Por Ichiro Sato, Beth Elliot e Clea Schumer em WRI Brasil – Coloque-se no lugar de alguém responsável pelo planejamento de um governo, um executivo de uma empresa de energia, um gestor de educação, representante da indústria ou dono de uma casa. Você precisa comprar um equipamento caro que possa ser utilizado por décadas. Gastar em projetos como usinas de energia, caldeiras, construções, veículos e outros tipos de infraestrutura é sempre um exercício de comparar o orçamento disponível, de um lado, com considerações de longo prazo, de outro. Nesse balanço, as mudanças climáticas são um dos fatores mais importantes que precisam ser considerados.
Investir em infraestruturas erradas pode resultar em uma “dependência de carbono”, na qual os tomadores de decisão comprometem uma determinada quantidade de emissões de gases de efeito estufa (GEE) ao longo da vida útil daquele projeto – muitas vezes de anos ou décadas.
A seguir, oferecemos um olhar mais aprofundado sobre o que é essa dependência de carbono e como podemos evitá-la.
A dependência de carbono acontece quando sistemas que fazem uso intenso de combustíveis fósseis se perpetuam, adiando ou impedindo a transição para alternativas de baixo carbono – uma situação que pode colocar a ação climática em risco. A ciência mostra que, para evitar os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas, o mundo precisa limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais e atingir o; zero líquido das emissões de dióxido de carbono até a metade do século. Um estudo recente estimou as emissões de GEE já comprometidas (por usinas de energia a carvão, óleodutos, veículos movidos a gasolina etc.) e descobriu que o “saldo de carbono” do mundo – a quantidade que podemos emitir e ainda limitar o aumento da temperatura em 1,5°C – vai ser totalmente utilizado pelo que já está construído. Isso significa que, para manter o aumento da temperatura em níveis seguros, precisamos evitar construir novas infraestruturas intensivas em carbono e considerar o encerramento das infraestruturas existentes altamente emissoras.
A dependência de carbono pode acontecer em qualquer setor ou indústria, de escala local a global, por meio de diversos tipos de mecanismos. O ponto principal, no entanto, é que, uma vez que infraestruturas, instalações e equipamentos planejados para serem de longa duração são instalados, pode levar anos ou mesmo décadas até que sejam substituídos. E, se forem intensivos em carbono, as emissões de gases de efeito estufa ao longo de sua vida útil serão enormes.
Ao considerar os tipos de infraestruturas e equipamentos intensivos em carbono suscetíveis ao problema da dependência, é importante entender exatamente quanto esses investimentos devem durar. Como demonstrado no gráfico abaixo, a vida útil média de diferentes infraestruturas e equipamentos varia de 80 anos para edifícios até 14 anos para equipamentos de cozinha residenciais, com uma vida útil média de 27,5 anos.
Com base nessa expectativa de vida média, as infraestruturas e equipamentos que instalarmos em 2021 continuarão operando até meados de 2049, próximo ao momento em que o mundo deve atingir emissões líquidas zero. Essa análise ajuda a colocar em perspectiva o poder que as decisões tomadas hoje têm de influenciar a natureza de nossa economia no futuro. Investimentos intensivos em carbono feitos agora são feitos para durar.
Entre hoje e 2030, serão investidos US$ 90 trilhões em infraestrutura. O tipo de infraestrutura e equipamentos que receberão esse investimento são determinantes para o futuro do planeta.
Suponha que uma concessionária de energia precise instalar novas usinas para atender a demanda crescente por eletricidade. Os tipos de usinas que forem construídas terão impactos de longo prazo muito diferentes.
O gráfico abaixo ilustra a diferença nas emissões comprometidas de diferentes tipos de usinas instaladas hoje, considerando a mesma quantidade de energia fornecida todos os anos em cada usina ao longo de sua vida útil. A diferença é surpreendente e reflete as preocupações associadas às altas emissões de carbono e ao uso de combustíveis fósseis (nas usinas movidas a carvão e nas de ciclo combinado movidas a gasolina) em comparação a alternativas de baixo carbono (hidrelétricas, nuclear, eólica em terra ou nos oceanos e solar fotovoltaica).
Ao longo de sua vida útil de 50 anos, uma usina nuclear, por exemplo, é projetada para produzir apenas 12 gramas de gases de efeito estufa por quilowatt-hora (gCO2eq/kWh), enquanto uma usina movida a carvão com um ciclo de vida estimado em 45 anos produzirá 68 vezes essa quantidade (820 gCO2eq/kWh). De forma semelhante, uma usina de ciclo combinado movida a gasolina construída para durar 30 anos gera mais de 40 vezes as emissões (490 gCO2eq/kWh) de instalações de energia eólica com um ciclo de vida de 25 anos (12 gCO2eq/kWh).
