Ricardo Abramovay explica as tendências da agricultura vertical e carnes cultivadas num momento em que novas tecnologias colocam a agricultura convencional em xeque
Por Juliana Alves em Jornal da USP –
Inovações recentes colocam o agro convencional em xeque: agricultura vertical e carnes cultivadas podem levar a uma mudança drástica de um dos mais importantes setores da economia global, o mundo das commodities agropecuárias. A agricultura vertical tem ambientes mais controlados e é menos dependente de agrotóxicos. Já as carnes cultivadas são elaboradas no laboratório a partir de células de animais que ficam num ambiente que permite o crescimento de algo que vai se assemelhar à carne desses animais, uma vez abatidos. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o professor Ricardo Abramovay, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, analisa essas tendências.
O modelo tradicional está em xeque porque se apoia na ideia de que a simplificação das paisagens agropecuárias é o melhor caminho para a elevação nas quantidades produzidas, segundo o professor. Ele conta que, desde a década de 60, foram introduzidas inovações tecnológicas que permitiram a difusão do uso dos fertilizantes nitrogenados e, nessa época, foi feito um pacote tecnológico que consiste em sementes muito suscetíveis ao uso desses fertilizantes em paisagens homogêneas, em grandes extensões passíveis de mecanização em larga escala, principalmente na América Latina. E, como essas paisagens são simplificadas, só podem sobreviver com o uso intensivo de agrotóxicos. No caso de criações de animais, houve a redução nas raças de criação, que permitiram a multiplicação na quantidade de animais criados ao mesmo tempo, em apenas um lugar, o que resultou no uso de larga escala de antibióticos. “Hoje 70% dos antibióticos que a humanidade produz são destinados a essas criações concentracionárias”, comenta Abramovay.
Modelo em crise
O professor descreve que esse modelo entrou em crise, pois é apoiado em quantidade pequena de variedades de sementes e de raças. “O que acontece é que as doenças vão driblando as formas de combatê-las, quanto mais agrotóxicos são utilizados, as pragas e insetos resistentes a essas pulverizações vão exigir agrotóxicos cada vez mais poderosos, como o caso das culturas transgênicas. Isso provoca uma crise que se soma às mudanças climáticas, que têm provocado situações de seca, por exemplo – só neste ano, houve uma perda de mais de R$ 35 bilhões no Rio Grande do Sul. É um modelo condenado no mundo todo”, contextualiza.
“Tanto a vertente da agroecologia como as de agricultura vertical e as carnes cultivadas são apoiadas em tecnologia e na ciência, e deixaram de ser conhecidas como alternativas, tanto que fazem parte da política oficial da União Europeia”, avalia o professor. A agroecologia consiste em conhecer profundamente a natureza e usá-la em benefício dos objetivos humanos, e esse é um caminho que os europeus estão tomando para enfrentar a crise derivada do modelo anterior. A União Europeia está fazendo uma grande campanha para reduzir o consumo de carne e para combater a obesidade, temas que estão ligados aos padrões de consumo atuais intensivos de carnes e produtos ultraprocessados, de acordo com Abramovay.
Esses avanços tecnológicos são estudados no Brasil: a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estuda tanto a agricultura vertical como as carnes cultivadas. No entanto, o professor considera que a principal mensagem que está sendo mandada para o Brasil é a desconstrução do mito de que o mundo depende dos grãos brasileiros, sem os quais vai passar fome. “Daqui a dez anos a demanda de grãos vai diminuir drasticamente, porque o mundo inteiro está preocupado com o que está acontecendo na Amazônia. O Brasil tem todas as condições para ser vanguarda na agroecologia, na junção entre a oferta alimentar e a proteção da biodiversidade. A hora é de conciliar a agricultura e a valorização da biodiversidade.”