A obsolescência se manifesta em três formas: programada, perceptiva e de função.
Vivemos em uma época de rápidas e frequentes transformações – culturais, econômicas e sociais. Nós, seres humanos, também estamos sujeitos a essas transformações e é por meio delas que modificamos o nosso comportamento. A obsolescência é um traço marcante desse cenário contemporâneo e se manifesta em três formas: programada, perceptiva e de função.
Os avanços tecnológicos são importantes nesse contexto e estimularam esta nova organização da sociedade, que se voltou para o surgimento de novos desejos e necessidades. Assim, a produção e o consumo passaram a ser regidos pela lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, ditando que o novo será sempre superior ao antigo, acelerando o desuso e o descarte prematuro dos produtos consumidos. Comprar se tornou um ato de criação, de identidade, de identificação, de expressão e de comunicação.
Além dessa nova organização e das novas formas de produzir e consumir que surgiram, também existe o fato de que vivenciamos um período de intenso crescimento populacional. De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), o planeta conta hoje com mais de sete bilhões de pessoas e a previsão é de que a população mundial ultrapasse os nove bilhões de habitantes ainda na metade do século XXI. Dessa forma, a acelerada demanda por produtos e serviços para nos atender é um problema a ser enfrentado.
O forte incentivo do governo para as empresas aumentarem produção e competitividade promove um estímulo cada vez maior do consumo, revelando a psicologia do desperdício que ainda domina o direcionamento industrial contemporâneo. Em consequência, temos um desequilíbrio causado pela acelerada extração de matérias-primas, aumentando o gasto de água e energia elétrica, além dos índices de poluição e das emissões de gases de efeito estufa.
Esse desequilíbrio está correlacionado com a grande demanda gerada pelo crescimento populacional e a urbanização do planeta, e com a lógica capitalista que visa alcançar lucros elevando o ritmo de produção. Nessas circunstâncias, destaca-se o conceito de obsolescência de produtos.
O termo obsolescência significa tornar-se obsoleto. É o processo ou estado daquilo que está em curso de se tornar ultrapassado ou que perdeu a utilidade e que, consequentemente, caiu em desuso. Do ponto de vista comercial, a obsolescência é definida por meio da aplicação de técnicas utilizadas para limitar artificialmente a durabilidade de produtos e serviços com o único objetivo de estimular o consumo repetitivo.
Esse conceito surgiu entre 1929 e 1930, tendo como plano de fundo a Grande Depressão, e visava incentivar um modelo de mercado baseado na produção e no consumo em série, a fim de recuperar a economia dos países naquele período. Em pouco tempo, a obsolescência revelou um dos mais graves impactos ambientais a serem enfrentados: a gestão dos resíduos resultantes do processo de consumo desenfreado.
Principais estratégias de obsolescência
Atualmente existem três estratégias principais utilizadas como motores da economia e do consumismo, que acabam por tornar produtos obsoletos. São elas: a obsolescência programada ou de qualidade, a obsolescência perceptiva ou de desejabilidade e a obsolescência tecnológica ou de função.
Obsolescência programada
Conhecida também como obsolescência planejada ou de qualidade, se refere à interrupção ou programação da vida útil de um produto feita intencionalmente pelo fabricante. Em outras palavras, ela consiste em produzir itens já estabelecendo o término da vida útil deles.
Trata, portanto, do encurtamento da vida útil de um produto, de forma que os consumidores sejam obrigados a comprar, em um curto espaço de tempo, novos produtos para a mesma finalidade, aumentando a lucratividade das empresas. Assim são vendidos propositalmente produtos com tempo de vida útil menor com a intenção de acelerar o consumo.
A obsolescência programada é a estratégia apontada por alguns economistas como sendo uma das maiores e principais soluções utilizadas durante a crise de 1929 nos Estados Unidos para diminuir a taxa de desemprego e aquecer a economia americana. Logo em seguida, essa estratégia passou a ser utilizada no mundo inteiro.
Um caso pioneiro e emblemático dessa prática ocorreu com o cartel Phoebus, sediado em Genebra, que teve toda a indústria de lâmpadas organizada sob si, contando com a participação das principais fabricantes de lâmpadas da Europa e dos Estados Unidos. Foi definida uma redução de custos e da expectativa de vida das lâmpadas de 2,5 mil horas de duração para apenas mil horas. Assim, as empresas conseguiriam controlar a demanda e a produção. E esse tipo de prática, iniciada na década de 30, ocorre até hoje.
Também existem alguns exemplos na indústria têxtil. Em 1940, a Dupont, uma empresa química, criou o náilon, nova fibra sintética extremamente forte e revolucionária. Mas havia um problema a respeito dessa invenção: mulheres deixariam de comprar novas meias-calças por causa da eficiência do náilon criado. Dessa forma, os engenheiros da Dupont tiveram que projetar uma fibra mais fraca.
Outro exemplo ocorreu durante a primeira geração do iPod, o aparelho de reprodução de músicas da Apple, que foi intencionalmente projetado para ter uma vida útil curta. Casey Neistat, um artista de Nova York, nos Estados Unidos, havia pago 500 dólares por um iPod cuja bateria parou de funcionar 18 meses depois. Ele reclamou, mas a resposta da Apple foi: “Vale mais a pena comprar um iPod novo”. Depois de perder o processo e de toda a repercussão negativa, a Apple fez um acordo com os consumidores, elaborando um programa de substituição das baterias e estendendo a garantia dos iPods.
Outro caso dessa prática pode ser observado no ramo das impressoras de tinta a jato. Elas teriam um sistema especialmente desenvolvido para travar o equipamento depois de um certo número de páginas impressas, sem a possibilidade de reparo. Para o consumidor, a mensagem passada é a de que a impressora quebrou e não há conserto. Mas, na realidade, foi descoberta a existência de um chip, chamado Eeprom, que indica qual será a duração do produto. Quando um determinado número de páginas impressas é atingido, a impressora simplesmente para de funcionar.
Obsolescência perceptiva
A Obsolescência perceptiva também é conhecida como obsolescência psicológica ou de desejabilidade. Ela ocorre quando um produto, que funciona perfeitamente, passa a ser considerado obsoleto devido ao surgimento de outro, com estilo diferente ou com alguma alteração em sua linha de montagem. Essa estratégia é referida como sendo a desvalorização prematura de um produto ou serviço sob o ponto de vista emocional e é amplamente utilizada por empresas com o objetivo principal de aumentar as vendas.
A desvalorização psicológica dos produtos resulta, para os usuários, na sensação de que seu bem se tornou ultrapassado, tornando o objeto menos desejável, embora ele ainda funcione – e muitas vezes em perfeitas condições. Assim, essa estratégia também pode ser chamada de obsolescência psicológica, uma vez que está totalmente relacionada com as vontades e desejos do consumidor.
Em outras palavras, são adotados mecanismos para mudar o estilo dos produtos como uma maneira de induzir os consumidores a irem repetidamente às compras. Trata-se de gastar o produto na mente das pessoas. Dessa forma, os consumidores são levados a associar o novo com o melhor e o velho com o pior. O estilo e a aparência das mercadorias se tornam elementos importantíssimos e é o design que traz a ilusão de mudança por meio da criação de um estilo. Assim, a obsolescência percebida, em muitos casos, faz o consumidor se sentir desconfortável quando utiliza um produto que julga ter se tornado ultrapassado.
É o design, juntamente com a propaganda, que consegue, ao longo dos anos, despertar o desejo desenfreado de consumo nas pessoas a partir de uma estratégia empresarial. Essa prática resulta no condicionamento de uma grande parcela da população a acreditar que a posse de bens materiais dá acesso à felicidade. A publicidade e as mídias agem como modeladoras de tendências, impulsionando projetos de design ao possibilitar uma significativa exposição e presença no imaginário dos consumidores.
A estratégia da obsolescência perceptiva pode ser considerada uma subdivisão da obsolescência programada. A grande diferença entre as duas estratégias é que a obsolescência programada torna um produto obsoleto por meio da redução da vida útil, fazendo com que perca sua funcionalidade, e a obsolescência perceptiva torna o produto obsoleto frente aos olhos do consumidor, não sendo mais percebido como uma tendência de estilo, mesmo que ainda esteja perfeitamente funcional.
Obsolescência tecnológica
Essa estratégia é diferente das apresentadas anteriormente. A obsolescência tecnológica, ou obsolescência de função, como também é conhecida, ocorre quando um produto, mesmo funcionando e cumprindo a função para a qual foi projetado, é substituído por um novo modelo, com tecnologia mais avançada, que acaba desempenhando com mais eficiência as necessidades do consumidor. Esse é um tipo de obsolescência que acontece quando há a introdução de um produto genuinamente aperfeiçoado no mercado.