Apesar das implicações severas, mais e mais usinas de energia movidas a combustíveis fósseis estão sendo construídas, aprisionando o mundo em um futuro intensivo em carbono. De fato, uma análise recente examinando o tempo de vida estimado das emissões de novas usinas que foram planejadas, autorizadas ou que já estavam em construção no final de 2018 indica que os países com mais emissões comprometidas não são apenas os maiores emissores atualmente, mas também economias emergentes e em rápido crescimento.
A China, os Estados Unidos e a Índia (os três maiores emissores do mundo) também são líderes na quantidade de emissões comprometidas por usinas de energia já propostas. Ao mesmo tempo, economias emergentes na Ásia, no Oriente Médio e na África continuam a investir na construção de novas usinas que fazem uso intenso de carvão, inevitavelmente resultando em um futuro intensivo em carbono.
Considerando as implicações de longo prazo das emissões de infraestruturas, as decisões referentes aos gastos não são de responsabilidade apenas das concessionárias de energia – trata-se de uma decisão importante para todos os atores econômicos. Líderes de governos, empresas e famílias devem estar cientes das implicações climáticas de longo prazo dos investimentos e decisões de compra que tomam hoje.
Existem diversas medidas para prevenir e superar o aprisionamento de carbono que precisam ser postas em práticas em conjunto para combater o desafio complexo e persistente que representa essa questão.
Colocado de forma mais simples, os governos podem assumir o compromisso de evitar novos investimentos intensivos em carbono. Embora esse objetivo possa ser assustador em um primeiro momento, as alternativas verdes para infraestruturas intensivas em carbono estão se tornando cada vez mais competitivas em termos de custo em relação às tecnologias convencionais baseadas em combustíveis fósseis.
Por exemplo, mais de metade da capacidade de geração a partir de fontes renováveis adicionada em 2019 (antes da pandemia de Covid-19) tinha custos de energia mais baixos até mesmo que a mais barata das novas usinas movidas a carvão. Os investimentos na recuperação da crise da Covid-19, acima de tudo, oferecem uma oportunidade imediata para países e governos locais investirem em infraestrutura de energia limpa para dar início à economia neutra em carbono.
A Nigéria, por exemplo – tradicionalmente o maior produtor de petróleo e gasolina na África –, tem implementado um pacote de estímulo para a Covid-19 que inclui US$ 619 milhões em sistemas residenciais de energia solar, com o objetivo de oferecer acesso à energia solar e minirredes para cinco milhões de famílias.
Em relação a romper a dependência de carbono associada aos investimentos atuais intensivos em carbono, os países também têm opções. O momento é propício para medidas econômicas que limitem a dependência e seus efeitos, como realocação de subsídios e a proibição de infraestruturas e equipamentos que geram emissões altas.
Uma perspectiva especialista do WRI, de autoria de cientistas do Stockholm Environment Institute (Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo), por exemplo, descreve um número crescente de cidades que proíbem conexões de gás natural em prédios para evitar a operação contínua dessa infraestrutura de alto carbono. Essencialmente, essas medidas devem ser acompanhadas por mecanismos de apoio à transição, a fim de garantir que os trabalhadores das indústrias baseadas em combustíveis fósseis não sejam afetados de forma desproporcional durante a mudança para uma infraestrutura mais limpa.
Especialistas do Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo também observam que a dependência de carbono pode ser rompida por meio de um processo conhecido como desinstitucionalização, “no qual são quebradas normas culturais de suporte e sistemas de governança que ajudam uma indústria a permanecer dominante”.
De forma semelhante ao caso histórico de resistência social contra o pesticida DDT (que foi proibido nos Estados Unidos após a conscientização pública de seus danos), movimentos sociais e até mesmo a mudança de normas promovida por indivíduos podem apoiar a eliminação progressiva do uso de infraestruturas e equipamentos baseados em combustíveis fósseis. No Reino Unido, por exemplo, alguns citaram os protestos da Extinction Rebellion em 2019 como cruciais para levar o país a estabelecer uma meta de emissões líquidas zero.
Em última análise, para atingir emissões líquidas zero até a metade do século, todos os atores sociais têm a responsabilidade de adotar a mentalidade de que “2050 é agora” e se comprometer a tomar decisões consistentes com o futuro que desejamos.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais