O que está em jogo no encontro climático deste ano

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Por Fernanda Macedo, da Página 22 | Ontem se iniciou a 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 27), na cidade de Sharm al Sheikh, no Egito. Até 18 de novembro, representantes de quase 200 países estarão reunidos para coordenar ações globais de mitigação e adaptação à mudança climática. Há um ano, a COP 26, em Glasgow, no Reino Unido, resultou em anúncios de peso e novas metas climáticas. Agora, os países devem se dedicar a buscar soluções para atingir os compromissos que estabeleceram – incluindo, sobretudo, como vão financiar a ação climática. “O grande desafio da COP 27 é, finalmente, concretizar metas e compromissos de clima, assumidos em conferências anteriores”, afirma Karen Oliveira, diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da The Nature Conservancy (TNC) no Brasil.

Quando os líderes mundiais anunciaram o Acordo de Paris, há seis anos, na COP 21, os países comprometeram-se a apresentar metas para manter o aquecimento global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, mas ao mesmo tempo fazer esforços para limitar esse aumento da temperatura média a 1,5°C. Esta é a meta que os cientistas concordam que reduzirá substancialmente os efeitos nocivos da mudança climática.

No entanto, o mundo ainda está longe de atingir essa meta, mesmo que todos consigam reduzir suas emissões nacionais nos níveis que prometeram, segundo recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). A estimativa é de que os compromissos internacionais atuais levarão a um aumento de 10,6% nas emissões até 2030, em relação aos níveis de 2010. “Para manter esse objetivo [do aquecimento global de até 1,5°C] vivo, governos nacionais precisam fortalecer seus planos de ação climática agora e implementá-los nos próximos oito anos”, afirmou o secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações sobre Mudança Climática (UNFCCC), Simon Stiell.

Embora não se espere que os países compartilhem metas atualizadas este ano, é possível que alguns compromissos mais ambiciosos sejam anunciados, na medida em que os líderes mundiais acelerem seus planos climáticos para atender à urgência do momento.

O pano de fundo desta COP é a sequência de eventos pós-pandemia. “A economia em geral já estava enfraquecida quando emergiu a Guerra na Ucrânia, pressionando a inflação de alimentos e energia. O confronto alçou a segurança energética e alimentar à condição de temas estratégicos para a segurança nacional em todo o mundo e pode influenciar nas negociações da conferência climática, ameaçando o avanço das metas do Acordo de Paris”, avalia José Carlos da Fonseca, embaixador e cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Segundo Fonseca, os argumentos para a continuidade dos combustíveis fósseis já foram colocados na mesa ao longo deste ano. A desaceleração e até mesmo o retrocesso na agenda de transição energética na União Europeia fazem com que o bloco perca liderança no âmbito das negociações, com potenciais consequências profundas para a meta do Acordo de Paris.

É neste contexto que o Brasil vai para a COP 27, em meio a um novo cenário doméstico. Passadas as eleições, o governo de Jair Bolsonaro participa da conferência em um momento de transição para o novo governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a deputada federal eleita, Marina Silva (Rede-SP), cotada para voltar ao Ministério do Meio Ambiente, o Brasil buscará retomar sua liderança na agenda climática.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Marina Silva afirmou que “o Brasil vai deixar de ir para a COP para fazer chantagem”, em referência aos pedidos do ex-ministro Ricardo Salles, deputado federal eleito (PL-SP), para que os países remunerassem o Brasil como condição para a conservação. “O Brasil vai para a COP para fazer História”, conclui ela.

Adaptação climática e Perdas e Danos são agendas prioritárias

A adaptação climática é a forma como o mundo muda e se adapta em resposta aos efeitos das mudanças climáticas. Ações que visam a adaptação são diferentes daquelas que buscam a mitigação das emissões, ou seja, evitar mais emissões e, portanto, o agravamento das mudanças climáticas.

“Até o momento, os esforços de adaptação receberam muito menos financiamento do que a mitigação. Mas, à medida que o mundo enfrenta tempestades, inundações, incêndios e outros desastres provocados pelo clima com mais frequência e intensidade, fica claro que precisamos nos concentrar nos esforços de adaptação para proteger pessoas e regiões vulneráveis aos impactos da mudança climática”, comenta José Otavio Passos, diretor para Amazônia da TNC Brasil.

Além de recursos para a adaptação, desastres ambientais recentes como as dramáticas chuvas sobre o Paquistão, que deixaram submerso um terço do país, afetando 33 milhões de pessoas e levando meio milhão a se deslocarem, além de causar 1,7 mil mortes, trazem urgência ao debate sobre “Perdas e Danos”. Os desastres causados ​​pelo clima estão prejudicando desproporcionalmente os países de baixa e média renda. Historicamente, esses países emitiram muito menos gases de efeito estufa do que os países do Hemisfério Norte e, no entanto, têm sofrido consequências mais severas. O Paquistão, por exemplo, tem uma contribuição para o aquecimento global inferior a 1%, mas com chances de eventos dessa natureza elevadas em 50% pela crise climática.

Por isso, a ONU propôs que os países mais ricos paguem fundos de Perdas e Danos para compensar os países em desenvolvimento pelos prejuízos que já sofreram e para financiar novos esforços de adaptação. Até agora, apenas a Dinamarca se comprometeu formalmente com esses fundos, mas sua declaração pode inspirar outros países. Por isso, “neste tema, um assunto que tem galvanizado as atenções é a ideia de se estabelecer um mecanismo financeiro de compensação por Perdas e Danos para os países que nada (ou muito pouco) contribuíram com a atual crise climática”, segundo Alexandre Prado, especialista em mudança climática do WWF-Brasil.

Operacionalizar o mercado de carbono

Após concluir o chamado “Livro de Regras” do Acordo de Paris na COP 26, a COP27 agora precisa garantir a operacionalização do seu Artigo 6º, que prevê a possibilidade de cooperação por meio de instrumentos de mercado para reduzir emissões de gases de efeito estufa, como o mercado de carbono.

A conferência deverá trazer resultados sobre as formas de governança desses mecanismos, garantindo regras claras e transparentes e o respeito aos direitos dos povos tradicionais que vivem nas florestas que recebem atenção do mercado de carbono. “A Coalizão entende que, se a governança e a transparência não forem asseguradas na operacionalização desses esquemas, incorre-se no risco de que os mercados de carbono não cumpram seu papel de aumentar a ambição na luta contra a crise climática”, segundo Fonseca.

“É importante assegurar que estes mecanismos não substituam ou prejudiquem a necessária mudança dos padrões de emissões das empresas, que precisam ser reduzidos concomitantemente”, lembra Prado, do WWF-Brasil.

Investir na natureza

Combater a mudança do clima envolve, principalmente, fazer a transição para fontes de energia limpa. Mas, mudanças na matriz energética dos países não serão suficientes para reduzir as emissões globais e manter o planeta em um patamar de zero emissões a longo prazo. Por isso, diversas organizações têm defendido que é preciso investir mais na natureza.

“Os hábitats naturais podem absorver e armazenar grandes quantidades de carbono. Ao proteger, restaurar e gerenciar melhor nossas terras e zonas úmidas, é possível contribuir com um terço das reduções de emissões necessárias para limitar o aquecimento global e manter o clima em limites seguros. A natureza também é uma aliada dos esforços de adaptação”, afirma Karen Oliveira, da TNC Brasil.

Ela explica que hábitats como recifes de corais, manguezais e pântanos reduzem a força das tempestades, inundações e erosão, ajudando a proteger as comunidades costeiras. Ampliar o espaço para a natureza dentro das cidades pode reduzir ondas de calor perigosas e absorver as águas das enchentes. Além disso, investir na natureza é uma forma de garantir ar e água mais limpos, solos mais saudáveis e muitos outros benefícios para as pessoas e o meio ambiente. Apesar de tantos benefícios, as Soluções baseadas na Natureza recebem menos de 10% de todo o financiamento climático”, diz.

Segundo a nova edição do Relatório Planeta Vivo, do WWF, a crise climática já é comprovadamente um dos fatores que levaram a uma queda média de 69% nas populações de animais selvagens em todo o mundo, em apenas quatro décadas. Com isso, é explícita a relação entre a crise climática e a crise de biodiversidade.

“É preciso buscar a convergência entre os objetivos climáticos e os esforços para proteger a natureza. As negociações para um Acordo Global de Biodiversidade, no Canadá, poucas semanas após a COP climática do Egito, oferecem uma oportunidade para impulsionar essa convergência, que também precisa estar no radar dos negociadores climáticos em Sharm-El-Sheikh”, reforça Prado, do WWF-Brasil.


Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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