Ao se questionar se o passado tem cheiro, muitas pessoas podem pensar em sociedades anteriores à revolução industrial, sem sistemas de esgoto ou ausência de práticas higiênicas. Porém, esses não são os únicos odores prevalentes na história.
Em geral, sim, grande parte das cidades do século 19 eram caracterizadas por odores desagradáveis. De acordo com Connie Chiang, autora do livro “The Nose Knows: The Sense of Smell in American History”, as cidades americanas eram compostas, principalmente, pela mistura de aromas de esgoto bruto, esterco de cavalo, pilhas de lixo não coletado e o odor de abate e processamento de animais para o consumo humano.
Por outro lado, muitas fragrâncias e incensos foram desenvolvidos durante esse período. Assim, as questões de se o passado tem cheiro e quais possíveis odores foram parte da história tornam-se um mistério.
De acordo com Alain Corbin, autor do livro The Foul and the Fragrant, a evolução da consciência de classe foi responsável pela categorização de odores no passado, o que possibilitou a classificação de cheiros bons e ruins.
A partir disso, muitas cidades adotaram medidas de desinfecção e desodorização e outras renovações estruturais que permitiram que as cidades ficassem mais limpas, se desprendendo do conceito anterior de que os centros urbanos do passado mantinham um odor desagradável.
Os aromas são componentes integrais na história da humanidade. E, embora boa parte do passado ainda seja considerada “inodora” para especialistas, a ciência conseguiu apontar algumas fragrâncias comuns em outrora.
As descobertas sobre o possível cheiro do passado são capazes de revelar hábitos e costumes humanos antigos, além de oferecer um pequeno “vislumbre” da antiguidade.
Além disso, os odores em geral são extremamente inconstantes e não foram feitos para uma captura permanente. Eles são resultados de compostos aerotransportados provenientes de diversos tipos de materiais.
Através desse conhecimento, poder responder se o passado tem cheiro pode ser uma prova do avanço da ciência e tecnologia.
Existem inúmeras pesquisas sobre o possível cheiro do passado, que contam com técnicas diferentes para a possível identificação de certos aromas. No entanto, uma pesquisa publicada no jornal Nature Human Behavior evidenciou uma técnica biomolecular capaz de recriar odores passados.
“Usando apenas vestígios de substâncias perfumadas preservadas em artefatos e características arqueológicas, novos métodos estão revelando os odores poderosos que eram uma característica fundamental das antigas realidades vividas e que moldaram as ações, pensamentos, emoções e memórias humanas”, disse Barbara Huber, principal autora do artigo.
Para descobrir se o passado tem cheiro, os pesquisadores utilizaram abordagens biomoleculares, além de técnicas proteômicas e metabolômicas, em conjunto com informações sobre textos antigos, representações visuais e registros arqueológicos e ambientais.
“Rastrear o cheiro no passado remoto não é uma tarefa simples, mas o fato de que a história registra expedições de descoberta, guerras e trocas de longa distância para adquirir materiais com fortes propriedades olfativas — como incenso e especiarias — revela como o perfume tem sido significativo para a humanidade”, disse Huber.
Apesar da popularidade do conceito de que o passado tem cheiro de uma combinação de odores ruins, alguns especialistas acreditam que a mídia moderna pode ter exagerado esse “fedor”. Esse é o caso de William Tullett, um professor de história da Universidade Anglia Ruskin, que defende a ideia de que essa crença está enraizada à xenofobia.
“Sugerir que as pessoas que não são ‘nós’ fedem tem uma longa história”, Disse Tullet ao The Conversation.
Como já mencionado anteriormente, existem documentos históricos que comprovam a existência de resinas, óleos, perfumes e incensos em outrora.
Anteriormente ao avanço da ciência, grande parte das pesquisas com o objetivo de recriar o cheiro do passado foram feitas a partir de descrições em fontes primárias. Porém, com a criação e aplicação da engenharia biomolecular, cientistas conseguem analisar “arquivos de odor” na forma de queimadores de incenso, frascos de perfume, panelas, recipientes de armazenamento, restos mumificados e superfícies de ruas e pisos.
E mesmo assim, é impossível apontar com certeza qual é o cheiro do passado. Assim como a humanidade, ele é a culminação de diversas culturas e hábitos comuns na antiguidade. O passado tem cheiros múltiplos, que podem ser bons ou ruins, dependendo do contexto e localização do que se é analisado.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais