O Sapinho do Tinder

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Por Rosana Villar, do Green Peace | Para quem pesquisa répteis e anfíbios, um dos melhores momentos para ir a campo é quando o sol se põe na floresta, pois é à noite que muitos animais saem para comer ou procurar um parceiro, quando se tornam mais ativos. É a balada dessas criaturas e fomos convidados para entrar na festa. 

Chegamos no finalzinho do dia em um trecho de floresta ao longo do rio Manicoré, no Amazonas, esperamos anoitecer e pimba, a mágica acontece. Os sons se intensificam e dá para ver todo tipo de luzinhas brilhantes. “Essas que brilham verdinho são geralmente aranhas”, explica Fernanda Werneck, pesquisadora de herpetofauna do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordenadora do Programa de Coleções Científicas Biológicas da instituição. 

Ver esses olhinhos verdes brilhantes é um caminho sem volta e, pode acreditar, quase sempre é mesmo uma aranha. Mas existem vários brilhos diferentes, como o que revelou o paradeiro de uma serpente suaçubóia (Corallus hortulanus), perfeitamente camuflada em sua descida por um cipó. 

“Essa espécie tem uma característica muito peculiar, os olhos dela refletem uma luz muito forte. Então, quando bate a lanterna a gente enxerga de longe um brilho”, explica Rafael de Fraga, mais conhecido como “Rato”, que apresenta o programa  “Em Busca das Cobras”, da National Geographic Brasil, ao lado de Vinicius de Carvalho, e esteve com o Greenpeace Brasil na expedição Amazônia Que Precisamos. 

Com olhos treinados e movimentos certeiros, estes especialistas localizam as espécies através de sons, brilhos e movimentações mínimas sob as folhas no chão e sobre os galhos de árvores e lianas, as trepadeiras que conectam o dossel ao chão da floresta. 

Os sapos e rãs preenchem a atmosfera com seus coaxares, que vão de apitos estridentes a sons rítmicos e graves. Pode parecer uma disputa de caixas de som na praia, mas a competição aqui é de vida ou morte: o coaxar é uma das formas utilizadas pelos machos para conquistar as disputadas fêmeas e o direito de fecundar seus ovos, como explica o biólogo Pedro Taucce, especialista em herpetologia.

Desde a escola aprendemos que os sapos colocam ovos, que viram girinos e crescem até ficarem mais parecidos com seus pais. Mas algumas espécies não experimentam esta etapa. “Algumas espécies têm o desenvolvimento direto, que não passa pelo estado larval de girino. Existem cerca de 8.500 espécies de anfíbios conhecidas e pelo menos 2 mil não passam pelo estado de girino. Boa parte dessas espécies está dentro de uma superfamília chamada Brachycephaloideae ou terrarana, que, no nome popular, são as rãs da terra”, afirma Pedro.

Para as fêmeas desta família, produzir bebês é um processo difícil e muito custoso, então elas são bastante criteriosas na escolha de um parceiro, tem que ter o melhor canto para conquistá-las. Acontece que alguns machos conseguem disfarçar na entonação, para parecerem maiores e mais bonitões do que realmente são, igual àqueles caras do Tinder que colocam uma foto dez anos mais novo para impressionar as gatinhas.

Existem até algumas sapinhas prevenidas que vão além na seleção. “Tem uma espécie na Mata Atlântica que tem todo um ritual de encontro, em que eles encostam o queixo um no outro, depois encostam a pata, e no final ele leva ela para conhecer a toca que ele fez e a fêmea, que é muito maior, pode desistir a qualquer momento”. Tá aí um conceito que para muitos humanos ainda é difícil de assimilar, mas que a natureza mostra que até os sapos entendem: consentimento. 

Aliás, há muito o que aprender observando estes animais. Uma das coisas que a professora Fernanda Werneck e seu time estudam, por exemplo, é como os anfíbios respondem às mudanças no clima e no ambiente. 

“Anfíbios e répteis, além de serem muito diversos, fazem links entre vários elos da cadeia alimentar, ora como predadores, ora presas. E eles têm essa associação muito forte com os ambientes locais. Eles são chamados de organismos ectotérmicos, que são aqueles que dependem das condições ambientais, das temperaturas ambientais para controlar suas temperaturas corpóreas”, explica a doutora Werneck. 

De acordo com a pesquisadora, devido a esta característica, de serem muito sensíveis às alterações do ambiente de diversos tipos, desde perda de habitat, desmatamento e também mudanças climáticas globais, observar a herpetofauna e compreender sua interação com o ambiente é uma forma bastante efetiva de entender como as mudanças rápidas no meio ambiente, causadas pela ação humana, podem estar impactando a diversidade de espécies. 

Segundo a pesquisadora, resultados preliminares deste estudo vêm apontando que estes impactos já podem estar ocorrendo. “Nas regiões periféricas da Amazônia, as populações de lagartos, por exemplo, que estão nessas regiões mais próximas da transição da Amazônia para o Cerrado, parecem já ter passado por processos seletivos influenciados pelo clima e terem se adaptado”, diz. 

Fernanda conta que esta é uma das dinâmicas esperadas para o Antropoceno, que é a forma como parte da comunidade científica vem se referindo ao momento geológico em que vivemos, após 11,65 mil anos no Holoceno. O termo, ainda em discussão, vem do grego “anthropo”, que significa “humano”, e este período seria caracterizado pela rápida alteração do ambiente causada pelos seres humanos. 

“Com o clima mais quente, as espécies adaptadas podem adentrar outros espaços em busca de abrigo, e isso pode causar um impacto nas populações e comunidades locais, só que de uma forma muito mais acelerada do que aconteceria em uma escala geológica normal. Algumas dessas alterações já são esperadas para dezenas de anos. E o desmatamento, a perda de hábitat, é perda de espécies. Não tem como fugir disso”. 

Se o mundo não parar o que está fazendo para ouvir o que a ciência tem a dizer e recalcular a rota, não vai ter aplicativo de namoro suficiente para salvar a raça humana de sua própria extinção. Não estamos falando apenas da reprodução de sapos e lagartos, mas de todo o nosso modo de vida. Está na hora de aprender um pouquinho mais com o que a floresta está tentando nos mostrar. 

Um dos objetivos da expedição Amazônia Que Precisamosfoi promover a ciência, dando apoio à realização de um primeiro inventário biológico em uma região pouquíssimo conhecida pela pesquisa. Este trabalho ajudará comunidades do rio Manicoré a lutar pela proteção desta floresta e de seu modo de vida. Essa é a Amazônia do futuro. 

Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace Brasil  de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

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