Fluoretação da água enfrenta retrocessos impulsionados por decisões judiciais e debates científicos controversos
Governos municipais nos Estados Unidos adicionam flúor à água potável há décadas, uma prática respaldada por extensos dados científicos que comprovam sua eficácia na prevenção de cáries e no fortalecimento do esmalte dentário. Contudo, a disseminação de informações imprecisas por figuras públicas e políticos tem colocado essa medida em risco, ameaçando a saúde bucal de milhões de pessoas.
Recentemente, declarações alarmistas reacenderam a controvérsia em torno da fluoretação da água. Um exemplo veio de Robert F. Kennedy Jr., ex-candidato presidencial e indicado ao cargo de Secretário de Saúde e Serviços Humanos (HHS) no governo de Donald Trump. Ele classificou o flúor como “resíduo industrial” e atribuiu a ele uma lista de supostos malefícios, como artrite, câncer ósseo, doenças da tireoide, perda de QI e problemas no desenvolvimento neurológico. Tais alegações, que carecem de sustentação científica sólida, têm potencial para influenciar legislações locais e práticas de saúde pública.
Embora as decisões sobre a fluoretação sejam atualmente de responsabilidade de governos estaduais e municipais, o contexto federal também exerce influência. O Ato de Água Potável Segura, que regula contaminantes na água, pode ser utilizado por opositores da fluoretação para impor novas restrições. Em um caso recente, um juiz na Califórnia determinou que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) endurecesse os limites de flúor na água potável, apoiando-se em um estudo científico controverso rejeitado duas vezes por falta de rigor metodológico. Essa decisão abre precedente para novas disputas jurídicas.
Pesquisadores alertam que enfraquecer a fluoretação pode agravar desigualdades no acesso à saúde dental, especialmente em comunidades com menos recursos para tratamentos odontológicos. Para a médica pediatra Charlotte W. Lewis, da Universidade de Washington, o flúor é uma medida preventiva eficaz que beneficia populações vulneráveis. Dados amplamente aceitos demonstram que a fluoretação reduz drasticamente a incidência de cáries, especialmente em regiões onde serviços odontológicos são limitados.
A EPA, sob a administração Biden, estuda recorrer da decisão judicial, mas a chegada de um novo governo pode alterar essa trajetória. Além disso, a retórica de figuras como Kennedy já influencia comunidades locais: mais de 170 municípios norte-americanos decidiram interromper a fluoretação desde 2010, de acordo com registros de um grupo antiflúor. Recentemente, legisladores estaduais em Kentucky e Geórgia propuseram medidas para eliminar a obrigatoriedade do flúor em suas águas públicas.
A manutenção ou redução do flúor na água é mais do que uma questão técnica: é um reflexo de como decisões políticas moldam o acesso à saúde pública. Em meio à polarização e à propagação de desinformação, especialistas defendem a importância de decisões baseadas em evidências para evitar retrocessos que afetem diretamente a qualidade de vida da população.
Fonte: Scientific American