O que é preciso para ser um bom jornalista científico

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Por Luiz Roberto Serrano, do Jornal da USP | A cobertura de todos os assuntos na imprensa exige preparo dos profissionais. No caso do jornalismo científico, é preciso estar atento às suas especificidades e complexidades, dizem os jornalistas que trabalham na área. Citam alto grau de especialização e qualificação, curiosidade científica, conhecimento de política científica, do processo de produção da CT&I e o entendimento de que a ciência também é falível e tem limites, além de algum tipo de treinamento profissional. Vejo três condições absolutamente indispensáveis para isso: jornalistas bastante preparados; uma comunidade científica aberta, capaz de entender a importância e o papel próprio do jornalismo na difusão social da ciência; e recursos − financeiros e de infraestrutura, o que inclui meios e veículos de comunicação potentes. 

Em relação aos jornalistas, assim como para fazer um bom jornalismo econômico, político ou cultural, é preciso que o profissional conheça a dinâmica e tenha uma visão crítica do campo a que está voltado; no jornalismo de ciência dá-se o mesmo. É necessário ter noções claras sobre o método científico e a hoje vasta e sofisticada infraestrutura de produção do conhecimento, além de entender por que não há verdades definitivas em ciência. É preciso ter noção das formas pelas quais a comunidade científica se organiza, o sentido dos grupos e das instituições de pesquisa, perceber a importância que tem para essa comunidade (e para a sociedade) a publicação de artigos científicos em periódicos científicos, com resultados de pesquisa revistos por pares. É preciso acompanhar os lances básicos da política científica dentro e fora do País e ter algum conhecimento de história da ciência, em especial dos percursos que conformam a chamada “tecnociência contemporânea”. E, claro, aprofundar-se um tanto mais na área que pretende cobrir com mais fôlego, seja evolução, genômica, química de produtos naturais, mudanças climáticas, astrofísica, neurociência etc., etc. Finalmente, é preciso que saiba ler os artigos científicos, porque eles serão material básico para o seu trabalho. 

“A matéria-prima essencial é o jornalista científico de qualidade.” Herton Escobar, repórter especial do Jornal da USP.

“A matéria-prima essencial do jornalismo científico de qualidade é o jornalista científico de qualidade, devidamente qualificado para lidar com a complexidade técnica que é inerente à cobertura da ciência. Claro que isso vale para qualquer outra área do jornalismo e qualquer outra atividade profissional: a qualidade do serviço ou do produto oferecido depende essencialmente da qualidade do profissional responsável por produzi-lo. Dentro de todas as temáticas abordadas pelo jornalismo, porém, acredito que a ciência seja uma das mais complexas de todas e, consequentemente, uma das que exigem o mais alto grau de especialização e qualificação por parte dos jornalistas. Digo isso em função da complexidade técnica inerente à ciência, da enorme variedade de temas que a ciência abrange e do dinamismo com que ela evolui. 

O bom jornalista científico precisa estar preparado para lidar no dia a dia com temas tão variados quanto genética, nanotecnologia, física de partículas, inteligência artificial, astronomia etc; e isso exige muito estudo, muita leitura ao longo de toda a vida, pois todos esses campos evoluem de forma extremamente dinâmica. O bom jornalista científico, portanto, nunca pode se dar ao luxo de parar de estudar. O conhecimento científico não é algo intuitivo, não é algo que pode ser improvisado pelo repórter no meio de uma entrevista. Do ponto de vista individual, portanto, pode-se dizer que o bom jornalismo científico exige qualificação extrema e constante por parte do jornalista. Do ponto de vista institucional/empresarial, uma boa cobertura científica exige que o veículo de comunicação tenha bons jornalistas de ciência em seus quadros − não é viável imaginar que a cobertura de ciência possa ser delegada aleatoriamente a qualquer repórter, sem a qualificação adequada, de acordo com a demanda.” Diz, Herton Escobar.

“É necessário ter formação, competência, curiosidade científica…” Graça Caldas, jornalista e pesquisadora do Labjor/IEL da Universidade de Campinas

