmatamento para o cultivo de commodities e a agricultura itinerante, deixam as florestas tropicais menos resilientes e mais suscetíveis ao fogo. O desmatamento e a degradação florestal, associados com a expansão agrícola, levam a temperaturas mais altas e ressecam a vegetação.
Além disso, nessas regiões, é relativamente comum usar o fogo para abrir novas áreas de pastagens ou cultivos depois que as árvores foram derrubadas e deixadas no chão para secar. Nos nossos dados, essa prática não é considerada perda de cobertura decorrente de incêndios porque as árvores já foram cortadas. No entanto, durante períodos de seca, essas queimadas podem escapar para as florestas no entorno. Como resultado, quase todos os incêndios que ocorrem nas regiões tropicais são iniciados pelas pessoas e não por fontes de ignição naturais, como a queda de raios. Os incêndios são ainda reforçados pelas condições de clima mais quente e seco, o que pode deixá-los fora de controle.
Além do clima e das mudanças de uso da terra, o risco de incêndios nos trópicos também é alimentado pelas ocorrências do El Niño, ciclos climáticos naturais que se repetem a cada 2-7 anos e deixam as chuvas abaixo da média em partes do Sudeste Asiático e da América Latina. Na temporada de 2015-2016 do El Niño, a perda de cobertura vegetal em decorrência de incêndios foi dez vezes maior nas florestas tropicais do Sudeste Asiático e da América Latina.
De forma semelhante ao que acontece nas florestas boreais, o aumento da perda de cobertura vegetal por incêndios nas regiões tropicais também tem resultado em níveis mais altos de emissões de carbono. Estudos anteriores mostram que, em alguns anos, os incêndios florestais foram responsáveis por mais de metade das emissões de carbono na Amazônia brasileira. Essa informação indica que a bacia amazônica pode estar se aproximando ou talvez já tenha atingido um ponto sem volta, tornando-se uma fonte líquida de carbono.
Como podemos reduzir os incêndios florestais?
As causas do aumento dos incêndios florestais são complexas e variam de forma significativa de região para região. Muito já foi escrito sobre como fazer o manejo dos incêndios florestais e mitigar os riscos, mas não existe uma solução mágica.
As mudanças climáticas claramente desempenham um papel relevante para que os incêndios se tornem mais intensos e frequentes, principalmente nas florestas boreais. Sendo assim, não existe solução para reduzir a ocorrência de incêndios de volta ao que costumava ser sem reduzir de forma drástica as emissões de gases do efeito estufa e sem romper com o ciclo climático dos incêndios. Mitigar os piores impactos das mudanças climáticas ainda é possível, mas exige transformações rápidas e significativas em todos os setores.
Além das mudanças no clima, a atividade humana dentro e no entorno das florestas, uma vez que as deixa mais suscetíveis à queima, representa uma contribuição importante para os altos níveis de perda de cobertura vegetal por incêndios nos trópicos. Interromper o desmatamento e acabar com a degradação florestal para melhorar a resiliência das florestas é fundamental para prevenir futuros incêndios, assim como restringir as queimadas no entorno, as quais podem se espalhar e atingir as florestas, principalmente em períodos de seca.
Embora sozinhos não possam resolver o problema, os novos dados do Global Forest Watch sobre a perda de cobertura vegetal causada por incêndios, associados a outras informações de monitoramento, podem nos ajudar a rastrear a ocorrência de incêndios ao longo do tempo e, com isso, identificar tendências e reagir de forma eficaz e duradoura.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.