O expansionismo na agricultura deve dar lugar ao da intensificação

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Por Maria Garcia – IPAM Amazônia | O que sabemos até agora sobre a viabilidade de recuperação de áreas degradadas para o aumento da produtividade do agronegócio?

O aproveitamento de áreas degradadas ou de conversão para outras atividades econômicas é um imperativo do desenvolvimento da agricultura. Não apenas no Brasil, mas mundialmente.

Estamos vivendo um momento no qual expandir a fronteira agrícola é contribuir negativamente para o clima do planeta. Para a evitarmos esse dano adicional, temos que aproveitar o máximo possível das áreas que já estão abertas.

O Brasil tem muita área degradada. A gente usou muito mal o nosso solo nas últimas décadas. Há muitas áreas que já estão convertidas para pastagem que podem ser transformadas em agricultura ou em outras atividades mais produtivas e intensificadas. Esse é o desafio da reclassificação dessas áreas.

Considerando isso, por que o agronegócio se mostra resistente a essas novas possibilidades? Quais estratégias podem ser tomadas para diminuir essa resistência de considerar a recuperação?

Nós temos que pensar em uma mudança de paradigma. O paradigma que nos trouxe até aqui, que ainda está vigente, é aquele que atrela a expansão da fronteira à única forma de aumentar a produção.

É um processo contínuo e vem desde os anos 60. Mais ou menos metade do Cerrado e 20% da Amazônia já foram consumidos devido à essa visão da expansão permanente da fronteira.

Hoje, por conta das mudanças climáticas, o mundo não suporta a continuidade desse modelo. Teremos que substituir esse paradigma. O novo, de intensificação, é o grande desafio.

Não apenas o Brasil, que é um grande produtor, mas o mundo inteiro terá que se adaptar à forma de produzir em menor área.

Isso implica em desenvolvimento de tecnologia – variedades de plantas e equipamentos, por exemplo – e capacitação de gente. Precisaremos de pessoas para fazer essa agenda valer. Teremos que modernizar políticas públicas.

Quais são as políticas que o Estado pode desenvolver para contribuir com o agronegócio dentro desse processo?

Posso resumir em três grandes políticas públicas, ou eixos, que já usamos no passado.

O Brasil, na década de 1960, era um importador de alimentos. A gente comprava de fora arroz, feijão e, às vezes, carne e fruta. Então, na realidade, tinha um problema de balança comercial. Gastávamos muito dólar para poder comprar esses produtos.

Em 50 ou 60 anos, o Brasil fez uma revolução. Passou de importador de alimentos para um dos maiores produtores exportadores em 50 anos. Como fizemos isso? Foram três grandes políticas criadas à época e que devem, a meu ver, ser adaptadas para esse novo cenário.

A primeira é a pesquisa agropecuária. A Embrapa foi um fator chave para adaptar as plantas do hemisfério norte para serem cultivadas aqui no Brasil.

Segundo, os incentivos creditícios. O Plano Safra disponibiliza quase 500 bilhões de reais de dinheiro público para financiar a agricultura todos os anos. Essa é uma enorme alavanca para poder financiar a sustentabilidade. Dar descontos na taxa de juros para os fazendeiros que respeitam o Código Florestal é um exemplo. O Ministério da Agricultura e o Ministério da Fazenda que desenham isso.

A terceira são incentivos fiscais, que são diferentes dos créditos. São incentivos para atrair investidores, por exemplo, para realizar a restauração florestal. É muito caro fazer restauração florestal, então você tem que ter algum incentivo público.

Tem que ter uma simbiose, uma integração entre o setor público e privado. Mas o incentivo e o estímulo devem vir do setor público. O setor privado vai ser provocado e instigado a investir, desde que o poder público dê sinal.

Hoje, o agronegócio investe para destruir floresta porque, infelizmente, o Plano Safra ainda financia o desmatamento. Então, esse tipo de paradigma tem que mudar.

E como instituições da sociedade civil organizada, a exemplo do IPAM, podem fazer parte deste processo?

Seria mostrar que a floresta e a vegetação nativa, na realidade, agregam e ajudam a produção, como estamos fazendo com o projeto GALO (Acesso Global pela Observação Local, na sigla em inglês), por exemplo. Sabemos, por exemplo, que a soja é mais produtiva quando está perto de um fragmento de floresta. Seja por causa da umidade ou devido aos inimigos naturais de pragas, ela acaba sendo mais produtiva.

A gente sabe que quanto maior o percentual de vegetação nativa em uma fazenda, maior a produtividade de soja e de milho. Logo, a gente já começa a entender que a floresta, em vez de um obstáculo a ser vencido pela agricultura, é na realidade necessária para que a ela possa performar.

É a necessidade ou a oportunidade para uma instituição como a nossa de pesquisar, desenvolver ciência, propor soluções e levá-las para o desenvolvimento de políticas públicas. É exatamente o que o IPAM faz.

Este texto foi originalmente publicado pelo IPAM Amazônia, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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