“Em primeiríssimo lugar, é necessário ter formação, competência, curiosidade científica, conhecimento de política científica, do processo de produção da CT&I e sobretudo o entendimento de que a ciência também é falível e tem limites. Entender os mecanismos que possibilitam a construção do conhecimento, a importância das evidências científicas. Cultura geral, visão histórica, leitura diária de diferentes áreas do conhecimento, não apenas da área científica. Isso porque tudo o que acontece no mundo da ciência está relacionado, de alguma forma, a política, economia, cultura etc. O exercício da cobertura de jornalismo científico pressupõe − como todo o jornalismo, aliás − lidar com a informação de maneira crítica e analítica, numa perspectiva cética, ligando sempre o desconfiômetro para estabelecer conexões entre a pesquisa e a sociedade. Para isso, se possível, além da graduação, creio ser necessária uma especialização lato sensu para melhor administrar as controvérsias tão presentes na área científica. Se fizer uma pós-graduação stricto sensu, mestrado e doutorado, também ajuda muito para entender os procedimentos, a lógica, os métodos de construção do conhecimento. Se isso não for possível, procurar ler livros que discutem o método científico, conversar com cientistas, visitar laboratórios, entre outras possibilidades. Importante lembrar que, no caso das Humanidades, o laboratório são a biblioteca e a sociedade em geral. Neste sentido, é fundamental a leitura diária de jornais, revistas, noticiário em geral, em diferentes veículos e plataformas.” Diz, Graça Caldas.

“Algum tipo de treinamento profissional.” Luiza Caires, editora de Ciências do Jornal da USP

“O jornalismo científico exige, primeiro, algum tipo de treinamento do profissional que o pratica. Isso pode se dar de uma maneira formal, com disciplinas de graduação e pós-graduação, ou mesmo cursos de especialização; ou de um modo informal, em uma redação, trabalhando com colegas e editores experientes na área, onde possa produzir seus trabalhos de reportagem, com dicas e orientações, até conseguir trabalhar com mais independência em temas de ciência. 

Também exige valorização das pautas científicas por parte do veículo jornalístico. Tendo pouco espaço e atenção, sem uma editoria dedicada ou, no mínimo, editores que as considerem como prioridade, apenas notícias grandiosas e muito inusitadas terão vez, o que pode prejudicar inclusive a percepção pública da ciência como algo que funciona por pulsos e grandes descobertas, e não como um trabalho contínuo, de longo prazo, e passos menores − mas importantes − que se somam até a chegada.” Diz, Luiza Caires.

“Os mesmos princípios éticos e técnicos.” Bruno de Pierro, especialista em Comunicação do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo. 

“O jornalismo de ciência baseia-se nos mesmos princípios éticos e técnicos que regem quaisquer outras especialidades do jornalismo, tais como investigar acontecimentos, checar dados, mediar fatos para a interpretação e buscar contextualizações esclarecedoras. Tudo isso faz parte dos cânones da profissão. Evidentemente que a cobertura jornalística da ciência e da tecnologia guarda especificidades. Uma prerrogativa fundamental é entender que os mecanismos de produção do conhecimento científico variam de acordo com as áreas. Critérios e métodos de pesquisa empregados nas ciências médicas não são exatamente os mesmos nas ciências humanas, da mesma forma que o padrão de publicação dos resultados muda de um campo do conhecimento para outro. Saber disso é importante, porque leva à percepção de que, na verdade, existem várias ciências, cada qual constituindo um ethos particular.” Diz, Bruno de Pierro.

“Formação continuada que se prolongue vida afora.” Eugenio Bucci, superintendente de Comunicação Social da USP e professor na ECA-USP.

“Para que um país tenha bons veículos e bons profissionais dedicados ao jornalismo sobre ciência são imprescindíveis a formação continuada de jornalistas (em cursos que não se limitem à graduação, mas se prolonguem pela vida afora, em formatos diferentes, em pós-graduação e em cursos de rápida duração) e uma cultura nas redações que valorize esse ramo (ou esse gênero), além de uma convivência regular entre repórteres, editores, cientistas e pesquisadores. 

Durante a pandemia, todas as redações e praticamente todas as pautas tiveram de se converter em uma editoria de ciência, pois o tema da verdade factual na pesquisa tornou-se um denominador comum do debate público, tendo alcançado inclusive a cobertura de política, a cobertura de internacional e a de economia. 

Foi, claro, uma temporada excepcional, que ainda não se encerrou. De forma geral, podemos dizer que o período da pandemia trouxe uma consciência maior da importância da ciência como base racional para a tomada de decisões de interesse público. Isso favoreceu a valorização do jornalismo científico. 

A expressão “divulgação científica” talvez não seja a melhor para nomear o jornalismo sobre ciência. A “divulgação” supõe uma cobertura menos crítica, preocupada apenas com o didatismo da linguagem. Já o termo “jornalismo” impõe a necessidade de um olhar crítico e independente sobre os fatos da ciência, o que está mais adequado ao espírito geral da imprensa. 

Creio que é possível, sim, que surjam bons jornalistas dedicados à cobertura da pesquisa científica. Temos hoje, aliás, grandes nomes nessa matéria. Marcelo Leite e Álvaro Pereira Júnior são dois nomes.” Diz, Eugenio Bucci.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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