Ação requer a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, espinha dorsal da política pública que gerencia a redução de emissões de gases de efeito estufa no Brasil
Por Observatório do Clima – O Observatório do Clima (OC) protocolou ontem (26/10) uma ação civil pública na Justiça Federal do Amazonas contra a União e o Ministério do Meio Ambiente demandando a atualização o Plano Nacional sobre Mudança do Clima. Lançado em 2008, o plano é a espinha dorsal das políticas públicas de redução de gases-estufa no Brasil, mas nunca foi atualizado – portanto, não reflete nem as necessidades do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC, nem os recentes alertas da ciência sobre a urgência em produzir cortes drásticos de emissões em todos os países.
“A ação pleiteia um plano atualizado, consistente e detalhado, condizente com redução das emissões brasileiras, considerando todos os setores da economia, em conformidade com a legislação vigente, dentro de prazo razoável a ser fixado em juízo”, explica Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima.
O limite de 1,5°C em relação à era pré-industrial está disposto no Acordo de Paris e é vital para tentar controlar o superaquecimento da Terra. Relatório divulgado em agosto pelo IPCC, o painel do clima da ONU, revelou que, do aquecimento de 1,09ºC observado hoje, 1,07ºC provavelmente deriva de ações humanas, como queima de combustíveis fósseis e desmatamento.
O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com 3,2% do total. Se os 28 países da União Europeia não forem computados em bloco, as emissões brasileiras passam para o quinto lugar. As emissões per capita do Brasil são também maiores que a média mundial. Em 2019, a média de emissões brutas de CO2 por brasileiro foi de 10,4 toneladas, enquanto a média mundial era 7,1.
Mudar esse cenário implica colocar em prática a PNMC (Política Nacional sobre Mudança do Clima), instituída por lei federal em 2009. Ela formaliza compromissos internacionais assumidos pelo país para redução de suas emissões e traz objetivos claros para que se promova “o desenvolvimento econômico-social de maneira compatível com proteção do sistema climático”. A peça-chave para a execução da PNMC é justamente o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que compreende os planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento e os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.
No Brasil, as mudanças no uso da terra — desmatamento — são os principais vetores de emissão de gases de efeito estufa: 44% do total de emissões brutas em 2019, segundo o SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. A principal meta da PNMC, reduzir o desmatamento na Amazônia em em 80% em 2020 em relação à média verificada entre 1996 e 2005, não foi cumprida: após o desmonte do combate ao desmatamento pelo governo de Jair Bolsonaro, a devastação em 2020 ficou 176% acima do exigido pela lei.
Outro exemplo: as emissões diretamente relacionadas à agropecuária respondiam por 28% das emissões brasileiras em 2019. O Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC), que também é parte da PNMC, tem sido aplicado com volume de recursos muito aquém do necessário. Para a safra 2021-2022 foram previstos apenas R$ 5 bilhões de um total de R$ 251 bilhões do Plano Safra, portanto, 2% do crédito rural foi destinado a financiar atividades que ajudam a reduzir emissões.
Na frente de energia (19% do total nacional de emissões em 2019), a situação se agravou com a crise hídrica. Na contramão das soluções sustentáveis, a Lei nº 14.182/2021 sancionada pelo atual governo prevê a contratação obrigatória de 8 gigawatts (duas vezes a geração média de Belo Monte) em termelétricas movidas a gás natural para suprir as necessidades adicionais de geração no país durante os próximos 15 anos. Isso aumentará em um terço as emissões do setor elétrico.
A ação também cita vários outros retrocessos no sistema nacional de proteção ambiental e controle do clima do regime Bolsonaro. Vão desde o esvaziamento da participação de representantes da sociedade civil em fóruns, espaços e comitês que tratam da questão da mudança do clima, até o congelamento de recursos em fundos formados para investir em soluções (Fundo Clima e Fundo Amazônia), passando pelo enfraquecimento dos principais órgãos de controle ambiental e climático (Ibama e ICMBio), engavetamento do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e pela paralisação do processo sancionador de autuações ambientais.
Em relação às metas do Acordo de Paris, o Brasil também regrediu em termos de ambição climática. O compromisso apresentado em 2020 colide com o próprio texto do acordo, ao permitir que o país chegue a 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de CO2e a mais que o proposto em 2015 — a chamada pedalada climática.
O texto da petição detalha oito principais casos de litígio climático em diferentes países, em situações similares a de atualização do Plano para evidenciar a legitimidade da demanda e, principalmente, do Judiciário em responder a esse tipo de desafio.
“Estamos indo à Justiça para obrigar o governo a fazer o mínimo que qualquer governo deveria fazer, que é proteger seus cidadãos dos impactos presentes e futuros da crise climática”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “O Brasil não é apenas um dos maiores vilões da mudança do clima, mas também uma de suas principais vítimas. Deveríamos ter um plano de clima consistente com a urgência apontada pela ciência não para cumprir obrigações internacionais, mas para ajudar a evitar tragédias como a crise hídrica atual e impulsionar nossa economia, já que no Brasil agir no clima também significa gerar emprego e renda. Infelizmente não podemos esperar que o regime Bolsonaro e os líderes do atual Congresso Nacional atuem em favor do país, então estamos recorrendo ao Judiciário para isso.”