As violentas invasões de garimpeiros em terras indígenas, como as sofridas pelo povo Munduruku, no Pará, e pelos Yanomami, em Roraima, não são exceção, mas sim uma amostra do cenário atual da Amazônia. O Observatório do Mercúrio, plataforma georreferenciada lançada hoje, que reúne estudos sobre o mercúrio e dados referentes à exploração de ouro, mostra a grande quantidade de garimpo legal e ilegal em TIs (Terras Indígenas).
A plataforma abrange não só a Amazônia brasileira, como toda a Pan-Amazônia (que inclui outros países com floresta amazônica) e mostra a mesma pressão sobre povos indígenas na Colômbia, Guyana e Bolívia. Além da terra Munduruku, no Pará, é possível localizar atividades de mineração, por exemplo, na área dos Menkragnotí; na TI Baú, do povo Kayapó; e na TI Xikrin do Cateté. No Maranhão, há garimpo bem no limite da TI Alto Turiaçu; no Amazonas, nas TIs Marapi, Rio Biá, Waimiri-Atroari, entre outras. A condição se repete em todos os estados brasileiros e países com floresta amazônica, como a TI Pilón Lajas, na Bolívia.
Na plataforma é possível fazer uma navegação georreferenciada por meio de camadas, o que facilita a localização espacial das atividades mineradoras. Por exemplo, ao escolher as camadas Municípios, Mineração, Mineração ilegal, Contaminação por mercúrio em humanos e Contaminação por mercúrio em peixes, é possível visualizar as regiões onde foram feitos estudos que apontam contaminação por mercúrio e as áreas de garimpo.
No Pará, por exemplo, a maior concentração de garimpo legal e ilegal está na região de Itaituba, a oeste do estado, a mais de 1.200 quilômetros de Belém, inclusive em Áreas Protegidas (outra camada disponível). No caso de Manaus, o ponto de garimpo mais próximo mostrado pelo Observatório fica perto do município de Maués, a mais de 260 quilômetros da capital amazonense em linha reta e acessível somente por balsa pelo rio Amazonas.
Junto com o garimpo e a violência chega também o mercúrio, metal utilizado para separar o ouro de outros sedimentos. Ele se soma ao mercúrio que também está presente na natureza e é liberado à atmosfera pelo desmatamento, queimadas e alterações provocadas pelo homem, alcançando níveis prejudiciais à saúde. Em três comunidades Munduruku, 6 em cada 10 indígenas apresentaram níveis de mercúrio acima dos limites máximos estabelecidos como seguros por agências de saúde internacionais. Essas comunidades ficam entre os municípios de Itaituba e Trairão, no Médio Tapajós, no Pará. Na plataforma, é possível visualizar registros dos estudos feitos sobre a contaminação com humanos e com os peixes. Em um deles, realizado com uma comunidade ribeirinha próxima à TI Munduruku, foi registrado um nível 12 vezes acima do limite máximo considerado seguro.
“O mercúrio é mais um problema em uma cadeia de vulnerabilidades”, afirma a pesquisadora Sandra Hacon, da Ensp/Fiocruz (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz). Sandra é uma das autoras de um estudo sobre o impacto do mercúrio na Amazônia Oriental, realizado em 2019, que detectou níveis de contaminação em fios de cabelos de todos os indígenas participantes da pesquisa, sem exceção – crianças, adultos e idosos.
A ativista do movimento indígena de Roraima Jama Wapichana tem acompanhado de perto a complexa e criminosa cadeia do garimpo, e cita os problemas enfrentados pelos Yanomami. “Os parentes dessa etnia acabam por sair do território destruído pelo garimpo e vão para as cidades com a família toda, sem qualquer apoio. A falta de um mínimo de condições de vida os leva ao álcool, ao suicídio. Muitos se jogam na frente de veículos na estrada para se matar”, diz. Por trás do garimpo fica o rastro de destruição e a perda da cultura e do modo de vida de diversos povos. “Não falo só dos indígenas. A população ribeirinha e a das cidades depende da saúde dos nossos rios. O principal deles, o rio Branco, recebe a contaminação do garimpo por meio de seus afluentes e, por sua vez, vai desaguar no rio Negro. O rastro de destruição é muito grande.”
“Com a publicação do Observatório do Mercúrio, as evidências do problema premente do uso ilegal de mercúrio no garimpo ficam públicas”, afirma Marcelo Oliveira, especialista de conservação do WWF-Brasil e líder da agenda de combate ao garimpo ilegal. “A ambição é que a reunião desses dados e informações sobre a Pan-Amazônia possa servir de apoio técnico-científico à elaboração e implementação de políticas públicas e à tomada de decisões que promovam a legalidade e a conservação da região e respeitem a autonomia e os direitos dos povos tradicionais locais, incluindo indígenas, ribeirinhos e quilombolas.”
Jama explica que, além de comando e controle, faltam políticas públicas que também garantam a autonomia, saúde e vida digna aos povos indígenas. “Os povos indígenas precisam de segurança e instituições fortes a favor deles para que possam continuar lutando por suas terras e enxergando um futuro digno em seu modo tradicional de viver.”
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais