Por Luana Betti e Marina Garcia em WRI Brasil – Cidades brasileiras enfrentam dificuldades históricas para financiar a infraestrutura e o desenvolvimento local. Em um contexto agravado pela pandemia de Covid-19, novas tendências de financiamento têm surgido. Estudos recentes apontam o protagonismo que as instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs) nacionais podem desempenhar no apoio à retomada verde da economia e ao desenvolvimento sustentável de longo prazo. A implementação de projetos de infraestrutura sustentável é essencial para o desenvolvimento resiliente, inclusivo e de baixo carbono – e as IFDs nacionais têm a expertise e as condições para impulsionar esse processo.
Um encontro online da Rede para Financiamento de Infraestrutura Sustentável em Cidades (Rede Fisc) reuniu representantes de organizações nacionais e internacionais, incluindo bancos de desenvolvimento e facilities de preparação de projetos, para debater o papel das IFDs nacionais no financiamento de infraestrutura sustentável em cidades. Das discussões, ficou a certeza de que o protagonismo das IFDs nacionais pode ser ampliado com passos importantes. Por exemplo, com mais suporte à preparação de projetos urbanos sustentáveis e a criação de setores dedicados à captação do financiamento climático internacional.
As IFDs incluem bancos internacionais, nacionais e regionais de desenvolvimento e agências de fomento. Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) são alguns dos exemplos de bancos de desenvolvimento internacionais atuantes no Brasil. Entre as IFDs nacionais estão o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), além de agências de fomento como a Desenvolve SP e a Desenbahia.
Essas instituições são capitalizadas via fundos de desenvolvimento ou se beneficiam de garantias governamentais. Por isso, conseguem prover financiamento com condições competitivas para projetos essenciais ao desenvolvimento – e em contextos desafiadores, em que o financiamento privado pode não ser suficiente. É o caso de períodos de crise econômica, investimentos de longo prazo ou mais arriscados, como os de infraestrutura e de inovação, bem como projetos com foco em resultados socioambientais, como os de infraestrutura urbana sustentável.
A Cities Climate Finance Leadership Alliance (CCFLA), uma coalizão de líderes globais que busca dar escala ao financiamento climático para cidades até 2030, elenca quatro vantagens das IFDs nacionais no apoio ao financiamento do desenvolvimento urbano de baixo carbono:
Em suma, as IFDs nacionais são capazes de conciliar a heterogeneidade institucional e de capacidade técnica local das cidades com o desenvolvimento de ações que aprofundem a implementação de estratégias de baixo carbono em diferentes territórios. E conseguem fazer isso com custos para as cidades, em média, menores do que os de operações internacionais.
Por conta dessas vantagens, as IFDs nacionais historicamente protagonizam a provisão de financiamento para os municípios brasileiros. O BDMG, por exemplo, encerrou 2020 com operações de crédito ativas em mais de 50% dos 853 municípios de Minas Gerais. No mesmo ano, o BRDE disponibilizou mais de R$ 260 milhões em operações de crédito contratadas por municípios da região Sul. O que falta para que as IFDs nacionais ampliem o financiamento ao desenvolvimento urbano de baixo carbono?
A CCFLA elenca quatro ações que podem ser abordadas de forma contínua por essas instituições para melhorar sua atuação no financiamento urbano climático:
IFDs nacionais no Brasil têm aprimorado o acesso ao financiamento de infraestrutura urbana sustentável de duas formas: ampliando a captação de recursos de fontes internacionais e implementando políticas de conformidade socioambiental no setor financeiro à nível nacional.
Via de regra, IFDs internacionais como Banco Mundial e BID têm forte atuação na pauta climática e exigem das instituições que captam seus recursos a incorporação de componentes de sustentabilidade à estratégia de financiamento. É o caso do Projeto Sul Resiliente, que está sendo implementado pelo BRDE com recursos do Banco Mundial. O projeto provê uma linha específica de financiamento às prefeituras municipais da Região Sul com vistas a ampliar a resiliência urbana através do financiamento de ações para prevenção, mitigação e preparação das populações e da infraestrutura crítica frente aos riscos de desastres naturais.
As IFDs nacionais, lideradas pelo Banco Central, vêm adequando suas políticas às conformidades socioambientais. Em 2020, o Banco Central lançou a agenda BC# Sustentabilidade e, em 2021, as consultas públicas 85 e 86, a fim de melhorar o gerenciamento de riscos e responsabilidade social, ambiental e climática em instituições financeiras no Brasil. Entretanto, para que esses processos tenham efeito prático na atuação das IFDs nacionais brasileiras, é importante que as instituições sigam inovando.
Estima-se que até outubro de 2020, bancos multilaterais, nacionais e regionais de desenvolvimento tenham anunciado cerca de US$ 20,5 trilhões em pacotes de investimentos para lidar com a Covid-19 no mundo. Destes, menos de 2% foram direcionados para atividades que apoiam direta ou indiretamente o financiamento climático urbano e 80% foram voltados à ampliação da liquidez – disponibilização de recursos locais no curto prazo. Isso demonstra que, em um primeiro momento, a urgência de superar os impactos da pandemia pode deixar em segundo plano investimentos de médio e longo prazo, como os voltados para a infraestrutura urbana sustentável. Por outro lado, a tendência global é que as IFDs nacionais ampliem o apoio ao financiamento urbano climático, através do desenvolvimento de diretrizes específicas para suporte à infraestrutura sustentável em cidades e da ampliação do apoio à preparação de projetos sustentáveis locais.
O Brasil deve seguir essa tendência, com as IFDs nacionais focando em ampliar os recursos disponibilizados às prefeituras para ações de recuperação no curto prazo. No longo prazo, em função dos processos de compliance exigidos por instituições internacionais e reguladoras do sistema financeiro – e à medida que as necessidades mais imediatas trazidas pela pandemia se atenuem –, deve aumentar a disposição das IFDs nacionais para apoiar investimentos em infraestrutura urbana sustentável.
As IFDs nacionais apresentam todos os requisitos para liderar o apoio ao financiamento de infraestrutura sustentável em cidades. Além do amplo conhecimento da realidade urbana local e da proximidade com gestores públicos, essas instituições têm capacidade institucional e técnica para apoiar o financiamento e a gestão local de projetos em temas fundamentais como a mudança climática em cidades.
As IFDs nacionais brasileiras vêm adaptando seu sistema de captação de recursos e operação e se tornando cada vez mais aptas a lidar com os desafios climáticos urbanos. Há, ainda, um longo caminho pela frente. Aprimorar a atuação dessas instituições exigirá esforço coordenado não apenas das IFDs nacionais, mas de outros atores. Tal empenho será crucial para apoiar as cidades brasileiras no caminho para um desenvolvimento urbano mais próspero, sustentável e inclusivo.
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