Por Cristina Albuquerque, Virginia Tavares e Margarita Parra, do WRI Brasil | O custo de capital mais elevado é um dos desafios para a transição para ônibus elétricos no transporte coletivo. Este desafio, no entanto, oxigena o setor e estimula a inovação. Novos arranjos para aquisição e operação da frota são um dos trunfos das cidades que têm conseguido acomodar o alto custo inicial dos veículos e infraestruturas de recarga em modelos de negócio inovadores.
Quais são os elementos de um modelo de negócio em eletromobilidade e, principalmente, qual é o modelo correto para as cidades brasileiras? Para a segunda pergunta, não existe uma só resposta: o contexto de cada cidade é único e pode favorecer arranjos distintos. Responder à primeira questão, no entanto, pode ajudar as cidades brasileiras a encontrarem o seu modelo de negócio viável.
O WRI Brasil, a Clean Energy Works e a TUMI E-Bus Mission realizaram recentemente um webinar sobre modelos de negócio para eletromobilidade. O workshop virtual forneceu orientações, resumidas neste artigo, sobre os elementos que compõem esses modelos de negócio e exemplos do que tem sido implementado por governos e empresas no Brasil e em outros países. Vamos a eles.
O usual nos sistemas brasileiros de transporte coletivo é a compra da frota por um ente privado (as empresas operadoras, por meio dos contratos de concessão vigentes) ou, em alguns casos, por um ente público (as prefeituras ou governos estaduais, por meio de licitação). No entanto, o custo de capital mais elevado da tecnologia elétrica tem ensejado novos caminhos.
Por vezes, diversos atores se somam para fazer compras conjuntas, aproveitando economias de escala. O governo nacional na Índia adquiriu mais de 5 mil ônibus elétricos para facilitar a transição para a mobilidade elétrica no país asiático, e ainda planeja comprar 50 mil ônibus adicionais. Na Itália, operadoras de Turim se uniram na compra pública de 23 ônibus elétricos.
Outra alternativa é o aluguel, modalidade em que um locador (por exemplo, uma empresa de energia) adquire um ativo para então alugar a um cliente (uma cidade ou operador). Este tipo de aluguel permite reduzir o investimento inicial e distribui-lo ao longo da vida útil dos veículos e das infraestruturas. Ao fim de um determinado período, o contrato pode prever a compra dos ativos pelo locatário por um valor pré-acordado.
São José dos Campos tenta viabilizar a locação de ônibus a bateria para eletrificar a frota de cerca de 400 ônibus. Antes disso, adquiriu 12 ônibus elétricos superarticulados, de 22 metros, para operação da Linha Verde, com receitas extratarifárias oriundas da outorga de concessão do estacionamento rotativo.
No Estado da Bahia, o poder público comprou, por pregão eletrônico, 20 ônibus elétricos a bateria. A operação e manutenção fica sob responsabilidade das empresas operadoras.
Em Salvador, as empresas operadoras compraram oito ônibus elétricos padron para operar no novo BRT da capital baiana, enquanto a prefeitura está licitando a infraestrutura de recarga.
O aluguel pode ser total ou parcial. Em São Paulo, a fabricante vendeu 18 ônibus elétricos à empresa operadora e locou as baterias. Como um ônibus elétrico sem a bateria custa muito próximo a um veículo a diesel, o arranjo permitiu uma transição menos disruptiva em termos de custos de capital.
Há muitos arranjos possíveis das atribuições em um contrato de eletromobilidade para o transporte coletivo, alguns deles já vigentes no Brasil (veja o box sobre casos brasileiros). Ou seja, diferentes atores podem ser encarregados dos principais componentes – posse de veículos e baterias; manutenção dos veículos; operação; posse das garagens; e infraestrutura de recarga. Os fabricantes podem fornecer veículos e manutenção. Há casos, também, em que empresas de energia compram os veículos e instalam a infraestrutura de recarga. Investidores podem aportar recursos e ter diferentes atribuições. A tabela abaixo ilustra os diversos arranjos possíveis, implementados por cidades ao redor do mundo.
Os custos totais de propriedade (TCO, na sigla em inglês) dividem-se em custos de capital, relacionados a aquisição da tecnologia, e custos operacionais – as despesas para operação e manutenção. Realizado, primeiramente, na etapa de planejamento do projeto de eletromobilidade, o estudo dos custos é refinado na elaboração do modelo de negócio. Com a definição da quantidade de veículos e do período da aquisição, pode-se fazer uma análise econômica mais precisa para toda a duração do projeto.
Um estudo de custos bem conduzido proporciona oportunidades. Isso porque, em muitos casos, o TCO de ônibus elétricos tende a ser inferior ao de veículos a diesel. Pela mecânica mais simples, ônibus elétricos têm uma duração maior que os ônibus a diesel. Além disso, a depender do contexto, o valor gasto com recarga elétrica tende a ser mais baixo do que com o diesel. Essas economias na operação e manutenção viabilizam novos instrumentos financeiros para a aquisição, como o pay-as-you-save (leia mais abaixo).
Na Colômbia, um estudo da Clean Energy Works mostrou que, ao longo de 15 anos, o custo total da propriedade do ônibus elétrico é 11% menor do que o do veículo a combustão. Pesam a favor deste número o fato de que o país vizinho ao Brasil dispõe de uma política nacional da eletromobilidade que concede redução de impostos.
Os recursos financeiros não reembolsáveis são aqueles utilizados para pagar os investimentos realizados (em infraestrutura, veículos etc.) e os custos de amortização dos financiamentos. Há quatro tipos principais:
A aquisição da tecnologia elétrica dificilmente prescindirá de financiamento. Produtos financeiros são as formas de mobilizar capital para o projeto. São recursos com expectativa de amortização ou pagamentos futuros e englobam:
O “pay-as-you-save” é um instrumento financeiro que permite o investimento de empresas de energia na bateria e na infraestrutura de recarga, reduzindo o custo inicial para o operador, que pode comprar o resto do ônibus. O custo de operação e manutenção inferior dos ônibus elétricos permite às empresas desenharem o financiamento de modo que os operadores do sistema possam pagar valendo-se das economias. O aporte é recuperado mediante taxa de serviço, inferior à economia estimada na operação. O modelo está em vias de ser implementado em Detroit (EUA) e foi proposto em Medellín (Colômbia).
Como ficou claro até aqui, a eletromobilidade pode exigir adaptações em contratos e licitações – como nos arranjos de atores e atribuições – para acomodar as necessidades de investimento em veículos e infraestruturas e aproveitar as oportunidades e benefícios que novos atores podem agregar ao projeto. Os contratos devem abranger três componentes principais:
Apesar de apresentados separadamente, os elementos acima estão concatenados: as definições em relação a cada um deles impactam os demais. Assim, muitas decisões deverão ser tomadas conjuntamente. Não existe um tipo de modelo que seja adequado para todas as cidades: o modelo adequado depende de diferentes aspectos, como a capacidade fiscal do ente responsável pela aquisição, os diferentes atores e provedores de tecnologias disponíveis localmente e as regulações existentes.
Novas tecnologia trazem novos atores. No caso dos ônibus elétricos, incorporá-los ao sistema pode facilitar a divisão e alocação dos riscos do projeto em modelos de negócio viáveis. Essa busca tem levado cidades a enfrentar outros desafios intrínsecos aos modelos tradicionais – como os conflitos decorrentes da realização da aquisição, operação e bilhetagem por uma mesma empresa operadora. Rever modelos de negócio é uma oportunidade para renovar o sistema de transporte coletivo para além da eletromobilidade.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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