Essa forma de obsolescência é considerada por alguns especialistas como a mais antiga e permanente forma de obsolescência desde a Revolução Industrial, podendo ser analisada por meio das inovações tecnológicas. Dessa maneira, a obsolescência de função está associada à concepção de progresso percebida com avanços tecnológicos ocorridos na sociedade ao longo dos anos.
A obsolescência tecnológica faz parte da natureza do desenvolvimento. Essa estratégia se refere ao que ocorre quando há de fato um aprimoramento e, portanto, não se trata de algo ruim, sendo importante que aconteça.
Olhando para o nosso passado recente, podemos perceber explicitamente o emprego da estratégia de obsolescência de função em diferentes tipos de produtos: no ramo dos aparelhos celulares – que em menos de duas décadas de comercialização já ultrapassam as inovações de diversos eletrônicos existentes antes da sua aparição no mercado; no ramo das câmeras fotográficas – que se tornaram digitais e foram acrescidas de novos recursos, ampliando sua área de atuação; e no ramo dos produtos ligados à área da informática, que em ritmo acelerado se apresentam acrescidos de novas funções constantemente.
Apesar de alguns aspectos negativos, a obsolescência de função é tida como a menos perversa e a que mais se aproxima dos princípios da sustentabilidade. É uma visão em que um produto existente só se torna antiquado quando (e se) for introduzido um novo que executa melhor a sua função. O produto não é fabricado com defeitos congênitos, como no caso da obsolescência programada, o que em parte evita o descarte prematuro.
Alternativas
A acelerada demanda por novos produtos, acompanhada do descarte prematuro de produtos ainda em funcionamento, leva a uma geração de resíduos exacerbada, centrada no desperdício. A prática da obsolescência intensificou um dos mais graves impactos ambientais a serem enfrentados no tempos atuais: a gestão dos resíduos resultantes do processo de consumo desenfreado.
Surge, por meio disto, a busca por alternativas viáveis para o descarte do lixo resultante da sociedade de consumo. É vital repensar os atuais sistemas e estratégias utilizados. Nesse contexto, o conceito de economia circular surge como uma promessa. Ele pode ser considerado uma junção de diversos conceitos criados no último século, como: design regenerativo, economia de performance, cradle to cradle – do berço ao berço, ecologia industrial, biomimética, blue economy e biologia sintética. O foco de todos é desenvolver um modelo estrutural para a regeneração da sociedade.
A economia circular é um conceito baseado na inteligência da natureza, sendo oposta ao processo produtivo linear vigente ao propor um processo circular, onde os resíduos são insumos para produção de novos produtos. A cadeia produtiva seria repensada para que peças de eletrodomésticos usadas, por exemplo, pudessem ser reprocessadas e reintegradas à cadeia de produção como componentes ou materiais de outros. Assim, a economia circular parte da proposta de desconstruir o conceito de resíduo com a evolução de projetos e sistemas que privilegiam materiais naturais que possam ser totalmente recuperados.
Além disso, já começam a surgir alguns movimentos e ações contrárias à prática da obsolescência. Um deles é o movimento fixer, que pode ser considerado como uma expressão da contracultura em desenvolvimento, e é reconhecido por seus participantes mais entusiastas como uma forma de ativismo. Ele teve início na Holanda e foi criado pela jornalista Martine Postma através da criação da fundação ‘Repair Café Foundation’.
Criado com a intenção de promover a ação, a jornalista decidiu auxiliar as pessoas a consertarem seus próprios objetos, de uma maneira prática, evitando gastos desnecessários durante o conserto. Essa ação promove o prolongamento da vida útil dos produtos e ensina os participantes a repará-los no caso de uma nova necessidade.
Por meio desse movimento de consertadores (fixers), as pessoas descobrem que podem dar vida nova há produtos que antes permaneciam guardados ou eram descartados. E, segundo os participantes mais entusiastas deste movimento, “o melhor para o planeta não é reciclar lixo, e sim não produzi-lo”.
No centro desse movimento encontra-se a discussão sobre a obsolescência e a constatação de que muitos problemas ocasionados pelo consumo desenfreado e pela rápida obsolescência dos produtos seriam evitados se a cultura de design e consumo das empresas não estimulasse o rápido descarte dos produtos. Sabemos que a natureza é finita, isso é indiscutível. Portanto, a finalidade das atividades econômicas não pode ser apenas o lucro e a consequente produção de lixo. Novas estratégias e formas de organização se mostram necessárias.