O potencial inexplorado dos pellets

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Por Suzel Tunes, da Pesquisa Fapesp | A busca por fontes renováveis de energia está impulsionando o mercado mundial de pellets e briquetes, biocombustíveis sólidos feitos a partir da compactação de diferentes tipos de biomassa, geralmente resíduos agrícolas e florestais. O Brasil, que já se destaca na produção de biocombustíveis líquidos, como o etanol e o biodiesel, pode ser protagonista nesse mercado se contar com políticas públicas adequadas. Essa foi a principal conclusão do engenheiro industrial Diogo Aparecido Lopes Silva, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, ao estudar esses biocombustíveis. Apoiada pela FAPESP, a investigação foi realizada sob a ótica da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), técnica que analisa os potenciais impactos ambientais associados a todas as fases de vida de um produto, serviço ou processo, da extração de matéria-prima à destinação final.

Pellets e briquetes são fabricados a partir de biomassa vegetal triturada, seca e compactada em formato cilíndrico, por meio de equipamentos de alta pressão. Uma variedade grande de matérias-primas pode ser usada em sua produção, como pedaços de madeira, serragem, cascas de amendoim, palha de cereais, bagaço de cana-de-açúcar e até resíduos urbanos, como pedaços de troncos e galhos de podas de árvores.

No Brasil, esses biocombustíveis são feitos normalmente a partir de resíduos provenientes da exploração de eucalipto, pinus e acácia-negra. Essas três espécies de árvores figuram dentre os cultivos florestais mais abundantes no país e são utilizadas em indústrias de produção de celulose e papel, móveis, tábuas e painéis de madeira.

Empregados principalmente no setor industrial, briquetes e pellets são alternativas ao carvão vegetal, lenha e combustíveis fósseis na geração de energia térmica ou elétrica. Em escala residencial, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, são usados no aquecimento de fogões e lareiras. Os briquetes, cilindros com diâmetro em torno de 60 milímetros (mm) e comprimento que varia de 250 a 300 mm, têm sido utilizados também em fornos de restaurantes. Pellets são pastilhas cilíndricas menores, com 6 a 16 mm de diâmetro e 25 a 30 mm de comprimento.

Os dois combustíveis, de acordo com Lopes Silva, são alternativas eficientes do ponto de vista energético e têm a vantagem de ser mais ambientalmente sustentáveis do que os combustíveis fósseis. Citando dados da literatura, ele exemplifica: 3,5 metros cúbicos (m³) de pellets de madeira podem substituir 7 m³ de madeira bruta em razão do menor teor de umidade, que confere ao pellet maior densidade energética.

Esses 3,5 m³ de pellets têm a mesma eficiência energética de 1 m³ de óleo combustível, com ganho financeiro e ambiental. “Além de quase seis vezes mais baratos do que o óleo diesel, considerando a cotação atual do dólar em torno de R$ 5,2 [valor médio de setembro], emitem menos gases de efeito estufa [GEE] durante o processo de combustão e são considerados neutros em carbono, porque o dióxido de carbono [CO₂] emitido na queima é recuperado no crescimento das espécies vegetais”, informa o engenheiro.

Segundo Lopes Silva, estudo feito pela Vrije Universiteit Amsterdam, da Holanda, e o grupo The Alliance for Green Heat, dos Estados Unidos, demonstrou que a utilização de pellets e briquetes de resíduos de madeira para fins de aquecimento residencial pode liberar na atmosfera até um décimo do CO₂ emitido por combustíveis à base de petróleo e um sexto do liberado pelo gás natural.

Imagem de Alexandre Affonso

Novos inventários

Em sua pesquisa, o professor da UFSCar realizou o mapeamento da produção de dois tipos de pellets, um feito de cascas de amendoim e outro de resíduos de pinus (folhas secas, cavacos de madeira e serragem). Para cada um gerou um documento chamado Inventário de Ciclo de Vida (ICV). “É a segunda etapa da Avaliação de Ciclo de Vida, que consiste na coleta dos dados de impacto ambiental, incluindo todos os consumos e emissões de matéria e energia que ocorrem em cada processo do ciclo de vida avaliado”, explica.

Na elaboração do inventário, foram incluídos dados como uso do solo, consumo de água, madeira, demanda de energia e emissão de poluentes, disponibilizados pelos fabricantes dos dois produtos estudados. Pela dificuldade no acesso a informações, o pesquisador optou por não trabalhar no momento com briquetes. “O mercado de briquetes é muito informal. Os pellets já têm uma associação de fabricantes, normas técnicas de qualidade e certificação específica, além de um mercado externo bem estabelecido.”

Os próximos projetos do Grupo de Pesquisa em Engenharia da Sustentabilidade (EngS) da UFSCar, que Lopes Silva lidera, devem ampliar e aprofundar o tema. “Um dos pesquisadores da equipe, o mestrando Thiago Teixeira Matheus, está estudando briquetes, enquanto outro, Antônio Carlos Farrapo Júnior, aborda em seu doutorado propostas de políticas públicas para esses biocombustíveis”, informa o pesquisador.

Os dois inventários estão em fase final de revisão para serem publicados no Banco Nacional de Inventários do Ciclo de Vida de Produtos Brasileiros (SICV Brasil). “No Brasil, são os primeiros ICV sobre pellets feitos com dados primários e disponibilizados para publicação”, afirma. Antes, quem quisesse realizar uma ACV de pellets de biomassa tinha que recorrer a bases de dados internacionais. Os inventários estarão disponíveis no site da SICV Brasil.

