Um grupo de 21 organizações e redes de organizações da sociedade civil pediu, em 21 de outubro, ao presidente Michel Temer que vete o programa de estímulo às termelétricas a carvão, recém-aprovado pelo Congresso Nacional.
O programa foi inserido de contrabando na forma de um artigo na Medida Provisória no 735/2016, que regula privatizações no setor elétrico. Escrito sob encomenda do lobby carvoeiro dos Estados do Sul do país, o artigo prevê a “modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão mineral para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de 2023 e até 2027”. Cria, ainda, uma reserva de mercado para o carvão nacional, de baixa qualidade e altamente poluente.
A MP 735 foi aprovada pelo Senado na última em 19 de outubro na forma do Projeto de Lei de Conversão 29/2016. O presidente tem 15 dias para sancioná-la.
Em carta enviada a Temer, as ONGs demandam o veto ao artigo 20 da MP, afirmando que ele “afasta o Brasil do cumprimento de suas obrigações no âmbito do Acordo de Paris e coloca o país na contramão do resto do mundo e de decisões recentes do próprio governo brasileiro”.
O documento lembra que, a partir de novembro, o Acordo de Paris passa a valer como lei doméstica no Brasil, um dos primeiros grandes poluidores do mundo a ratificá-lo. E que não há lugar para novas usinas a carvão nem no objetivo do acordo – de estabilizar o aquecimento da Terra em menos de 2°C neste século –, nem na meta brasileira de aumentar a quantidade de energias renováveis na matriz até 2030.
Além disso, termelétricas fósseis custam caro ao país, cuja economia ainda não se recuperou da recessão: somente entre 2013 e 2014, a contratação adicional dessas usinas custou R$ 68 bilhões.
“Estimular o carvão vai na contramão do movimento de descarbonização e é um crime contra a economia nacional”, diz André Nahur, coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, uma das organizações signatárias da carta. “Esse artigo é um caso típico de um interesse de um setor sendo atendido à custa de toda a sociedade.”
Segundo Sérgio Guimarães, coordenador do Grupo de Trabalho Infraestrutura, que congrega 30 organizações, o artigo vai na contramão de outras decisões do próprio governo. “Há menos de duas semanas o BNDES disse que não financiaria mais térmicas a carvão e aumentaria o investimento em energias renováveis”, disse. “Entendemos o apreço do presidente pela autonomia do Congresso, mas este é um caso no qual o veto é a única forma de preservar o interesse nacional.”
Para Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 40 organizações que também assina a carta, a aprovação do artigo 20 pelo Congresso é um sinal negativo para a credibilidade do Brasil nas negociações de clima. “O mesmo Parlamento que fez a coisa certa ao ratificar o Acordo de Paris em tempo recorde cria agora um constrangimento enorme para o governo às vésperas da conferência do clima de Marraquexe”, afirma Rittl. “Os legisladores que aprovaram esse programa parecem viver numa realidade paralela, estimulando uma energia do século 19 no país que mais tem vantagens ao adotar energias do século 21.”
Leia aqui a íntegra da carta e veja a lista dos signatários.