Os estudos da UFSCar tiveram apoio da FAPESP no âmbito do programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), que desde 2008 financia atividades de pesquisa e desenvolvimento voltadas ao setor. A maioria dos projetos do Bioen direciona-se à biomassa de açúcar e de oleaginosas, consequência natural da tradição agrícola do estado de São Paulo, mas as portas estão abertas para a diversificação dos temas. É o que afirma a bióloga Gláucia Mendes Souza, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do programa.

Ela ressalta que o atual cenário internacional tornou ainda mais urgente a necessidade de desenvolver alternativas energéticas. “Com a guerra na Ucrânia, quem vai suprir a demanda de aquecimento da Europa durante o inverno?”, questiona a pesquisadora, lembrando que o embargo ao petróleo e ao gás da Rússia, como sanção dos países ocidentais pela invasão à Ucrânia, gerou uma crise mundial no mercado de energia, com efeitos mais imediatos no continente europeu. “Também por essas razões, o Bioen busca estimular a diversificação das pesquisas. E temos como fazer isso, dado o enorme potencial do Brasil.”

O mercado global de biocombustíveis sólidos também se beneficia da corrida por energia limpa. Os países europeus sentem-se pressionados pela meta de descarbonização estipulada pela União Europeia, que prevê a neutralidade em carbono no continente até 2050. O consumo mundial de pellets atingiu 39,6 milhões de toneladas (t) em 2020, um aumento de 7% na comparação com o ano anterior, segundo relatório estatístico da entidade Bioenergy Europe. Os países europeus são os maiores consumidores, respondendo por 76% do total – o documento considera apenas pellets de madeira e não inclui os de resíduos agrícolas.

Fabricados com a mesma matéria-prima dos pellets, os briquetes são bem maiores e chegam a 30 cm de comprimento. Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Ao listar os países produtores, a Bioenergy Europe dá destaque ao Brasil. “Na América Latina, dois países apresentam um interessante desenvolvimento na produção de pellets, Brasil e Chile. Os registros de produção do Brasil mostram 1.030.000 t em 2020, com um grande aumento da capacidade de produção previsto a partir de 2023”, afirma o relatório.

Diante desse cenário, o desenvolvimento de Inventários de Ciclo de Vida dos pellets brasileiros é uma conquista estratégica, destaca o engenheiro químico Luiz Alexandre Kulay, do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP. “A elaboração do ICV tem repercussões diretas sobre a competitividade das empresas, sobretudo para aquelas que desejam conquistar o mercado externo”, ressalta. “A variável ambiental é cada vez mais importante nos processos decisórios.”

Consultor na área de política de conservação e sustentabilidade, o economista Roberto Scorsatto Sartori vê nos pellets uma oportunidade de agregação de valor na indústria nacional de processamento de madeira. Sua tese de doutorado, defendida no fim de 2021 na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, propõe a inserção da “peletização” na indústria de madeira para móveis e para construção, a partir de resíduos gerados no processo produtivo. “É um mercado que pode crescer, mas precisa se organizar e ter apoio institucional”, opina Sartori.

Segundo o economista, os produtores de madeira não se sentem seguros em investir no processo de peletização e um dos motivos é a falta de incentivos fiscais. “Quem comercializa madeira pouco processada é beneficiado pela Lei Kandir [que isenta do pagamento de Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços, o ICMS, as exportações de produtos primários, como soja, minério e madeira]. O pellet, embora minimamente processado, não entra nessa lei”, lamenta.

Os pesquisadores avaliam que, no momento, é a exportação que se mostra mais atrativa para os fabricantes nacionais de pellets e briquetes. Mas veem nesse setor potencial para o fortalecimento da matriz energética nacional e a ampliação do comércio de emissões de carbono, objetivos da Política Nacional de Biocombustíveis, a RenovaBio. Criado pelo governo federal em 2017, ela tem a missão de promover a expansão dos biocombustíveis, contribuindo para que o Brasil cumpra as metas de redução de GEE firmadas em 2015 no Acordo de Paris.

O foco do programa governamental está na quantificação de créditos de carbono da produção de biocombustíveis, o que é feito por meio de uma ferramenta chamada RenovaCalc. Ela calcula a intensidade de emissão de carbono na atmosfera e gera os Créditos de Descarbonização (CBIO) às usinas e fornecedores.

Para Lopes Silva, a RenovaBio é uma oportunidade de fortalecimento do setor de biocombustíveis, permitindo que os produtores possam comercializar os créditos de carbono na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. “Mas há um problema que precisa ser superado”, diz o pesquisador. “Apesar de promover a expansão dos biocombustíveis na nossa matriz energética, o RenovaBio não inclui normativas específicas quanto aos biocombustíveis sólidos nem os considerou na RenovaCalc, focando apenas nos biocombustíveis líquidos e gasosos.”

Ampliar a política do RenovaBio para que ela contemple também a classe dos biocombustíveis sólidos, que inclui os pellets e briquetes de biomassa, permitiria o acesso dos produtores a novas oportunidades de negócio. Em 2020 foram negociados 19,9 milhões de CBIO na B3, totalizando US$ 162 milhões. “O RenovaBio precisaria ser alargado”, concorda Kulay, da USP. “A realidade muda e, com ela, as diretrizes também precisam ser revistas. É importante que o país tenha mais recursos para fazer gestão ambiental.”


Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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